O Rastro

Longa de J.C. Feyer busca elevar o padrão do cinema de gênero no Brasil

Matheus Carvalho
Fale de Cinema
3 min readMay 19, 2017

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Dirigido por J. C. Feyer e roteirizado por André Pereira e Beatriz Manela. Com: Rafael Cardoso, Leandra Leal, Natália Guedes, Claudia Abreu, Felipe Camargo, Jonas Bloch, Alice Wegmann, Érico Bras, Gustavo Novaes e Domingos Montagner

Tratando-se de cinema de gênero, a produção cinematográfica nacional infelizmente é pequena, pouco conhecida e valorizada. No diz respeito ao circuito comercial, de vez em quando, consegue-se pescar algo que desperte a atenção daqueles que são fãs do cinema de gênero. “O Rastro”, último lançamento da ainda jovem produtora Lupa Filmes, vem com a difícil tarefa de abocanhar um mercado que consome pouco do cinema nacional. A tarefa se torna ainda mais árdua por se tratar de um longa de terror/suspense.

Nesse interim, é uma iniciativa que merece aplausos, não só pela coragem, mas por realmente entregarem um filme com “valor de produção”. Apesar do orçamento pequeno (R$ 4,5 milhões), o diretor J.C. Feyer e equipe chegaram a um produto refinado que através de sua direção de arte, maquiagem e fotografia, nos ajuda a mergulhar no universo do filme.

Rafael Cardoso interpreta João

A história se passa no Rio de Janeiro, onde um hospital prestes a ser fechado precisa transferir seus pacientes. João Rocha (Rafael Cardoso) é um médico que trabalha dentro da máquina pública do governo do estado fluminense, gerindo a logística de transferências dessa unidade. Quando uma menina (Natália Guedes) desaparece no meio da remoção dos pacientes, João se vê preso a um mistério, no qual tenta descobrir o que aconteceu com ela, enquanto toma conhecimento de diversos outros acontecimentos terríveis.

Leandra Leal interpreta Leila

O ponto alto de O Rastro está na sua parte técnica. Filmado boa parte em algumas alas do Hospital Beneficência Portuguesa, prédio do século 19 localizado no bairro da Glória, o aspecto sujo e desgastado do lugar reflete uma ideia de abandono que permeia todos os elementos do filme. O descaso não está somente no aspecto macro do longa, onde vemos o hospital sendo fechado e uma postura negligente por parte do poder público, mas também, vemos isso escorrer para o emocional dos personagens. João, por exemplo, se sente sozinho ao longo da trama, onde tomado pela angústia de entender o que acontece a sua volta, se vê como o único que se importa com a menina desaparecida. Leila (Leandra Leal), esposa de João, sente algo parecido, mas pelo próprio marido, enquanto o vê se distanciando dela em função da situação que está investigando.

Se a direção de arte do longa é algo para se aplaudir de pé, infelizmente, o mesmo não pode ser dito de seu roteiro. Podemos imaginar esse filme como sendo uma mistura de “O Iluminado”, “O Grito” e “Psicose”, mas infelizmente, não pelo lado bom. A medida em que a narrativa se desenvolve, vemos um mistério se encaixando no outro de maneira bastante apressada, na qual o fim de um problema é apoiado em resoluções óbvias, ou pior, são completamente esquecidos pela trama. No meio de tudo isso, o discurso de tom crítico à crise do Sistema Único de Saúde acaba não se sustentando, sendo diluído pelos demais aspectos da narrativa.

O Rastro é um bom filme com aspectos técnicos impecáveis, mas carrega uma narrativa enrolada e resoluções fáceis, afastando-o da posição de um grande filme de terror. Talvez se o longa apostasse para uma narrativa menos ambiciosa, que impedisse a diluição de seu discurso, a experiência seria mais satisfatória.

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