O Rio Pinheiros e a transposição impossível: por uma São Paulo Marginal, não marginalizada!

Kassio Massa
Falando em Traços
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4 min readFeb 1, 2020

No dia 27 deste mês, o Governo do Estado anunciou oficialmente, por meio da Secretaria de Transportes Metropolitanos, o início das obras de ampliação da Estação Santo Amaro da rede de trilhos da Grande São Paulo, visando ganho de área para circulação e acomodação diante de uma emergente demanda de passageiros.

Na prática, o conjunto é formado por duas estações interconectadas, sendo a mais antiga delas destinada aos trens da Linha 9-esmeralda da CPTM (trem metropolitano) e desenhada pelo arquiteto João Walter Toscano para a Fepasa, com inauguração ainda em 1986. Caracteriza-se por um porticado de aço corten que abriga a plataforma, em superfície, e o mezanino de acesso relativamente amplo e expansível, tipologia não por acaso amplamente utilizada em muitas estações posteriores. Em 2002, foi inaugurada a primeira ponte estaiada do Brasil que, não bastando, constituía ela mesma uma estação, a Santo Amaro da Linha 5-lilás do Metrô.

Panorama atual da Estação Santo Amaro, mostrando o viaduto estaiado do Metrô, no centro, e a estrutura porticada da CPTM, na direita.
Desenhado por Kassio Massa | Canetas esferográficas e marcadores sobre papel (3 folhas A4 alinhadas, 21 cm x 89,1 cm) | São Paulo, 2018

A transferência entre ambas é feita pelo nível do mezanino desde então, tendo vivenciado recordes de acumulação de pessoas em trânsito, dada a crescente atratividade das linhas, especialmente a lilás, quando da sua chegada à região da Vila Mariana, onde alcança as linhas 2-verde e a troncal, 1-azul. Curiosamente, a integração Santo Amaro não estava prevista nos projetos iniciais, o que em grande parte colaborou com a situação caótica a que a atual obra propõe-se a dar algum desfecho mais digno.

No entanto, tão digno quanto é outra questão crônica pouco trazida ao debate público, mesmo por parte das empresas gestoras da rede de trilhos: nem a Estação Santo Amaro, nem a totalidade das estações da Linha 9-esmeralda ao longo do eixo Marginal do Pinheiros possibilitam meios de transposição e acesso público de pedestres entre as duas margens, num tipo de implantação conspiratoriamente proposital — a considerar o caráter fragmentado e segregador com que se deu a distribuição social e espacial da população da cidade.

Como era de se esperar, nenhuma proposta de superação dessa barreira geográfica histórica foi sequer discutida novamente, e o projeto de intervenção de grande porte em questão já nascerá defasado, com arquitetura — em seu sentido amplo — no mínimo questionável, e sobretudo distante de seu real potencial urbano.

“[…] O conjunto vale-ferrovia funciona então como uma barreira que define — tendo como referência o centro da cidade — o “lado de lá” (oposto ao centro) e o “lado de cá” (o lado onde está o centro). A barreira divide o espaço urbano em duas partes que tem custos e tempos de deslocamento ao centro diferenciados. […]”

VILLAÇA, Flávio. O Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo: Nobel, 1998, ed. 2001.

Rabiscos que transpõem

Fato é que no fuzuê da ocasião do anúncio do Governo, envolvi-me em uma discussão bastante produtiva na rede social, a partir da qual ensaiei, em croqui, uma versão do que poderia vir a ser a intervenção de ampliação do conjunto de estações. O desenho atende aos seguintes itens discutidos:

  • Adequação do crescente fluxo de pessoas entre as linhas 5-lilás e 9-esmeralda;
  • Busca por harmonia e valorização dos aspectos estrutural, plástico e paisagístico da estação do Metrô nas solução proposta;
  • Preservação da arquitetura da estação da CPTM, tombada pelo Compresp (município).

Uma possibilidade de garantir a livre travessia do leito do Pinheiros é estabelecer, como diretriz principal a continuidade do piso do mezanino através da criação de uma laje inferior ao nível da plataforma elevada do Metrô, atirantada nos arcos elípticos que compõem estrutura principal original. Os fechamentos laterais, hoje de acrílico, ao serem removidos a fim de se aumentar o espaço das áreas de embarque, dão lugar a uma extensão da cobertura original em balanço, resinificando seu desenho ao mesmo tempo em que garante condição de abrigo a toda a área criada. do teto. É compreensível que tal ideia demande adaptações robustas no sistema estrutural pré-existente, tais como eventual reforço do mastro e substituição dos estais de hoje por outros mais fortes, o que pode acarretar uma logística de implantação mais complexa e custosa. No entanto, é de se refletir sobre a relação entre a qualidade e, até mesmo, a ousadia com que a mobilidade e os sistemas de transporte, enquanto tema tão central da cidade, são vislumbradas por nós e pelos que detém o poder direto de concretizá-la.

Este ensaio, de caráter investigativo, discursivo e propositivo — enfim, “solto(!)”, estabelece um formato de conteúdo o qual pretendo tornar recorrente por aqui e, a propósito, dá vida ao nome do portal!

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Kassio Massa
Falando em Traços

Arquiteto, urbanista e artista visual aficionado por cidades, trens e aviões. Nasci em 1993, em São Paulo, metrópole a qual vivo e que me inspira desde então!