O dia em que eu descobri que eu mereço mais

Camila Figueiredo
Fale com Elas
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5 min readFeb 13, 2017

Eu sempre estive acima do peso padrão imposto pela sociedade às mulheres. Nunca fui uma mulher/menina magra e hoje vejo que é impossível eu algum dia vestir 36. Meu corpo é proporcionalmente grande, pernas grossas, bunda grande, ombros largos, sempre foi assim.

Eu nunca fui uma mulher branca, ainda que diversas vezes tenha tentado parecer uma, quando era mais nova. Foram incessantes alisamentos no cabelo — principalmente — mas, também com diversos truques para afinar o nariz ou minha recusa em usar batons, já que destacariam meu “beição” (esse é um trauma de infância e que rende pano pra manga).

Eu nunca fui uma mulher de aparência frágil ou delicada, nunca tive os famosos traços finos. Nunca fui aquela mulher que era vista como alguém que precisasse de cuidados ou proteção masculina e acho isso uma coisa ótima… até certo ponto. Essas são coisas que vejo e penso sobre aos 23 anos.

Demorei muitos anos para entender o que acontecia nas minhas relações e porque eu não era tratada da mesma forma que minhas amigas, considerando que nos relacionávamos com o mesmo tipo de rapazes, em algumas vezes, o mesmo rapaz.

É uma questão que sempre me incomodou profundamente. De dois anos pra cá, parei para pensar e tenho aprendido muito e tomado melhores decisões, no sentido de mudar isso. Foi nesse processo que entendi o porquê de os mesmos caras me tratarem diferente de como tratavam minhas amigas e a resposta é tão óbvia que eu quase ri de mim mesma: os caras são os mesmos, eu é que não sou minhas amigas, em diversos níveis.

Além da aparência, o meu jeito ou o fato de eu conversar abertamente sobre sexo desde adolescente também era um motivo, aparentemente.

Fato é que, pensando sobre isso, eu descobri um padrão nas abordagens dos homens que se interessavam em mim. Perceber isso foi extremamente doloroso e me fez entender porque eu me sentia um lixo nessas relações.

Durante toda a minha vida homens sempre tiveram abordagens extremamente agressivas e sexuais comigo, sempre. Imagine o que é para uma garota de doze anos, já com uma autoestima quase inexistente, receber do menino que gosta a seguinte frase: “até rola, mas só se for pra comer!”…Não é lá uma declaração de interesse, não é mesmo? E pior, pelo menos pra mim, do que simplesmente a falta de interesse (que é totalmente compreensível, visto que ninguém é obrigado a se interessar por mim), é a diferenciação, a ressalva. A ideia de que para o amor, o carinho, o afeto, o respeito, pra isso não sirvo, mas sexualmente sou muito qualificada. AOS DOZE FUCKING ANOS.

Essas situações fazem mulheres acreditarem que devem se contentar com migalhas, que devem transar com um rapaz, mesmo que ele tenha essa abordagem ou mesmo que não estejam com vontade, caso contrário vão ficar sozinhas.

Da mesma forma, escutar coisas como: “vamos ficar, mas ninguém pode saber.” No auge da nossa adolescência, deixam marcas que poucas de nós entendemos ou notamos nessa idade. Poucas de nós saberíamos o porquê de tantas ressalvas quando se tratava de nós.

Eu demorei muitos anos mesmo pra entender porque a abordagem comigo era sempre outra, sempre para o sexo, para o sexo escondido, sempre para a agressividade. Demorei mais tempo ainda pra entender que eu não era a mulher princesa da Disney (não que isso seja uma coisa boa, também), digna de felizes para sempre com nos filmes. Demorei muito pra ver que o rótulo “sexo frágil” nunca valeu pra mim. Mas, sabe, a verdade é que também descobri coisas maravilhosas quando saí da caixinha dos padrões e ideais da sociedade e olhei pra mim mesma de forma real.

Descobri nos últimos cinco anos que sou uma mulher bonita, que pode e deve usar muitos batons e destacar bastante os lábios grossos. Descobri uma relação de amor com o meu cabelo que eu nunca imaginei ter e também o poder desse amor e da valorização que tenho pelo meu cabelo crespo/cacheado no meu processo de identidade e autoconhecimento. Encontrei amor, apoio e muita sabedoria em outras mulheres negras que me acompanharam e cresceram junto comigo. Descobri que apesar de toda a desvalorização e pouca fé do mundo em mim, sou uma mulher inteligente e extremamente dedicada às coisas que faço e que procuro fazer da melhor maneira possível.

Descobri que eu não preciso mesmo de proteção masculina, mas também não preciso me submeter a abusos físicos e psicológicos masculinos dentro ou fora de uma relação.

Não foi fácil entender emocionalmente que um homem que não me assume é um homem que não me merece, mas quando entendi fui mais feliz. Fui mais justa comigo mesma e parei de entrar em relações que me faziam sentir um nada, um objeto exclusivamente sexual e destinado ao prazer de outro. Me afastei de quem me fazia sentir que eu precisava me esforçar para ser amada e que ainda assim não era suficiente. Entender o motivo dessas abordagens pelos homens, me fez entender que eu não gostaria de estar em uma relação com eles. Me fez parar de sentir pena de mim mesma, para sentir pena deles que nunca teriam uma relação com essa mulher maravilhosa que sou. Porque se tem uma coisa que meu melhor amigo diz sempre e que é muito verdade, é que EU MEREÇO MUITO MAIS!

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Camila Figueiredo
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30 anos, mineira, historiadora, profª, aspirante à escritora e tenta manjar de psicanálise. Vive para se encher de sentimentos, escreve quando vai transbordar.