do que falamos quando falamos de amor

algumas reflexões sobre amor romântico que eu queria pontuar pra vocês nessa data especial

Dalila Coelho
falo de amor
6 min readJun 12, 2020

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será que ele me ama???

eu cresci sendo uma romântica de carteirinha. adorava brincar de casinha, desde muito nova sonho em ser mãe, minhas bonecas sempre tinham namorados, dei meus primeiros selinhos ainda bem criança, tinha namoradinhos no jardim de infância, sempre tive paixões na escola e sonhava em ter um namorado de verdade. pra mim isso sempre foi o normal: viver era namorar, fazer faculdade, casar, ter uma profissão, ter filhos e ser feliz para sempre, mas o essencial para tudo isso é ter um companheiro, alguém com quem viver junto todas as outras coisas. e tava indo tudo no caminho certo, aos 20 anos eu jurava que casaria com meu primeiro namorado. até que eu vi que não. e aí o meu mundo caiu.

muitas lágrimas foram derrubadas nesse processo de desconstrução sobre relacionamentos que estava ainda incipiente durante esse término, mas eu tinha ali uma intuição de que esse era o caminho certo a seguir e que eu não queria mesmo a possibilidade de vida que eu via na minha frente. só que perceber que o meu plano tinha acabado acabou comigo. porra, eu teria que começar tudo de novo? procurar outra pessoa? passar por todos esses processos de novo? e é isso mesmo a vida, é esse o caminho natural a ser seguido e é isso que eu tenho que fazer?? e se da próxima vez não der certo, eu teria força para passar por tudo isso de novo??? e se nunca der certo e eu nunca casar com alguém? eu não vou poder viver a vida que sempre quis por não ter um parceiro comigo? é isso???

essas percepções vieram junto da fase final da minha graduação, em que eu teria que escrever uma monografia e queria muito falar sobre sexo e imprensa feminina na minha pesquisa. mas aí quando eu peguei revistas tipo a claudia, cosmopolitan, glamour e marie claire para folhear, eu percebi que muito mais do que falar de sexo, elas falam de amor. todas as dicas dadas sobre as mil posições sexuais que você tem que experimentar estão intrinsecamente associadas à necessidade de ter um parceiro para realizar tudo isso, e o que essas revistas mais fazem é ensinar sobre sedução, sobre conquista, sobre como manter um relacionamento e insistir com a leitora que um dia ela irá sim encontrar a felicidade máxima, que é o amor. o amor romântico e heterossexual, é preciso dizer.

e aí eu fui perceber que a minha vida inteira eu fui atravessada por narrativas que construíam em mim esse sonho, esse desejo e essa necessidade: para ser feliz é preciso ter alguém. o destino principal da mulher, ainda jovem, é encontrar um homem com quem ela possa dividir planos e construir junto. desde criança, os livros e filmes que eu assistia eram essencialmente sobre isso, as brincadeiras eram sobre ter um marido e cuidar da casa e dos filhos, na adolescência as festas eram sobre ficar ou não com alguém e as conversas eram sobre quem estava afim de quem. no início da vida adulta, minha vida era faculdade, estágio e namoro, e os planos na minha cabeça envolviam morar junto, escolher uma data pro casamento e planejar ter filhos. e aí eu conversava com meus amigos homens e percebia que não, que para eles a vida afetiva não vinha em primeiro lugar, que os produtos culturais que eles consumiram desde a infância não eram centrados no romance, que eles não brincavam quando crianças sobre ter uma namorada, que na adolescência essa também não era a preocupação principal e que eles não pensavam na vida tendo o casamento como marco essencial a ser cumprido para ser feliz.

essa diferença gritante na posição que o sentimento ocupa na vida dos homens e das mulheres diz da forma como somos criadas culturalmente, atravessadas desde a infância por discursos e dogmas que nos fazem crer que o amor masculino é a peça central em nossas vidas. e foi isso que eu pesquisei no tcc e passei um ano estudando e desconstruindo em mim: a forma com que a sociedade tem a heterossexualidade compulsória como um de seus principais regimes políticos, que diz não só da orientação heterossexual ser o padrão, mas de como todo o sistema é organizado a partir da discrepância entre homens e mulheres, e que a submissão da mulher ao reconhecimento masculino é essencial para a manutenção dessa ordem. a conduta hétero extrapola o viés da sexualidade e é responsável por definir o comportamento esperado de cada sexo tanto no público quanto no privado, alimentando a relação do homem com o poder, o trabalho e o sustento e a da mulher com a manutenção do casamento, do doméstico e da família. e tudo isso é feito tendo o amor romântico como o discurso que suaviza essa construção, que torna a diferença entre o masculino e feminino mais palatável para nós mulheres, uma vez que nós fomos ensinadas que dependemos do amor masculino para estarmos completas.

e é disso que falamos quando falamos de amor: da assimetria que o sentimento ocupa na vida dos homens e das mulheres. enquanto para eles o amor é mais um elemento da vida, nós fomos instruídas a ver o amor romântico como o maior sonho, a peça essencial para estarmos completas, construindo desde pequenas a dependência pelo reconhecimento masculino. fomos educadas a ver o amor como meta de vida e a nos sentirmos mais fracassadas por não ter sucesso na vida romântica do que sentiríamos com o insucesso em qualquer outro aspecto da vida. um exemplo simples disso é como é muito mais pesado, na visão da sociedade, uma mulher se aproximar dos 40 anos sem estar casada do que um homem: quando é um homem, é só mais um caso de “ah que pena né mas acontece, também, trabalhou demais, ou nunca saiu da asa da mãe…”, enquanto para a mulher é o fracasso do único projeto de vida possível.

mas isso tudo não é uma escolha ativa das mulheres, que são mais sentimentais porque simplesmente são e por isso sonham em viver um grande amor: são dogmas que nos foram impostos desde que nascemos e que somos a vida inteira levadas a acreditar como verdade absoluta, que só seremos realmente felizes tendo um companheiro. mas a verdade é que não é assim. e qual é a resposta de tudo isso? se devemos desconstruir essa ideia de amor romântico, qual é a forma certa de se relacionar com o sentimento, então? eu não sei, mô. e na real eu não sei se existe uma resposta certa. mas aprender que ter um relacionamento não é a solução para nada já é um passo importante a se dar. e é necessário também entender que não existe amor da vida, alma gêmea ou felizes para sempre: nós somos essencialmente sós e todas as relações são passageiras; as pessoas só vão conhecer uma fração de quem você é e participar de uma fração da sua vida, porque o todo é só você com você mesma. e por fim, há muito mais na vida a ser vivida, o amor romântico não deve ser a peça central e o fruto de nossos maiores anseios e frustrações, e sim só mais um elemento junto de todos os outros que nos compõem.

e é isso que eu tenho pra oferecer hoje. essa foi uma adaptaçãozinha de uma parte do que eu aprendi e que queria muito trazer pra cá. se alguém tiver interesse em ler meu tcc, entra em contato comigo que eu envio o pdf. e se você ficou com alguma dúvida, algum questionamento ou queria bater um papo a respeito dos assuntos que eu tenho abordado nos textos, me manda uma mensagem no privado ou elabora aqui no curiouscat que eu vou adorar trocar essa ideia com você :)

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Dalila Coelho
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jornalista independente tentando registrar umas histórias