O vazio sufocante da solidão

Amanda
Fale com Elas
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4 min readMar 9, 2020

Tem algo que não me parece muito certo acontecendo dentro de mim

Eu não sei o que está acontecendo com meu cérebro. Ele vêm se comportando muito mal ultimamente. As vezes me coloca num pedestal, me deixa ver o brilho das estrelas, ouvir com clareza o canto dos pássaros, só para me jogar, sem avisos, de um penhasco escuro e medonho.

Meu cérebro não me deixa descansar. Os dias passam como se fossem fardos, porque aguentar todo esse turbilhão aqui dentro é exaustivo. Ele não para de funcionar um minuto. Antes fosse por um bom motivo, na criação de um projeto legal, no aprendizado de uma nova habilidade. Não, não. Meus neurônios trabalham para me machucar.

São milhões de sinapses por dia, movimentando meu corpo, bombeando meu sangue e me fazendo acreditar que tudo isso que eu sou não é nada além do que um grande erro, que eu inteira sou a personificação do fracasso.

Tentei de tudo.

Parei de seguir gente que me deixava pra baixo no instagram. Comecei a praticar yoga de manhã; fazer aulas de dança. Me enfiei num grupo semanal de meditação. Comprei um caderno e criei um planejamento mensal. Comprei outro caderno e o usei como diário. Mudei minha alimentação. Passei a ter consultas com uma psicóloga e falei para várias pessoas que tinha algo de errado comigo. Sabe? Tentei botar pra fora.

Nada funcionou. O vazio continua aqui.

Queria deixar claro que levo uma vida perfeitamente normal e sem grandes furacões. Não passo por nenhum tipo de necessidade, emocional ou financeira. Tenho pais maravilhosos que me apoiam em tudo e uma família que me respeita e está lá para o que eu precisar.

Então, o que raios está acontecendo comigo?

Assistindo um vídeo despretencioso no youtube. (Não consigo colocá-lo aqui, mas o título é: Loneliness, do canal: Kurzgesagt — In a Nutshell, vale a pena assistir.) Descobri que eu posso estar sofrendo de solidão. Sim, parece coisa de novela mexicana, mas eu juro que não é. Solidão não é um simples sentimento, é um conjunto de fatores, psicológicos e hormonais, que refletem no seu emocional, e na forma como você encherga e reage a própria vida.

Andei fazendo umas pesquisas e descobri dados interessantes.

Uma pesquisa conduzida pelo YouGov, no Reino Unido, constatou que 31% dos entrevistados, entre 18 e 24 anos de idade sentem-se, constantemente ou sempre, solitários (Fonte: Independent).

Espera, então esse vazio não é coisa da minha cabeça? (Como todo o resto do mundo que não osente gosta de dizer). Não, Catarina. Não, leitor. Há muitos outros como nós por aí, de diferentes idades e variados estilos de vida. Inclusive, seu colega de trabalho todo sorridente e brincalhão pode muito bem sentir-se cercado por um nada sufocante ao chegar em casa. Pessoas que enfrentando a solidão, não necessariamente aparentam tristeza, ou estão passando por uma fase turbulenta em suas vidas pessoais.

Solidão vai além de simplesmente não ter amigos para quem ligar nos sábados a noite.

Estudos apontam que a solidão faz nosso corpo sentir como se estivéssemos o tempo todo em estado de ataque iminente.

Sua pressão sanguínea e o suas taxas de colesterol sobem e ativam suas respostas físicas e psicológicas ao estresse, fechando toda a sua pessoa dentro de uma bolha cuja função primordial é a sua proteção, mas que, com o tempo, te destrói.

Já faz tempo que me sinto como se tivesse armado uma barraca dentro de mim mesma, e não conseguisse mais encontrar a saída. É cansativo viver assim. Passo a maior parte do dia preocupada em revidar os questionamentos intrusos das pessoas ao meu redor, preocupadas com meu crescente mau-humor, com as espinhas que brotaram na minha pele e os muitos quilos que ganhei.

Eu sei que estou passando tempo demais dentro da minha própria mente, mas quando abro os olhos pela manhã não consigo pensar em nenhum motivo bom o suficiente para me tirar daqui.

O que a solidão faz comigo, de verdade

A questão da solidão é que ela te invalida. Ela suga sua essência, te aprisiona em um local absurdamente silencioso e estranhamente claro, que logo você constata desesperada, ser você mesma. Ser seu próprio corpo, preparando suas células para um combate; seu cérebro, te dizendo para desistir sim daquele compromisso e ficar em casa no resto do dia.

A solidão machuca, porque te faz arranhar a pele até que a carne esteja exposta, te faz arrancar fios de cabelo até se ver rodeada por eles no chão.

A solidão te abraça sem que você perceba, sem que permita ou que tenha chances de escapar. Ela nocauteia seus sentidos. Cobre tudo com uma névoa que te faz questionar se a vida é realmente tão boa quanto dizem.

Solidão é diferente de depressão, mas um pode desencadear o outro, por isso é de extrema importância que você procure ajuda caso tenha se identificado com esse texto.

Meus sentidos ainda estão confusos. Alguns dias são ainda piores do que os anteriores, mas no meio de todo esse caos há sempre uma fagulha de felicidade escondida. Agarre-se à ela. Tudo bem se o dia acabou e você só conseguiu fazer uma mínima atividade produtiva, contanto que ela tenha lhe esquentado o coração.

No meu caso é conseguir ir duas vezes por semana para minhas aulas de dança e de yoga. Nenhuma das duas atividades vai acrescentar nada no meu currículo, ou me conseguir um bom emprego no futuro; farão melhor que isso, me manterão viva até que o futuro chegue.

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Amanda
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Redatora, tradutora e professora de inglês. Aqui: @fale-com-elas-e-sobre-elas e @revistahelenas , IG @clubedochorolivre -rtorres.amanda@gmail.com para serviços