Regresso
O nascer da madrugada é quente no corpo que já se acostumou ao frio, suor que empapa minhas axilas. Destranco o trinco, estalar que ensurdece os que estão dormindo. Arrasto as malas até o corredor, acendo a luz. O sofá vestido dessa manta que não conheço, o chão sem o tapete cinza, um vaso diferente e não encontro o quadro réplica dos girassóis na parede. Faço pss pss para o escuro da cozinha, mas não vem resposta. A porta do quarto se abre. A mãe e o pai sonolentos, e de repente o silêncio e de repente o vazio de toda aquela saudade que escorre. Toda a falta de súbito perdida naquele encontro. Para preencher a noite digo onde está o gato. Dizem não sabemos.
É estranho, não veio falar comigo. Reviro os cômodos todos estrangeiros, irreais. Vagueio, pss pss. Mas como engordou, comenta a mãe. Está mais cheinha, comenta o pai. O desespero já na garganta. Ali, ali. O gato no canto do canto mais distante dos fundos, atrás de um banco sob um balde. O que foi, esqueceu de mim. Estico o braço, o gato foge ao meu toque e a ferida escoa, irreversível.