A Cigarra e a Formiga

Leopoldo Jereissati
Fala Man
Published in
12 min readJun 4, 2019

Dois dias em Brasília — DF

Tive a oportunidade de conhecer Brasília de um jeito diferente graças à uma agenda muito bem elaborada pelo Legado da Juventude Brasileira (LJB) e o embalo da segunda temporada de Mecanismo.

25 Anos do Instituto Ayrton Senna

Começamos com uma rápida visita pelo Congresso Nacional — Senado e Câmara dos Deputados; Salão Branco, Negro, Verde e Azul, nomeados de acordo com a cor do chão. Tivemos a sorte de participar, sem querer, de uma “cerimônia” reconhecendo os 25 anos de existência do Instituto Ayrton Senna, com a presença da Viviane fazendo um discurso bonito e emocionante sobre seu irmão. Nesse momento sentia alegria por ela e o Senna por tudo o que representam no âmbito da educação e inspiração para tantos brasileiros; sentia também certa frustração pensando por qual razão os deputados e um monte de chupins que ali estavam não faziam a mesma cerimônia em uma segunda-feira, sem que desviasse o foco das agendas mais relevantes para o País na TQQ (terça, quarta e quinta-feira, como são conhecidos os dias que os congressistas “estão” em Brasília por obrigação).

Tem um profissional no Senado que faz na escovinha esses desenhos no “contrafluxo” do carpete.

Nosso primeiro contato foi com três deputados reconhecidos no Congresso como os da renovação: Vinícius Poit, Felipe Rigoni e Lucas Gonzales. “Suor, Saliva e Sola de Sapato” — dizia Poit sobre como construiu o caminho bem-sucedido de sua campanha eleitoral. Enquanto isso, um deputado X da velha guarda atravessa a sala despretensiosamente, para na bancada e assina um papel. Era de fato uma emenda que ele parecia não saber ao certo o que era, mas quase que por praxe, registrava ali o seu apoio. Com muito pragmatismo, Poit continuava nos explicando sobre como comprovar e medir os resultados de seus esforços: seu time encontra um índice de mercado respeitado e confiável sobre o tema, destrincha todas as nuances possíveis para entender como o cálculo da nota funciona e faz de tudo para ir melhorando em cada frente encontrada. Não por acaso está usualmente no topo do Ranking dos Políticos.

Na sequência veio o Lucas, nos contando sobre a adaptação da sua rotina. Da vida entre BH e BSB, as infinitas pautas e pedidos de reuniões em seu gabinete, da necessidade de aprender a comprar as brigas certas e participar de comissões influentes para deixar algo tangível nos quatro anos de mandato. No caso, ele escolheu três pilares — dois quais me lembro bem e me interesso: Infraestrutura — por ele ter boa afinidade e know-how no assunto fruto de seu histórico profissional. Inserção de jovens no mercado de trabalho — outro tema importantíssimo uma vez que o mercado em si está mudando como nunca antes visto.

O Rigoni passou muito rápido em função da agenda atribulada mas falou o necessário para nos encantar e justificar sua independência dentro do seu partido — é o tipo de deputado que vai carregar seu público com ele independente de onde estiver por ser reconhecidamente fora da curva.

Deputados da Renovação

Almoçamos e fomos direto para uma segunda cerimônia: a oficialização do CAT (Conselho de Assessoramento Técnico) da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. O CAT e o IFI são duas grandes vitórias para a população como resposta à péssima gestão fiscal que vinha sendo realizada. Agora essa instituição independente, gera relatórios importantíssimos sobre “a quantas anda realmente” os números do Brasil, fundamenta com fatos e dados cenários pessimistas, realistas e otimistas sobre os temas em voga (no momento a reforma da previdência — claro) e deixa essas informações à disposição do povo e dos políticos que normalmente descobrem através da imprensa as atualizações dos relatórios.

O CAT, entre outras atribuições, garante que a equipe econômica se mantenha técnica e não política naquele emaranhado. O diretor executivo do IFI é o Felipe Salto — potência e raridade no meio, um jovem economista super esclarecido sobre o sistema complexo e seus entraves — consegue transitar como poucos por ali com respaldo acadêmico e bagagem na profissão; “ — Somos pessimistas no diagnóstico e otimistas na ação”. O IFI foi idealizado pelo Serra (que me chamou atenção por estar visivelmente debilitado durante a cerimônia) e apoiado veementemente pelo Tasso — também presente na cerimônia.

Mumm-Rá

O encontro seguinte era com o próprio Senador Tasso Jereissati. A ideia era conhecermos um pouco mais as visões de alguém que está inserido no contexto há tanto tempo. Foi curioso encontrar com meu tio em seu gabinete e em meio às formalidades naturais da ocasião. Foi legal também para entender os desafios que as redes sociais vem impondo na política, no diálogo dentro da casa e dentro de casa. Ele falou sobre a difícil decisão sobre votar a favor ou contra um tema quando de um lado suas convicções e referências apontam para uma direção e a pressão das redes sociais e de pessoas mais próximas apontam para outra. Tentei ser o mais imparcial possível mas imagino que o orgulho que sinto de tê-lo na família como exemplo é maior que a minha capacidade de controle. Em geral a figura do político está demonizada, principalmente no cenário atual. Nesse caso não, pelo menos para mim, este me inspira mesmo.

“ — E essa barba nova Leo? Ta na moda né…” Lamentava ele abrindo o encontro e invocando com isso…

Saindo dali fomos conhecer a Diretoria Geral do Senado. Um encontro importante para conhecermos a estrutura e tirarmos nossas próprias conclusões. À frente da Diretoria, uma servidora pública de carreira: Ilana Trombka. Uma mulher forte que nos contou sobre sua experiência de vida em Israel durante a guerra ainda como estudante com 17 anos, e como nossa cabeça se comporta naquele cenário: “ — Em situações extremas a gente toma um lado”. Nos ensinou a importância da excelência na gestão por obrigação (afinal é para isso que estamos ali como gestores) e os movimentos institucionais como forma de tangibilizar um legado (luta por melhor equilíbrio entre gêneros e cotas garantidas no time para mulheres que sofreram agressões em seus lares de seus maridos entre outras batalhas sociais dentro do contexto do Senado).

Ela nos apresentou alguns números que me chamaram a atenção. Você sabia que no Senado há 9.900 (nove mil e novecentas) pessoas no quadro? O orçamento do Senado é de R$4.5 Bi (quatro ponto cinco bilhões de reais e para que falar de centavos). Cara, é uma cidade. Aliás tem orçamento maior do que muito município com população semelhante. Primeira coisa que me veio na cabeça quando ela falou 9.900 pessoas foram duas destas que encontrei logo na entrada da chapelaria. Uma dizia “Senado para a Esquerda” a outra dizia “Câmara para a Direita” — Acho que esse era o job description completo. Também me lembrei de uns par de copeiros que abastecem de água e café incessantemente os ali presentes e um número exagerado de fotógrafos perambulando. Mas voltando à gestão, ela economizou mais de R$1 Bi com seu trabalho. Fiquei impressionado com o grande número; coisa boa. Depois escutamos que muitas vezes no Senado os gestores encostam as pessoas quando não encontram neles potencial de trabalho. Encostar entenda-se por continuam recebendo do povo para fazerem nada que interesse ou que agregue à instituição. Para que nos acalmássemos a Ilana chegou a comentar que sim, também é possível demitir alguns. Por exemplo os que não aparecerem por mais de 90 dias no trabalho entre outras ocasiões como essa. 4 (quatro) de 9.900, 0,04% foram demitidos de fato até o momento.

Entramos ali em uma segunda discussão sobre o Senado e os órgãos do governo terem um papel social. Empresas estatais não, mas os órgãos sim — segundo ela. Como exemplo comentou que não podemos no Senado demitir em massa as pessoas que ali estão sem função pois se não, o que aconteceria com elas? Como recolocá-las e reinseri-las no mercado de trabalho? Que o governo tem um papel social eu concordo, mas dentro do Senado ou similares não faz sentido algum. Uma senhora que esteja na mesma condição no setor privado vai ter que se virar e recorrer à Previdência. Falando nisso, “a Reforma é justa para o Brasil mas injusta com os servidores que ali estão desde antes de 2003”. Afinal o teto salarial (39 mil reais + uma série de aditivos e benefícios e coisas que eu nem me lembro) não é suficiente. Reformar não foi o contratado e agora vai sobrar para eles. Reforço aqui a importância desse encontro pois como quem vive em uma democracia, é de extrema relevância entender o ponto de vista de outras pessoas além do seu. Para os mais sábios e vividos ali, devemos assumir que as mudanças no Estado nunca serão abruptas. Serão incrementais, em doses homeopáticas e de longo prazo. Sem grandes revoluções, ou seja, esqueça a “Reforma do RH do Estado”. Orçamento base zero então… jamais — jamé (no caipirês).

Fui embora incomodado para o próximo encontro com o responsável da Avaaz no Brasil. Confesso que estava exausto mentalmente à essa altura do dia, mas entendi que o Avaaz vai além dos abaixo-assinados online. Eles são ativistas de causas diversas com uma plataforma eficiente de coleta de assinaturas e de funding descentralizado no mundo todo. Conhecem caminhos não convencionais para exercer pressão e encontrarem token points com os congressistas, tipo um MBL Light por serem institucionalmente uma ONG. Se sua petição for da hora e cair nas mãos certas, pode virar um rolê de impacto nacional. Mais de 2.000 petições são lançadas por dia na plataforma.

No caminho de volta para o hotel o motorista da van ligou o Waze e fiquei pensando como que os caras movimentaram e impactaram o mundo — bem mais que o Senado (9.900 pessoas) — com apenas 100 funcionários nos primeiros anos de empresa.

No segundo e último dia, Deus ouviu minhas preces, e/ou como nada na capital acontece por acaso, chegamos no Formigueiro de Brasília: Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Enfim música para os nossos ouvidos. Liderado por Paulo Uebel — Gaúcho tri-competente que saiu da esfera municipal (Prefeitura de São Paulo) para agraciar o Brasil com o seu brilhantismo. Sua equipe é multidisciplinar e plural. “Gente nova para trazer novas ideias e um olhar de fora com gente que conhece a máquina para fazer as coisas acontecerem.” Ter passado pela ponta (municipal) ajuda muito a tomar decisões institucionais (federal). O primeiro ano da sua gestão está muito focado em construir e fazer. Comunicar menos e fazer mais. A mudança tem que ser percebida para valer a pena. Foco é no resultado e na agenda de trabalho. Estão focados ali em três frentes:

  1. Repensar a Estrutura Organizacional da Máquina (Processos),
  2. Repensar o Quadro de Pessoas e suas Funções (Gente),
  3. Transformação Digital do Estado (Sistemas).

Tríade de qualquer livro treta sobre gestão empresarial passa pelos três pilares aqui logrados. Abaixo, algumas lições deixadas pelo Paulo:

Paulada #1 — “Nem tudo que é óbvio é simples”.

Os caras ali sabem e estão vendo tudo o que está acontecendo. Estão desbravando caminhos para poder ir na direção proposta e isso é complexo. Gleisson Rubin, servidor público de carreira, desde antes de 2003, tem plena consciência de que o contexto mudou. Não é o mesmo da época em que ingressou no sistema público. O mesmo país da Receita Federal que processa 26 milhões de declarações em 15 dias, que apura em menos de 3 horas o voto eletrônico de 110 milhões e habitantes não dá conta de apresentar um agendamento online de consultas médicas no sistema de saúde.

Paulada #2 “Vou dar um exemplo”

Para cada tese levantada, vinha um exemplo direto, embasamento com fatos, para justificar e não deixar pontas abertas. — “Precisamos comparar a revolta dos acendedores de lamparinas, da época em que resistiam à chegada dos postes elétricos para que o congresso liberasse a compra de passagens aéreas diretamente dos sites das companhias sem intermédio de agências de turismo (lobby de uma reserva de mercado e anti-progresso).”

Paulada #3 “Maioria vs Consenso”

Nem a decisão do voto feminino, nem o sufrágio universal e nem a abolição da escravatura no Brasil saíram por consenso, mas sim por maioria. Democracia é isso: capacidade de criar uma maioria sobre determinado tema.

Paulada #4 “Burocracia online é diferente de transformação digital”

São mais de 200 sites com extensão .gov , não existia o foco no consumidor. A primeira coisa que se vê nesse monte de sites são notícias. Ninguém que ler notícia nesse tipo de site. UX está finalmente chegando ao Planalto. Até o fim do mandato, eles pretendem unificar os canais digitais, as bases de dados que pasmem; são independentes por ministério.

UX (user experience) é usado para evitar isso…

Aproveitando o contexto atual em que o assunto Exército volta a ter destaque na agenda pública, fomos almoçar com o General Cardoso. Um senhor muito educado que trouxe sua esposa para almoçar com a gente dizendo: “Eu não queria que ela perdesse a oportunidade de poder conversar com vocês também”. Ele nos incentivou a pensar constantemente no futuro e fez o possível para despertar nosso interesse em participar da vida pública. Falou sobre a diferença de um Chefe de Estado e um Chefe de Governo. Do problema que entramos ao preparar a estrutura para o Parlamentarismo e termos optado pelo Presidencialismo no final das contas. Falou sobre a melhor estratégia militar ser a prevenção: “ — A atitude mais inteligente de um militar é a antecipação”. O Brasil vai completar 150 anos de paz com os países vizinhos. Nos deu também uma visão mais esclarecida do pensamento militar atual sobre continuarem a serviço do Estado e não do Governo. Comentou sobre a visão do Presidente ser a de um Capitão até hoje, ou seja, com limitações à esfera estratégica da discussão. Falou sobre aprendermos a separar a opinião pública das opiniões dos públicos. Em relação à liderança, falou sobre legalidade vs. legitimidade (Chefe vs Líder na linguagem corporativa) e da importância de sermos o que somos. “O tempo é aliado da coerência e da autenticidade”.

Ele acaba de lançar seu livro Crime.Gov

Fechamos a agenda em um papo descontraído na Polícia Federal com o delegado Márcio Anselmo. Figura discreta que apenas descobriu o esquema do posto de gasolina que deu o nome ao curso cívico mais eficiente da história do Brasil: a Lava Jato. Esse foi o delegado que prendeu o Bretch entre outras figuras importantes do esquema. Falou sobre a complexidade e sofisticação do esquema montado. Era tudo muito profissional e muito grande. “Os caras tinham um Banco Central lá fora cujos principais doleiros do Brasil faziam o papel de correntistas”. Ele comentou sobre o superávit que a área dele na polícia gera no Brasil. Em duas semanas investigando um caso de corrupção aqui o recurso se paga, tamanha profundidade do buraco. Aí lembrei do Senado de novo. 9.900 pessoas e a PF precisando de mais 5 ali para ajudar naquela área. Infelizmente a série do Netflix não tem tanta fidelidade às cenas reais. Nos sugeriu o filme a Lei é Para Todos, principalmente nas cenas das prisões.

Enquanto as Cigarras aproveitam, as formigas estão dando sequência em um trabalho que acredito ainda nesses quatro anos resultar na próxima revolta da população — contra o tamanho da máquina pública. Custa 900 Bilhões por ano. Em uma conta não cartesiana, dá para afirmar que cada habitante (a gente) gasta 6 mil reais por funcionário público por ano. Se alguém ganhar 12 mil no ano, metade (6 meses) do seu suor vai para pagar um colega ou desconhecido seu.

Um dos maiores defeitos que temos hoje em dia é generalizar e colocar todos no mesmo cesto. É tirarmos conclusões precipitadas sobre tudo. Na contramão da generalização do servidor como ineficiente está o Prêmio Espírito Público organizado pela ABF que reconhece profissionais públicos com uma trajetória de contribuições relevantes para o Brasil. Valoriza iniciativas inovadoras e empreendedoras de pessoas que encontram alternativas em meio à um contexto corporativista que anda com o freio de mão puxado.

Brasília* tem um ar de passado. Tudo muito protocolar; um circo. As pessoas parecem exalar poder e gostar disso, andam com ar de soberba e desconfiança a todo momento. A promiscuidade é evidente. A mídia impressa ainda está por toda parte. Encerro com a colocação trazida pelo Rubin que os tem ajudado bastante a progredir nas discussões na Capital e que devemos levar às ruas:

“Se a pessoa física pode, por que o Estado não pode?”. Tá na hora de fazer um recorte e reequilibrar as contas.

Congratulo-me** com este artigo.

Ps:

*Brasília — me refiro especificamente ao entorno da Praça dos Três Poderes e entranhas políticas da região.

**Congratulo-me — um dos termos mais esquisitos que escutamos nessa visita de alguns parlamentares. Normalmente congratulamo-nos com os sucessos dos outros. Imagino que em algum momento da Língua Portuguesa esse termo fazia sentido. Atualmente é totalmente desconexo e parece que o indivíduo se parabeniza por ter feito algo. É no mínimo estranho, tipo dar like na própria foto.

LJB 2019

--

--