Aceitação é um conceito lindo, mas não combate as opressões

Pelo fim dos padrões de beleza. De verdade.

Mariana Zambon Braga
Fale com Elas
6 min readFeb 5, 2018

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Imagem: Esteban Lopez (editada por mim)

Falar de beleza e aceitação é sempre um assunto delicado, um terreno escorregadio dentro do movimento feminista e entre mulheres, em geral.

É como caminhar sobre um lago recém-congelado: temos certeza de que o chão irá rachar, mas temos que passar por esse trajeto se quisermos chegar ao outro lado (outro lado = fim dos padrões).

Por isso, peço a você: não entenda esse texto como um ataque pessoal ou como uma crítica ao nosso desejo de sermos bonitas ou aceitas — infelizmente, estamos todas no mesmo barco da pressão estética. A minha proposta é justamente repensarmos esses conceitos, para que possamos nos unir e acabar com os padrões de uma vez por todas.

O discurso da aceitação e o movimento body-positive estão ajudando mulheres (e homens) do mundo todo a desenvolverem uma relação mais pacífica e saudável com seus corpos. Blogueiras, YouTubers, influenciadoras no Instagram e celebridades passaram a promover a ideia do amor próprio e da beleza sem moldes ou fronteiras.

Tudo isso faz parte de um processo lindo e necessário na luta para acabar com os padrões que nos oprimem. Mas, será que é o bastante?

Antes de mais nada, é preciso entender que aceitação e body-positive são duas coisas diferentes.

Aceitar o seu corpo significa amá-lo e respeitá-lo e enxergar a sua beleza, em todas as formas e tamanhos, sem buscar modificar sua aparência para se encaixar nos moldes impostos pela norma estética vigente. É olhar para o seu corpo e amá-lo. Aceitar suas limitações e ser feliz com o corpo que tem, sem se odiar nem deixar de viver as coisas boas da vida só por não ser igual às atrizes ou modelos. É uma ação individual.

A aceitação não implica na inexistência de comparações, mas em parar de dar importância a elas. O padrão e o conceito de corpo ideal continuam existindo, porém sem afetar tanto a vida de quem se aceita.

O movimento body-positive tem um viés bem mais político, e aponta para as opressões que sofremos por termos corpos considerados “errados”.

Ter uma mentalidade positiva em relação aos corpos também implica em reflexões mais profundas e amplas, sobretudo a respeito da obrigatoriedade da beleza e da adequação a qualquer tipo de modelo considerado aceitável pela sociedade. Nesse sentido, o body-positive abraça pessoas com deficiência, a comunidade trans e todas as pessoas consideradas como “inadequadas” pela sociedade, transcendendo o aspecto da beleza — é uma luta por visibilidade social e respeito. É um movimento coletivo e de ruptura, que busca exterminar os padrões.

A premissa do body-positive é que não existe uma maneira errada de ter um corpo — um corpo é apenas um corpo — e isso não precisa ter a ver com beleza. É até comum vermos no discurso body-positive uma certa rejeição do conceito de beleza, pois atribuir valores como belo e feio às pessoas é perigoso e pode dar margem para a criação de novos padrões (ainda que mais flexíveis).

Esse é um movimento de inclusão, de busca por direitos (de acessibilidade e mobilidade, por exemplo).

Quando se fala em opressão, preconceito e marginalização de corpos não estamos falando de pressão estética, mas da perda de direitos básicos. Pessoas com deficiência ou obesas, por exemplo, muitas vezes não conseguem acesso a locais como transporte público, escolas e hospitais por falta de espaços adequados para seus corpos. Nas lojas, não há roupas que sirvam para elas. Nos romances, elas não são representadas como desejáveis. Além disso, também é comum serem rejeitadas em entrevistas de emprego e nas mais diversas situações sociais, tornando-se invisíveis para a sociedade.

Isso é opressão.

Todas precisamos ter uma boa relação com nosso corpo, mas nem todas são oprimidas pelo corpo que têm.

Precisamos entender que pressão estética não é o mesmo que opressão. Mulheres magras, brancas, com cabelos longos e lisos podem sofrer com a pressão estética — para manterem sempre o corpo magro e tonificado, o cabelo impecável, o rosto sem rugas, e todas as outras imposições que o padrão surreal nos enfia goela abaixo. Tudo isso para agradar os homens ou para alimentar a competição entre as mulheres (consequentemente, enfraquecendo nossa união e nossa luta).

Já no caso de mulheres com deficiência, por exemplo, não importa o quanto suas peles sejam perfeitas, ou o quanto se esforcem para usar roupas da moda ou façam tratamentos estéticos ou cuidem dos cabelos — seus corpos sempre serão considerados à margem, estranhos e inaceitáveis. Por isso é tão importante representar todos os tipos de corpos na mídia, de forma natural e em papéis de protagonismo.

Quando falamos em aceitação, a impressão é que se cria um novo padrão de beleza — o das pessoas fora do padrão.

Eu sei que é confuso, mas vou explicar.

Graças ao advento das campanhas de “beleza real”, do sucesso do nicho da “moda plus size” e de campanhas publicitárias que incluem corpos que costumavam ser ignorados, temos a impressão de que “ah, que lindo, agora todas somos bonitas e aceitas”. Mas isso está longe de ser verdade.

O que aconteceu é que se criou um novo padrão aceitável das mulheres fora do padrão. Aquelas que têm corpos gordos, mas não muito, em formato de ampulheta ou violão — sem muitas celulites, com barriga lisa e seios e bunda grandes. Ou as mulheres negras e indígenas (e de outras etnias) que têm traços mais “esbranquiçados”, ou que são “branqueadas” pela mídia, que têm cabelos lisos/ondulados ou cachos perfeitos. Ou então mulheres mais velhas, porém consideradas atraentes — magras, com poucas rugas, cabelos grisalhos platinados, cheias de vitalidade e sexualmente disponíveis.

Todas essas mulheres “fora do padrão” sempre aparecem com a pele iluminada, maquiadas, sorridentes e mantendo os mesmos traços que são aceitos como belos de acordo com o padrão estético do momento.

Enquanto isso, as mulheres que realmente não se enquadram nem nesse padrão mais flexível, continuam sendo excluídas, oprimidas, maltratadas e invisibilizadas.

Porque, não importa o quanto as pessoas se aceitem, se houver um padrão de beleza vigente, sempre haverá algum tipo de exclusão.

Enquanto insistirmos em acreditar que a beleza é um atributo indispensável para a mulher, enquanto continuarmos acreditando que precisamos ser bonitas, será praticamente impossível acabar com os padrões.

Talvez a grande diferença entre os dois discursos seja essa. Afinal, por que precisamos ser belas o tempo todo? Por que precisamos atribuir valores como beleza aos nossos corpos?

Todas nós sofremos com a (o)pressão estética, com as normas da sociedade patriarcal que nos entregam modelos de corpo aceitáveis, os quais devemos seguir, os quais nos esforçamos a vida toda para atingir.

Porém, a aceitação não é o bastante para as mulheres que fogem totalmente ao padrão eurocêntrico — pele branca, cabelos lisos (ou ondulados, mas não muito cacheados), olhos castanhos ou claros, nariz fino, lábios não muito grossos. Mulheres gordas, negras, com deficiência, mulheres trans, lésbicas, todas sofrem opressões que não serão combatidas apenas pela autoaceitação.

É muita ingenuidade acreditar que aceitando o próprio corpo, seremos livres das opressões do padrão de beleza. Talvez a aceitação ajude a não odiar o próprio corpo e a não cair nas armadilhas da pressão estética, e isso seja benéfico para cada uma de nós, individualmente.

Mas, e quanto aos nossos direitos coletivos?

Creio que só conseguiremos nos libertar totalmente das amarras das normas estéticas e da obrigatoriedade de sermos bonitas quando compreendermos que a beleza é um atributo totalmente subjetivo. Que nosso valor, como seres humanos que merecem respeito, como mulheres, não deve ser medido conforme nossa aparência.

E, ao invés de ficar brigando com o espelho, buscar apoio umas nas outras para lutar pelo fim do patriarcado.

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Mariana Zambon Braga
Fale com Elas

Tradutora e escritora. Escreve mais de mil palavras por dia, mas nem sempre as publica. marizambon@gmail.com