O protagonismo feminino em Princesa Mononoke

Clarisse Ventura
Fale com Elas
Published in
7 min readAug 5, 2019
San e Ashitaka

Desde os traços até os roteiros intrigantes, minha fascinação pelo Studio Ghibli vem criando algo extremamente novo em meu entendimento por animações. Princesa Mononoke é uma das melhores obras do Studio Ghibli, não só por sua incrível história, mas também por sua representatividade.

Príncipe Ashitaka

Lançado em 1997, Princesa Mononoke é o sétimo filme de Hayao Miyazaki, diretor hoje conhecido por trabalhos como Meu Vizinho Totoro, A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado, entre outras animações que fizeram sucesso além das fronteiras japonesas. O filme se passa em um período que chamamos de Muromachi, do século XIV até o século XV no Japão, onde Ashitaka é um príncipe de uma aldeia que é atacado por uma criatura que mais tarde, nos é apresentado que se trata de um demônio em um corpo de Javali, que foi contaminado por uma bala de ferro, principal suposição para transformar o animal em demônio. Para proteger seu povo, o príncipe luta com a criatura e acaba com o braço contaminado, uma mancha demoníaca que se espalhará ao longo do tempo, se não for curada. O oráculo da aldeia alerta ao príncipe que esta mancha pode acabar com sua vida, e consequentemente, transformá-lo em demônio. Desta maneira, Ashitaka deixa sua aldeia para buscar uma cura.

Nos tempos antigos, a terra estava coberta de florestas, onde, desde muito tempo atrás, habitavam os espíritos dos deuses. Naquela época, homem e animal viviam em harmonia, mas com o passar do tempo, a maioria das grandes florestas foi destruída. Aqueles que permaneceram foram guardados por bestas gigantescas que deviam suas alianças ao Grande Espírito da Floresta. Pois aqueles eram os dias dos deuses e dos demônios …

A mancha cresce aos poucos, tomando controle de seu braço, mais tarde quando Ashitaka se depara com um grupo de samurais que tentam atacá-lo, em uma tentativa de se defender, utiliza seu arco e flecha, mas perde o controle de seu braço e mata muitos homens brutalmente. Em outra cena, com o outro foco da trama, nos é apresentado uma da mulheres que ganham força para a representatividade feminina neste loga.

Lady Eboshi e seus soldados

Lady Eboshi é a líder de um povoado vizinho, a Ilha de Ferro, que ganhou este nome por sua grande produção e manipulação deste minério. É uma líder amada por todos, que lidera um povo avançado, com o uso da pólvora. Contudo, Lady Eboshi e seus habitantes da Ilha de Ferro, vivem em uma guerra constante com as criaturas e deuses da floresta, visto que os deuses da floresta não estão contentes com o modo de produção de Lady Eboshi, que avança cada vez mais, derrubando a vegetação e massacrando os animais, matando a floresta com sua armas de fogo. Entre esse grande conflito, Lady Eboshi travou uma guerra pessoal com a Princesa Mononoke, uma jovem humana que foi criada por lobos desde criança, quando foi abandonada por seus pais. Lady Eboshi sonha com um dia que poderá matar os lobos restantes e a Princesa, que ameaça sua vitória na guerra.

As árvores choram quando morrem, mas você não pode ouví-las. Eu menti sobre isso. Eu ouço a dor da floresta e sinto a dor das balas em meu peito, e sonho com o dia em que finalmente irei esmagar a cabeça de Lady Eboshi em minhas mandíbulas.

Moro

San, a Princesa Mononoke e sua mãe adotiva, Moro.

A Princesa Mononoke, reconhecida por San no filme, nutriu um ódio pela raça humana, deste modo, defende os espíritos da floresta. Para proteger seu lar, San pretende matar Lady Eboshi, encerrando a guerra. Após um conflito em uma montanha, quando sua mãe foi atingida por Lady Eboshi, San conhece Ashitaka na beira de um rio, enquanto tenta cuidar do ferimento de Moro. Ashitaka não consegue manter um bom relacionamento com San neste momento, então segue para a Ilha de Ferro, levando dois soldados machucados por samurais. É neste momento que conhecemos as mulheres da Ilha de Ferro, que são as responsáveis pela produção deste minério, nesta aldeia, as mulheres tem um grande papel, fabricam armas e chegam até a lutar por sua aldeia. Algo surpreendente para a época, mas Hayao Miyazaki fez questão de utilizar esses elementos, em contradição ao passado patriarcal das dinastias japonesas.

A vida está sofrendo. É difícil. O mundo está amaldiçoado. Mas ainda assim, você encontra razões para continuar vivendo.

Osa

Princesa Mononoke e Lady Eboshi

Mesmo sendo rivais, com interesses completamente diferentes, carregando responsabilidades em seus ombros, essas duas mulheres são os dois pilares que sustentam o filme. De um lado, a Princesa Mononoke, defensora dos espíritos da floresta, que rejeita sua raça biológica, criada por deuses lobos, se recusa a confiar em humanos, muito menos, a amá-los. De outro, temos Lady Eboshi, uma mulher adulta que construiu um aldeia com seus interesses e motivações, carregando centenas de habitantes modernos ao custo da descoberta da pólvora e a ascensão humana diante dos espíritos da floresta.

Príncipe Ashitaka e Princesa Mononoke

San: Mesmo que todas as árvores cresçam de volta, não será mais a floresta dele. O Espírito da Floresta está morto.

Ashitaka: Nunca. Ele é a própria vida. Ele não está morto, San. Ele está aqui conosco agora, nos dizendo, é hora de nós dois vivermos.

Em 1997, com uma geração ainda encravada nas raízes de uma sociedade patriarcal, surge Princesa Mononoke. Uma animação que mescla fantasia e história, trazendo a tona sentimentos e representatividade para o mundo. As árvores que choram todos os dias até hoje, as guerras que criamos a cada segundo e os demônios que crescem em nosso corpo, representados aqui como apenas um conto, porém refletido em nós, como realidade.

Princesa Mononoke

San, a garota criada por lobos, a personagem capaz de observar a humanidade com os olhos de outra espécie. É atordoante ver o quanto a raça humana é cruel e egoísta, sendo estas, características que definem esta raça no filme. A harmonia entre os seres vivos foi quebrada por homens, que matam por seus próprios interesses, massacram por poder e enganam por desejo. Podemos observar isso quando o grande vilão da animação é um homem e não um demônio. Os demônios seriam criaturas que não têm consciência de seus atos, que foram feridos brutalmente por humanos, tendo a sua alma roubada e sua bondade aniquilada. San é capaz de observar isso dos dois lados, após seu contato com Ashitaka, percebe que ainda sim é humana, deste modo, San é a única que consegue ver o conflito com os olhos orgulhosos dos humanos e com os olhos corajosos de um deus lobo.

Hoje em dia, há fantasmas zangados ao nosso redor — mortos de guerras, doenças, fome — e ninguém se importa. Então você diz que está sob uma maldição? E daí? Então é todo o maldito mundo.

Jigo

San e Moro

Você não pode mudar o destino. No entanto, você pode se levantar para encontrá-lo, se assim preferir.

Hii-Sama

Deste modo, entendemos o quão importante são as mulheres de Princesa Mononoke, e mais ainda, San, que traz o título do filme. Talvez este seja o motivo, o protagonismo de San é o que faz esse longa se destacar e transmitir essa representatividade feminina de liderança e coragem. Por mais que rejeite sua raça, somos capazes de sentir afeto por suas características, assim como ela, renunciamos a nossa raça devido aos seus erros, ao peso que carregamos por nos colocar acima de todos os seres vivos. A racionalidade humana, que progride em uma linha “tênue” a cada dia, massacra vidas a cada progresso. Bem mais que uma junção de traços, o sétimo filme de Hayao Miyazaki é uma crítica à humanidade, o espelho da vida humana, aqui compreendido em duas horas e alguns minutos de ficção.

Gostou dessa publicação? É só aplaudir quantas vezes quiser no ícone ao lado esquerdo da tela (os aplausos vão de 1 a 50).

Quer receber mais textos como esse? Siga nossa publicação, fale sobre elas e compartilhe!

Nossa Página no Facebook: Fale com Elas

Nosso Instagram: @falecomelas

Nosso Twitter: falecomelass

Acompanha a Fale com Elas e quer escrever com a gente? Manda um email pra falecomelasesobreelas@gmail.com.

Aceitamos contos, crônicas, entrevistas, resenhas literárias, cinematográficas, textos de opinião. Conteúdo feito por mulheres para quem quiser escutá-las!

--

--

Clarisse Ventura
Fale com Elas

Sagitariana, graduanda em História, membro do Coletivo Jovens Transcendentais