O que o Kpop vem me ensinando sobre respeito

A necessidade humana de inferiorizar aquilo que não consegue compreender

Amanda
Fale com Elas
6 min readJun 10, 2019

--

Fonte: Google Images, BTS no Grammy 2019

Depois que comecei a ouvir Kpop me vi passando por inúmeras situações nas quais tinha que validar meus sentimentos e meus motivos para me interessar por este estilo de música. Daí surgiram inúmeros questionamentos: a)Por que o ocidente tem essa resistência absurda em relação a tudo que não seja produzido na língua inglesa? b)Por que movimentos culturais cujos fãs são garotas e jovens mulheres nunca é levado a sério? c)Por que simplesmente não respeitamos os gostos alheios ao invés de tentar ridicularizá-los?

Tudo começou em maio de 2018 quando uma amiga me apresentou um grupo de sete rapazes coreanos cujos video clipes eram repletos de significados e mensagens. Eu nunca apresentei resistência a indicações musicais, mas esta, em especial, me atingiu com uma rapidez que até hoje me assusta. Um ano depois lá estava eu na cidade de São Paulo aguardando quatro horas em uma fila para assisti-los ao vivo.

O grupo em questão é o BTS, criado em 2013 na Coréia do Sul, composto por sete integrantes, entre 21 e 26 anos, que atendem pelos nomes artísticos de: RM, Jin, Suga, JHope, Jimin, V e Jungkook. Este é o maior grupo de Kpop da atualidade, e vêm chamando cada vez mais a atenção do ocidente, aparecendo nas importantes listas de “Next Generation Leaders” e “Most Influential People” da Revista Time. Atualmente em turnê mundial, eles lotaram o Allianz Parque, em São Paulo, por dois dias (o que contabiliza mais de 80 mil pessoas) e fizeram o mesmo na Inglaterra, no Wembley Stadium onde reuniram mais de 120 mil fã. Além de terem sido indicados ao Grammy no começo deste ano.

Kpop, para quem não está familiarizado, é o pop produzido na Coréia do Sul. Cantado em coreano, com frases em inglês e composto por superproduções nas quais os cantores (chamados de Idols, “Ídolos” em inglês) dançam, cantam e performam em grande estilo.

Como não sou crítica musical nem nada do tipo, deixei aqui alguns links para quem se interessar em entender o fenômeno do ponto de vista artístico, é só clicar nas palavras que estão sublinhadas. Feitas as devidas apresentações vamos voltar aos três questionamentos principais feitos lá em cima.

A resistência ocidental

Confesso que no início achei tudo muito estranho: a língua, as roupas, a forma como se comportavam em entrevistas. Entrar para o mundo do kpop foi um choque cultural. E minha primeira reação foi: “Eu não vou ficar escutando músicas numa língua que eu não entendo, isso não faz sentido”, só que eu não entendia inglês mais de dez anos atrás quando escutava Britney Spears. Na verdade, a maioria das pessoas que eu conheço escutam músicas na língua inglesa sem entenderem uma palavra do que está sendo dito.

Acredito que seja natural do ser humano estranhar o diferente, principalmente quando estamos á décadas sendo influenciados por uma única cultura, a de língua inglesa, que renega e sabota tudo o que vem de fora. Quando foi que aceitamos que só o que vêm deles é bom e merecedor de nossa atenção?

O preconceito contra os fãs

Lendo os artigos sobre os shows do BTS no Brasil, e no mundo, me deparei com um estereotipamento em cima da base de fãs do grupo, e de todo o Kpop, que não condiz com a realidade que eu, sendo parte disso, vejo todos os dias . Mas todo movimento cultural cuja base de suporte é composta majoritariamente pelo sexo feminino acaba tendo seus fãs caracterizados como: garotas histéricas e sem cérebro que só estão ali para ver corpos bonitos.

A gente deslegitima os gostos das nossas mulheres, tratando tudo o que elas transformam em fenômeno como algo superficial e plástico.

O BTS escreve sobre amor próprio (ESPANTO!!). Todas as suas letras e video clips são interligados em uma enorme e complexa história que envolve a luta contra a depressão, os anseios da juventude e a dificuldade em se amar. Tanto que eles se uniram à UNICEF no ano de 2017 na campanha “Love Myself” que ajuda no combate à violência contra crianças e adolescentes ao redor do mundo, “na esperança de fazer do mundo um lugar melhor através da música”. Tendo inclusive discursado na ONU em 2018.

No começo de sua carreira eles falavam sobre as dificuldades enfrentadas pelos estudantes do sistema de ensino coreano, causador de elevadíssimas taxas de suicídio no país.

Suas letras não são direcionadas a nenhum gênero em específico, são todas de “gênero-neutro”, respeitando a sexualidade de quem as ouve e expandindo a questão da representatividade.

Mas na grande mídia nada disso importa, é claro.

Os fãs de kpop me ensinaram sobre respeito

Ter que validar os motivos que te levam a gostar de determinado tipo de música, ou grupo, ou cantor, é completamente descabível. Cada um de nós se conecta com alguém por razões que dizem respeito apenas a nós. O BTS, por exemplo, me faz acordar todos os dias querendo ser uma pessoa melhor. Vê-los batalhando por sete anos para conseguirem chegar ao topo, entre quedas e vitórias, me dá a motivação que eu preciso para desligar o instagram e ir trabalhar. Desde janeiro eu venho estudando coreano todos os dias e em minha tentativa de entender melhor o grupo que tanto amo eu acabei aprendendo muito sobre a Coréia do Sul. Eu quero fazer a mudança na vida de outras pessoas igual eles estão fazendo na minha.

Através do Kpop eu fiz novas amizades. Nos nossos encontros quase mensais eu sinto que pertenço à um grupo, como fazia anos que eu não sentia. Ali, entre coreografias e teorias malucas do mundo do Kpop, é como se finalmente eu fosse entendida, porque lá fora tudo o que eu falo relacionado a isso é recebido com pedras e sarcasmos.

O concerto do dia 25 de maio foi minha primeira experiência de show. Eu e minhas amigas passamos pelo inferno para conseguir comprar os ingressos, nos preparamos com semanas de antecedência e tivemos um dos melhores dias de nossas vidas por causa de sete coreanos que não fazem ideia de quem somos. Mas o que eu quero que vocês tenham entendido até aqui é que não é só sobre eles, é sobre o que eles trouxeram pra dentro do meu mundo. E não me importa por quanto tempo isso tudo dure, porque eu já mudei e agradeço todos os dias por fazer parte desse grupo de pessoas que o resto da sociedade considera esquisito e vazio.

O kpop me ensinou que o respeito da maior parte de nós só é colocado em prática até certo ponto, o que nós temos não é respeito pelo próximo, é só por nós mesmos, a partir do momento em que algo nos tira da nossa zona de conforto não medimos esforços para desrespeitá-lo.

Lá dentro do estádio, enquanto rolava o show, eu mal podia acreditar no que estava vivendo. Tudo o que eu via no youtube era real, eles cantam, dançam, interagem com os fãs e fazem com que cada um de nós se sinta abraçado. Foram mais de duas horas e meia de um espetáculo que pareceu um rolê com meus amigos do BTS. Ali ninguém me achava louca. Em certo momento, o céu se encheu de papéizinhos coloridos e fogos de artifício, a música tocando ao fundo e um único pensamento: Eu tenho 24 anos e estou em um show de Kpop, e está tudo bem.

Está mais que bem, pra ser sincera.

Finalmente eu sou eu mesma.

Quer receber mais textos como esse? Siga nossa publicação, fale sobre elas e compartilhe!

Nossa Página no Facebook: Fale com Elas

Nosso Instagram: @falecomelas

Nosso Twitter: falecomelass

Acompanha a Fale com Elas e quer escrever com a gente? Manda um email pra falecomelasesobreelas@gmail.com.

Aceitamos contos, crônicas, entrevistas, resenhas literárias, cinematográficas, textos de opinião. Conteúdo feito por mulheres para quem quiser escutá-las!

--

--

Amanda
Fale com Elas

Redatora, tradutora e professora de inglês. Aqui: @fale-com-elas-e-sobre-elas e @revistahelenas , IG @clubedochorolivre -rtorres.amanda@gmail.com para serviços