Adoráveis mulheres: a ambivalência enquanto força

Novo filme de Greta Gerwig (Lady Bird) chega aos cinemas

Marco Melo
Fale de Cinema
2 min readJan 9, 2020

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Não é a primeira vez que Little Women, a calorosa história de quatro irmãs crescendo no interior dos Estados Unidos durante a Guerra Civil, é adaptada para o cinema desde que foi publicada em 1868 como livro autobiográfico. Na mais recente versão, Greta Gerwig consegue, por sua vez, adaptar a obra para a contemporaneidade, atualizando aspectos datados do contexto feminino, porém, sem endurecê-la ou fazer com que perdesse seu tom espirituoso. Pelo contrário, constrói um mix improvável de um romancismo clássico com um quê realista crítico, mesclando drama, romance e humor na dosagem certa.

Muito disso pode ser justificado pela visão madura e pelo bom humor de Gerwig, que, desde Frances Ha (2012), como roteirista, preza, acima dos discursos prontos, pelas falhas e pela vulnerabilidade, o que é somado com a pluralidade de visões femininas, que nunca anulam uma a outra, nesse último filme. Essas forças ambíguas, que caracterizam o ser humano, surgem, por exemplo, quando a protagonista diz: “Estou cansada de ouvir que, à mulher, cabe apenas o amor”, e, depois de um silêncio, confessa: “Mas ainda estou sozinha”.

Como diretora, Greta também demonstra maestria na condução fluida e dinâmica das cenas — que, diga-se de passagem, é uma dança complicadíssima de mise-en-scène e diálogos sobrepostos — , necessária para sustentar esse lugar orgânico e verdadeiro em que busca colocar seu filme.

Para além disso, a diretora também emprega um caráter autoral ao filme com uma temporalidade não linear, fazendo-o funcionar em dois tempos distintos — a infância inocente e solar protegida pelo lar e o seu desiludido fim –, que em muito dialoga com o olhar da protagonista em seu esforço doído em sobrepor sua pulsão de vida à vontade “divina” da época. Tudo isso culmina, assim como em seus filmes anteriores, em um final no qual esses tempos primeiramente opostos se encontram, apontando um realismo não necessariamente o oposto a um romantismo, mas sim, num amadurecimento necessário, uma dor contente. Por fim, confirmando sua maestria e crença na escrita e na ficção, Gerwig encerra seu Little Women brilhantemente, do alto, apostando ainda na força daquilo que é complexo e humano.

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