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Não precisa ser amor

Odhara Caroline
Fale com Elas
4 min readAug 13, 2018

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O que em todas essas semanas eu tive vontade de te dizer, mas não disse, era que, olha, da minha parte, nunca precisou ser amor.

Nunca precisou ser amor, sujeito masculino, entende? Você não tem espaço e eu não tenho conhecimento.

(Logo eu, que acreditava poder conhecer o mundo todo sem precisar sujar as minhas mãos.)

(Eu não posso, e eu não sei, e eu me pergunto baixinho, nos dias frios, sem mais tanta pressa de chegar ao que talvez, um dia, eu descubra sem querer.)

Eu não sei, mas o que eu sei aqui, no espaço da sua barriga tocando a minha, é que não precisa ser amor.

Não faz diferença se for passe por quatro reais sem pegar fila, guarda-chuva na porta do metrô, chocolate comprado no vagão — qualquer uma dessas transações oportunistas e caprichos fisio-meteorológicos que fizeram com que eu acabasse nas suas mãos.

E nos seus braços.

Aquele abrigo improvisado no meio da semana, o que eu precisava pra voltar a ter a forma patética de uma mulher de vinte e poucos anos, correndo contra o relógio eternamente adiantado, em vez de ser só patética, disformidade lacrimejante abandonada num canto da cama, sem comer e sem dormir.

Você me recolheu a conta-gotas e deixou que eu tomasse a forma dos seus braços, só por uma noite, porque eu, líquida, precisava de um recipiente confortável e mesmo assim, nunca, nunca precisou ser amor.

Porque, mesmo não sendo amor, naquele meio de semana, eu dormi. Já era tarde, mas pode apostar que foram os seus braços, as pontas dos dedos contra a pele do meu peito, como se precisasse medir meu pulso, como se precisasse ter a certeza de que eu estava ali.

Eu ainda posso ouvir a sua respiração no meu ouvido, daquela noite em que eu consegui dormir a noite inteira, e fazia tanto tempo que eu não dormia a noite inteira.

Porque eu li em algum lugar, eu leio tanto e nunca lembro os ondes dos quês, mas eu li, em algum lugar, que a solidão nunca vai te deixar ter uma noite inteira de sono. Resquícios de evolução, animais sozinhos nunca estão seguros contra ataques noturnos, e quem poderia velar a minha fragilidade naqueles dias?

Naquela noite, você velou; mesmo dormindo, eu senti a sua respiração no meu pescoço e rezei pra que qualquer coisa em que você acredite nos protegesse. Do tempo, de nós, de tudo e das memórias que voltariam a bater na porta do seu quarto assim que a gente acordasse. Mas nada disso foi amor, e não precisa ser.

Foi só o que eu precisava naquela hora, entende. Eu continuo sendo água, ainda que hoje eu esteja construindo meu próprio aquário, tijolinho por tijolinho, e eu não precise de você e do seu conta gotas. Não agora, não nesse momento.

Eu não permiti que fosse tijolo, quem dirá cimento. Eu não deixei você ser nada e então não é e não precisa ser amor.

Mas foi o que eu precisei e o que eu continuo querendo mesmo sem precisar. Nada disso precisa ser amor, e eu não preciso, mas eu quero, antes que um rio qualquer te leve embora.

Não precisa ser amor, ainda mais quando passagens de ida já foram compradas, ainda mais com tantos fantasmas do ano passado, ainda mais por causa do tanto de coisa que eu quero aprender e que eu quero sentir, tá legal? Eu quero muito mais do que isso, muito mais do que isso que não precisa ser amor.

Mas hoje o dia tá frio e eu consigo deixar de lado o jeito idiota que você usa vocativos descabidos, a sua mania de segunda pessoa deslocada, eu consigo deixar de lado tudo o que eu não quero, se você me fizer lembrar do jeito que me olha quando olha pra mim e da segurança dos seus braços.

Não é possível que eu seja a única que não quer perder mais tempo nenhum, quando nós dois sabemos que a gente não tem todo o tempo do mundo.

E nada, absolutamente nada disso precisa ser chamado de amor.

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