A Fotografia de Luiz Braga

e a iluminação de um povo encoberto

Marco Melo
Fale de Cinema
5 min readFeb 1, 2017

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Babá Patchouli, 1989

Luiz Braga, natural de Belém — grande porta amazônica — , fotografa seu espaço e o Outro como algo que lhe é próprio, familiar, os quais alcança em laço estreito de intimidade. Para Paulo Herkenhoff, curador e crítico de arte, Braga figura dentro de uma fotografia contemporânea que por vezes “levanta o véu da opacidade que a história lança sobre uma identidade social ou étnica”. Por debaixo desse véu, encontramos fotografias de uma terra iluminada que, através de um refinamento em cores e luzes epifânicas, rompem com as sombras projetadas sob uma cultura e dão a ver, como Herkenhoff pontua, um saber visual de uma população descendente de índios permeada por seus valores plásticos próprios.

Diante de uma realidade brasileira que encobre as suas longas margens, a obra de Luiz Braga cria uma ação contrária a esse movimento opressor. Uma ação que não se encontra no grito, mas em um silêncio afetuoso. Esse estado provém, de acordo com Herkenhoff, de um encantamento com a fotografia: Luiz Braga carrega em si a mesma substância do seu modelo e seu meio. O fotógrafo, longe de ser um visitante explorador, traz em sua obra “a captação amorosa da própria imagem, num olhar para dentro de si”.

“Não há drama social, nem ansiedade, mas a consideração da dimensão cultural, no sentido antropológico, da imagem fotográfica. ‘No fundo’, diz Roland Barthes, ‘a fotografia é subversiva não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa […]. Neste silêncio suave, Luiz Braga opera a dignificação dos modelos. Eles revelam um profundo respeito pelo ato de serem fotografados, no paralelo com o exercício amoroso de antropologia das imagens pelo fotógrafo. Permeia o sentimento de verem reconhecida sua dignidade.” — Paulo Herkenhoff

Nessa operação de dignificação, perpassa um outro elemento importante: o despojamento. Este que permeia os parques, as beiras dos rios, as portas das casas, as comemorações e os bares que presenciamos nas obras de Braga. Dentro desses espaços, o despojamento dos corpos — espontaneamente expostos — e seus gestos que não se engessam em contato com sua fotografia, mas pelo contrário, que se deixam ficar com alento e autenticidade.

Herkenhoff pontua que a fotografia de Braga, por outro lado, não se satisfaz com a duplicação da realidade, tampouco com uma ação fetichista. Há toda uma cor, luz e temperatura que inundam suas fotografias e revelam, além do traço de maravilhamento, uma epifania. Esse estado também advém de uma simultaneidade com a qual Braga opera as luzes naturais junto as artificiais. Para Herkenhoff, “a fotografia de Luiz Braga confronta a luz natural de um raio de sol crepuscular com o foco artificial de um vapor de mercúrio”, criando um espaço de clareza e ambiguidades, que se estabelecem sobre certa harmonia. Na obra de Luiz Braga, as luzes quentes de Belém se unem às luzes equatoriais sem diferença de intensidade ou estima.

Ponta de areia, 1988

Em Ponta de Areia, podemos visualizar a presença hegemônica dessas cores-luz de natureza distinta. A luz expansiva do crepúsculo equatorial não consome a presença da luz fluorescente — responsável por iluminar o modelo — , mas provoca um encontro harmonioso, ao mesmo tempo que desconcertante. Em posição central, encontramos a figura do homem simples, o Outro, exposto, como se se olhasse no espelho e reconhecesse sua natureza com dignidade. Além disso, entre este e o fotógrafo, o silêncio do qual falamos: suave e afetuoso.

Fusca azul, 1996

Nessa segunda fotografia, Fusca azul, Luiz Braga fotografa novamente luzes de naturezas distintas, mesmo que para isso, o fotógrafo procure o fragmento de luz crepuscular vindo de um contra plano. Não à toa, enquadra-o através de um fusca pintado artificialmente de azul. Nessa fotografia, percebe-se também o despojamento de um bar gasto, disposto a rua, no qual estão quatro corpos que, através de seus gestos, encontram-se em plena naturalidade de quem está em casa.

A obra de Luiz Braga, como assim vemos, estende-se desde os anos 70 até os dias de hoje. Aqui, passamos por algumas nuances deste longo trabalho sustentados pelo olhar do crítico Paulo Herkenhoff. Em um silêncio suave, mas veemente expressivo, Luiz Braga constitui uma obra fotográfica que, como César Guimarães coloca, utiliza procedimentos expressivos criados pela fotografia e desenvolvem uma reação ativa que se contrapõe aos processos de expropriação, violência e dominação a que foram submetidos os povos indígenas, a população negra e os grupos sociais empurrados para a margem da sociedade. Luiz Braga dá luz, portanto, a parte de um país encoberto ao qual faz parte.

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