Gordofobia 1.01

luciana moraes
falando sobre gordofobia
4 min readJul 30, 2020

Falar sobre gordofobia sempre gera desconfortos. Em quem sofre e em quem pratica, já que muitas vezes as pessoas sequer conseguem identificar alguma atitude delas como gordofóbicas. A gordofobia é um tipo de preconceito bem aceito na nossa sociedade, pois veste o manto da preocupação com a saúde e com o bem estar do próximo. É tão bem aceito que identificá-lo como preconceito é a primeira dificuldade. Diferente de raça, gênero ou orientação sexual, ser gordo é visto como uma opção e por isso, é visto como possível optar pelo caminho contrário. Mais do que isso, é uma obrigação “não se acomodar”.

Desconstruir essa ideia tão bem enraizada de que corpos gordos são doentes por definição e mostrar que pode (e existe) saúde em diversos tipos de corpos, inclusive nos que são gordos, é parte da nossa luta.

Saúde não é certeza em nenhum tipo de corpo ou tamanho

Quando falamos sobre gordofobia e o corpo da mulher, a coisa complica mais um pouco.

Se ambientes feministas lhe são familiares, em algum momento você já se deparou com o conceito de que existem pressões estéticas acerca do corpo da mulher.

É uma manobra muito comum do patriarcado: convencer mulheres de que seus corpos são inadequados, de que nunca serão boas o suficiente. “Você precisar perder 5kg”, “sua barriga precisa ser chapada”, “você não deve ter pelos, estrias, celulites. Seus peitos devem ser firmes, sua bunda durinha, sua cintura fininha, suas coxas não devem tocar uma na outra”. Isso tudo gera angústias, tristezas, descontentamentos. A sensação de nunca ser boa o suficiente. Esse controle nos deixa obcecadas com nossos corpos, gerando disforias e transtornos alimentares.

Naomi Wolf fala em seu livro, O mito da beleza, que no final da década de 1960 o número de adolescentes que se consideravam gordas pulou de 50% para 80%.

Nosso valor na sociedade ainda é o da aparência, e a aparência que esperam das mulheres é a de que elas sejam magras. Nos vendem a ideia de que ao emagrecer, teremos sucesso em qualquer campo de nossas vidas.

Tudo isso é horrível, mas não é gordofobia.

Imagine então todo esse sofrimento somado à sensação de que você é um incômodo na sociedade. Seu corpo é temido, é alvo do riso, da chacota, da rejeição. Seu corpo, para a sociedade, é sinônimo de doença, de preguiça, é um desvio moral.

É socialmente aceito e até incentivado que mulheres estejam sempre de dieta, falando sobre dieta, controlando seus alimentos e evitando a todo e qualquer custo engordar. Veja, não estamos falando de saúde, de escolher alimentos que nos façam bem, mas de não ter um corpo gordo. A mulher que não é gorda e está em dieta é aplaudida, está se cuidando, a gorda está se esforçando em se adequar. Grande parte disso é sobre validação. Pois sim, às vezes é um inferno ser gorda. E esse inferno são os outros.

São poucas as lojas que possuem roupas para mulheres gordas, somos preteridas em entrevistas de emprego. O transporte público se torna impraticável, pois literalmente não cabemos no mundo. Somos olhadas com escárnio ou exasperação quando vamos nos sentar ao lado de alguém, seja em ônibus, avião, cinema. Somos tratadas como ponto de referência — ‘atrás daquela gorda’. Nossos carrinhos de supermercado, assim como pratos no restaurante, são avaliados por transeuntes e recebemos conselhos sobre dietas de estranhos o tempo todo. E quando procuramos um médico, seja por unha encravada, caspa ou acne, o primeiro (quando não único) conselho que recebemos é: perca peso.

Assume-se que um corpo gordo é necessariamente um corpo doente e sentimos quase uma revolta quando ousamos dizer (e provar) que sim, existem corpos gordos completamente saudáveis. Que gordos se exercitam e têm uma alimentação saudável. Por vezes, a auto-aceitação, sendo gorda, é vista como uma afronta ou um desafio. É como se estivéssemos ofendendo o esforço colocado em ser magro por outras pessoas.

A gordofobia e o controle do corpo pelo patriarcado se cruzam, mas não são a mesma coisa, percebem?

Então, eis um pedido: reconheça seu lugar de privilégio, ainda que você também sofra opressão. Seja solidária à sua amiga gorda quando ela te diz que é ofensivo você dizer na frente dela que você está IMENSA DE GORDA, quando na verdade você só não entrou no seu jeans 38.

Pare de odiar seu corpo

E talvez você nem perceba que são corpos como os nossos que você teme, porque tendemos a olhar nossas amigas com olhos cheios de amor (como seria bom nos vermos com esses mesmos olhos, não?).

Nem magra, nem gorda

Pois é. A gente tem essa ideia louca de que magra é a moça da revista de manequim 34. Se você não se parece com a moça da revista ( que o mundo te cobra pra ser, mas ao mesmo tempo rechaça) automaticamente você entende que é gorda.

Revelação: essa dicotomia é uma mentira, existem inúmeras conformações, são muitas possibilidades, pois somos únicos. Os movimentos de aceitação corporal tentam trazer essa noção às pessoas. Desconstruindo essa dicotomia, podemos então reconhecer lugares de privilégio e combater a gordofobia com maior eficácia.

Não silencie a amiga gorda. Não apague o sofrimento dela. Ouça com carinho quando apontarem a sua gordofobia. Deixar de odiar o corpo gordo é não é algo simples até mesmo para quem é gordo. Fomos ensinados a rejeitar esses corpos.

Todos estamos aprendendo a desconstruir essas ideias e a olhar para si e para o próximo com mais amor.

Vamos juntos?

(texto publicado em 2017 por Rachel Patrício e luciana moraes)

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