No eletrônico de Victor Brites

pauli
Falando em Música
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5 min readFeb 17, 2020

Conheci Victor Brites em 2017, durante uma oficina de produção, lançamento de discos e gravação de clipes ministrada por Tatá Aeroplano que durou quatro dias. Não conversamos muito na época, mas me lembro de ouvir de algum músico ali presente que Victor mandava bem na bateria. Em um dos dias de oficina, Tatá abriu espaço para que os artistas apresentassem trabalhos que já haviam produzido, e Victor colocou para rodar um pequeno filme realizado para um trabalho escolar. O vídeo me lembrou os curtas que eram exibidos nos intervalos da extinta e saudosa MTV, com trilha sonora 100% autoral, é claro.

Isso foi um pouco antes de Victor se mudar para Bauru e iniciar os estudos na faculdade de rádio e TV na UNESP. Depois de dois anos, nos encontramos novamente em uma reunião informal de jovens músicos e pessoas que queriam se divertir praticando um pouco. Victor tocou praticamente todos os instrumentos que estavam ao seu alcance e também comandava seu velho notebook junto a um pequeno teclado, ferramentas fundamentais para o que se tornou seu foco nos últimos tempos: a música eletrônica. O gênero está presente em seus últimos projetos “Membrana” e “Papila”, ambos resultados de sua descoberta da produção caseira de baixo custo.

Victor testando acordes do violão.

Criando sem parar

— Se eu quero descansar, eu vou fazer música!

A frase resume bem o ritmo de criação de Victor, que é bastante dinâmico e surge de sua necessidade natural de sempre estar fazendo algo novo. Segundo ele, essa vontade de criar o tempo todo já existia antes mesmo de conhecer o Ableton, programa usado na produção de seus últimos trabalhos, mas só pôde ser colocada em prática depois de tomar conhecimento da ferramenta, pois já não precisava mais se limitar apenas aos instrumentos físicos.

Sua história na música começou cedo. Com nove anos fazia aulas e participava de bandas escolares, aos doze entrou para o grupo bragantino de taikô Aozora Daiko e mais tarde, paralelamente, formou com seu irmão mais velho a banda Ranho, em que misturava Thrash Metal com Hardcore. Enquanto o taikô exigia disciplina e outro tipo de sonoridade, sua participação na banda Ranho era mais instintiva e sem preocupações com a técnica musical.

— Eu tocava música felizinha no taikô e no Ranho era tipo “vou expressar minha raiva adolescente” explica ele.

Por mais diferentes que sejam entre si, todas essas experiências musicais agregaram de maneira positiva. Compor para o taikô, por exemplo, permitiu que Victor aprendesse coisas relevantes a respeito de teoria, técnica e disciplina musical, enquanto o Ranho e as aulas de música na infância contribuíram para que ele criasse com total liberdade, sem ter medo ou objetivo de atingir qualquer perfeição. “Eu acho que disciplina e técnica não é diferente de espontaneidade”.

Membrana, Papila e a música eletrônica

Sua descoberta da música eletrônica aconteceu através da banda Radiohead. Tudo começou em um dia vasculhando a internet atrás de músicas em compasso ímpar, essas “coisas de músico”, quando Victor entrou em uma página da Wikipédia com uma lista de várias músicas desta categoria. Entre elas estava “Pyramid Song”, do álbum “Amnesiac”, que se tornou sua música favorita desde então e foi como uma porta de entrada para outros álbuns de pegada eletrônica da banda.

— Eu escutei meio suspeito, meio “o que essa bateria falsa tá tocando aí? — Diz ele sobre o preconceito que sentiu no primeiro momento, mas que foi quebrado com o tempo.

Depois, Victor começou a buscar pelas referências de Radiohead e a descobrir outras sonoridades, mas foi a descoberta do Ableton que fez com que ele entrasse num “flow” criativo, facilitando muito sua produção com possibilidades infinitas de sons, efeitos, timbres, etc. tudo com o auxílio do conhecimento que já havia adquirido antes compondo para o taikô ou gravando instrumentos em casa.

Seu primeiro álbum “Membrana”, lançado no meio de 2019, surgiu não só da tal necessidade de criar, mas também de lançar alguma coisa em um momento em que aprendia muitas novidades sobre a ferramenta que tinha em mãos. O álbum é um compilado de oito faixas que marcam sua estreia no universo eletrônico alternativo, começando com animada “A Computer Is An Educational Device”, que explora bastante os efeitos do Ableton e possui dois samples vocais, sendo um de um vídeo dos anos 70 a respeito do uso de computadores no futuro e outro do “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa. As outras músicas seguem a mesma regra, combinando bem os vários elementos sonoros e terminando nas batidas fortes de “Do Próton ao Útero”.

Clipe “Computer Is An Education Device”, por Victor Brites

Em “Papila”, lançado no final do mesmo ano, Victor faz uma gostosa brincadeira com os timbres e demonstra seu amadurecimento na produção caseira de baixo custo, mesmo com o curto período de intervalo entre um projeto e outro. Segundo ele, a intenção era mesmo transmitir sensações através do som e explorar sua complexidade, criando “imagens sonoras”. O EP começa com as pequenas explosões de “Pequim”, seguido pelos sons de mar de “Papilas do Universo 1” e “Prosódia de Um Futuro Inoperante”, mais calma e relaxante com uma pequena narrativa feita por uma voz robótica. “Polilalelia” é o que podemos chamar de puro timbre, enquanto “Palíndromo” e “Papilas do Universo 2” finalizam o EP.

A capa de “Papila”, criada por sua amiga Sarah Vitoria, traz exatamente a ideia das texturas dos timbres presentes no EP. Sarah ilustrou as seis faixas separadamente enquanto ouvia uma por uma em repetição contínua, fazendo anotações abstratas sobre a sensação que cada uma delas era capaz de transmitir. Os seis desenhos foram reunidos em uma só imagem no final do processo.

Capa do EP “Papila”, por Sarah Vitoria

Projeto novo

Por causa da velocidade de sua criação e aprendizagem, os trabalhos antigos se tornam obsoletos muito rápido para Victor.

— Agora eu meio que fechei o ciclo e tô voltando pro rolê mais pesado, só que nesse âmbito eletrônico. — Conta ele sobre o novo álbum que está preparando atualmente, já mais profissional que os dois anteriores. O lançamento do projeto ainda não possui data definida, mas vale a pena conhecer seus trabalhos antigos (que na verdade nem são tão antigos assim) enquanto isso.

Ouça:

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pauli
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Jornalista que gosta mais de música do que de jornalismo.