“Two Cuban Women At Marquesa De Prado Ameno Bar, Havana” (Jose Rodeiro)

Ju, Vanessa, Manuelle

Foi quando Manuelle me apresentou à nova garçonete com a mais firme convicção: “Maria, essa é a Ju”. E ali eu soube: Vanessa nunca mais.

Vanessa Vascouto
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3 min readSep 4, 2018

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Gosto do meu nome. Vanessa.
É um nome ok, apesar de não render apelidos interessantes.

“Van” sempre me remete a notícias do tipo: “Van cai em riacho e mata 7”, ou “Acidente com van deixa 15 feridos na BR-040”. Prefiro “Nêssa”.

Na verdade, confesso que preferiria mesmo um nome da moda, tipo Lara, como a minha irmã, ou então um título meio exótico, de artista, como “Maeve”, a minha prima. O que houve, entretanto, foi isso: em 1983, a top model Vanessa de Oliveira despontava nas passarelas e minha mãe almejou para mim as mesmas pernas longas e um camarim. Me parece justo esclarecer que minhas pernas são curtas e que o camarim segue distante.

Mas o que eu quero dizer mesmo é que, daqui a duas semanas, fará exatamente um ano que atendo por Ju. Assim mesmo, J-U. Não é Juliana, nem Julia, Julieta ou Judith.

Ju é apelido, mas veio pra mim feito nome. Acho bonito assim.

Foi quando Manuelle, dona do bar que frequento aqui em frente, me apresentou à nova garçonete com a mais firme convicção: “Maria, essa é a Ju”. “A”, ela disse. “A Ju”. E aquilo foi tão certo que eu nem titubeei. Dali em diante, não tive dúvidas. Ao menos daquela portinha pra dentro, eu não seria mais Vanessa. “Prazer, Maria, eu sou a Ju”, respondi.

Não me é comum o exercício da dupla-identidade, mas gostei da prática. Penso que é como usar uma peruca no nome. À Ju, relego tudo o que falta em Vanessa.

Por exemplo: assim como eu, a Ju também mora na Barra Funda e tem uma cachorra que mata os pássaros em voo rasante. Manuelle já pediu para segurarmos a cadela mais rente na coleira para evitar a selvageria. Eu seguro. A Ju, não.

A Ju é de um humor mais volúvel. Sociável, porém ácida. Tem hora que ri alto, tem hora que não ri. Reclama da fila do caixa, conta histórias trágicas de cunho espiritual, chora em público, gosta de maxixe, escreve poesia em guardanapos e, um dia, até recitou um poema autoral sobre o mergulho dos patos. Teve gente que gostou, teve gente que não entendeu. Eu teria me importado. A Ju, jamais.

Com alguma frequência, confesso que me preocupo que nos descubram duas fraudes, a Ju e eu. A Ju também se preocupa. Agora, para evitarmos o risco, não usamos mais o cartão de crédito, nem o de débito, nem nada que estampe “Vanessa” no bar da Manuelle. Apenas dinheiro vivo à mulher que nos fez infinitas.

Daqui a um mês, faremos aniversário e penso em pedir à Manuelle a reserva de uma mesa. Uma não, duas. Uma para cada eu. Aos convidados, o disclaimer de que Vanessa e Ju aniversariam juntas, como gêmeas, Ruth e a Raquel da Barra Funda num só corpo.
Os presentes, esperaremos em dobro. A conta, pagarei por duas, não me importa. O preço é justo.

Vale cada centavo, afinal, a maravilha de ser duas.

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Vanessa Vascouto

escritora, dramaturga, jornalista. autora do romance "Água fria e Areia": https://bit.ly/2uxB8WB