A Travessia

Leopoldo Jereissati
Fala Man
Published in
3 min readJan 30, 2024

…de um rio e de uma vida…

Rota Texas a Montana (EUA)

Esse ano escolhi fazer poucas coisas e bem feitas. Com tempo sobrando em função dessa decisão, consegui retomar um hábito que adorava e não fazia há mais de dois anos: assistir séries. Como sabia que não poderia me dar o luxo de me perder nas telas iniciais dos streamings e o encantamento de seus algoritmos, fiz uma curadoria prévia do que estava buscando para mim e cheguei em Yellowstone — da Paramount+. Assinei e em pouco mais de quarenta dias assisti as cinco temporadas existentes e mais um “spin-off” chamado 1883. Falta eu ver agora 1923 para “zerar o jogo” até que em novembro desse ano saia o ato final de Yellowstone.

O tema é Western. Não tô aqui para fazer uma crítica à série mas para dividir com vocês algumas sensações ao assistir, principalmente 1883. A temporada foca na história de vida e morte entre a travessia do Texas até Montana, do sul ao norte dos Estados Unidos. O sonho era alcançar as terras livres e disponíveis para os que lá conseguissem chegar.

O caminho é tortuoso como conhecido em todo roteiro de “bang-bang” mas aqui conseguiram trazer uma nova lente. Uma lente poética, na carne de uma linda mulher que recém completava seus dezoito anos de vida e descobria-se e desbravava-se ao descobrir e desbravar cada etapa da viagem.

Me impressionou a capacidade dela de curtir o momento presente, de se dar de presente viver com intensidade cada instante mesmo que isso significasse romper com diversos padrões para a época. Ir para o desconhecido significava poder recomeçar, restabelecer as regras e padrões, fazer as coisas do seu jeito, até talvez se encontrar ao se perder. Para ela tudo era poesia — no sentido mais lindo e dramático possível.

Me chamou a atenção também a relação com a morte. A banalidade e proximidade dela a todo momento dessa jornada. Ora uma picada de cobra pegava um e puff, ora uma queda no cavalo parado porém com a batida da cabeça em uma pedra e era o fim da linha para outro. Um desentendimento na rua ou nos salões e era bala para todo lado. Famílias se desintegravam seja por doenças sem cura ou pela justiça que se fazia com as próprias mãos diuturnamente. Não tinha certo ou errado. Tinha a capacidade de cada um de lidar com suas próprias decisões, sonhos e medos. As terras livres na ótica do Europeu, eram terras deles na visão dos povos indígenas que lá estavam há muitas gerações.

“ — Este mundo não se importa com o que os fracos querem. Este mundo devora os fracos.” — 1883

Conflito é a máxima da série.

Como pai, imaginar que tudo o que assisti em cerca de dez episódios, pode ter sido o que centenas ou milhares de crianças viram de fato na infância delas e ao vivo, ajuda a explicar parte dos graves conflitos que temos com nós mesmos e como sociedade até os dias de hoje. Estamos no Velho-Oeste, só que agora, institucionalizados.

Entre todas as possíveis ciladas e o limiar entre viver ou morrer me peguei no, hoje simples, atravessar de um rio. Afinal, temos pontes, balsas, túneis, aviões. Dá para passar de tudo que é jeito. Na época, no entanto, era um martírio e praticamente a declaração de morte para uma fatia do grupo que não sabia nadar ou que tinham grandes carroças para tentar levar.

Atravessar o rio sem nenhuma das alternativas anteriores é tangibilizar a incerteza que levamos hoje a cada decisão que tomamos. Quando não sabemos como fazer, buscamos uma liderança que nos norteie. Não nos conformamos com a possibilidade delas tomarem uma decisão errada que venha a nos prejudicar mas raramente encontramos coragem para tomarmos nossa própria direção e lidarmos com o fato dela poder ou não ser assertiva para nós mesmos e para ou os outros.

“ — Em toda parte há uma recompensa, apenas esperando para ser apanhada.” — 1883

Quantos rios já atravessamos para chegar onde chegamos. Valeu a pena? Valerá a pena atravessar os quantos mais que ainda nem sabemos quais serão, seus tamanhos e suas correntezas pra alcançar nossos sonhos?

“ — A liberdade tem presas e ela as fincou em mim”. — 1883

Você tem um sonho?

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