histórias de date: variar o roteiro é uma delícia

histórias sobre como o acaso é sempre o melhor diretor

Dalila Coelho
falo de amor
10 min readJun 5, 2020

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fotinha que minha amiga alina fez em um rolê aleatório e que ilustra bem a vibe e as companhias dessa época em paris
as crônicas de hoje também ganharam versão áudio

paris tem essa energia incrível do encontro ao acaso, que na prática se mostra muito mais surpreendente do que qualquer um poderia imaginar. usar aplicativos, por lá, não é tão eficiente quanto viver o dia-a-dia, porque as coisas realmente acontecem no cotidiano e as pessoas online acabam não sendo tão interessantes quanto as que você conhece por aí. eu e meus amigos tivemos mais sucesso em bares, restaurantes, festas, aulas e até no metrô do que usando o tinder ou instagram, o que pra mim é bem raro de acontecer hoje em dia, especialmente em bh. quer dizer, de lá pra cá eu não lembro de ter ficado com alguém — fora de carnaval — sem ter que usar a internet ao menos pra sinalizar o interesse. mas paris não. em paris acontece essas histórias quase fictícias de esbarrar em alguém em uma situação aleatória e a pessoa ser superinteressante e vocês viverem um romancezinho nem que seja por uma noite.

a minha história preferida de encontros inesperados na verdade não é minha, mas de um amigo brasileiro que conheci durante o intercâmbio. um belo dia, esse meu amigo foi sozinho em um show do little mix, viu na plateia um ator australiano de uma série que ele gostava, foi tietar esse ator, o ator deu em cima dele, eles ficaram e depois meu amigo foi com o ator e um amigo do ator encontrar um outro amigo em um bar. chegando no bar, o outro amigo era ninguém menos que o meu cantor libanês-franco-britânico preferido, que meu amigo conhecia só de nome (!!!!), e que era casado com o amigo do ator que estava com eles no show. meu amigo teve uma noite divertida com todo mundo, o cantor ficou até feliz por meu amigo não conhecer o trabalho dele e tratar ele como um ser humano normal, e podemos sim dizer que talvez rolou um clima entre todos quatro envolvidos — ou entre o meu amigo e cada um dos três artistas — , porque no outro dia meu amigo ainda foi com o marido do cantor levar os cachorros deles pra passear em um parque. divertidíssimo me desdobrar pra contar essa história sem citar nomes. e voilà, agora a minha melhor história aleatória:

o manager

essa é a minha história preferida de paris, porque enquanto adolescente que cresceu assistindo almost famous, essa foi a vez em que pude viver uma porcentagenzinha da experiência ligar o fodas e entrar em uma van com a equipe de artistas — mas pra tristeza da minha adolescência, não era uma banda indie e eu não tava pegando nenhum guitarrista, porque essa fase já tinha passado. eu e meus amigos havíamos combinado de dar um grande rolê, porque logo em seguida cada um iria viajar pra um canto e só nos reuniríamos todos de novo no final do intercâmbio. só que uns queriam ir pra um techno, outros queriam ir pra outro techno e eu e mais dois que detestamos techno só queríamos uma festa boa que desse pra dançar. mais uma vez fomos fisgados pela isca de festa com temática brasil e fomos parar num show de uns djs brasileiros famosos em uma boate que eu curtia muito (a mesma onde me despedi do harvard boy). é uma boate num prédio com a arquitetura muito massa, na beira do sena, com vários espaços diferentes e um deck enorme de frente pro rio.

festa lotada, a gente matou uns vinhos na fila, tomamos umas jarras gigantes de drink lá dentro e fomos curtir o show dos brasileiros. eu só conhecia os djs de nome, mas a gente deu uma olhada nas músicas antes da festa e sabíamos que eles tinham uns funks. esse foi o nosso grande momento de realmente curtir uma festa na europa e nos divertimos horrores dançando funk tocado por djs que sabiam o que tavam fazendo. no palco, além dos djs, eu tinha reparado dois caras quase iguais e que faziam muito o meu tipo, com cabelinho disfarçado e barba bem cuidada. um deles era fotógrafo e o outro eu não sabia o que tava fazendo ali e fiquei mais interessada nele. num certo momento eu peguei um cigarro na bolsa, cheguei perto desse cara e perguntei em francês se ele tinha fogo (é óbvio que eu tinha isqueiro). ele respondeu “quê??”, eu repeti, ele falou “por que você ta falando em francês comigo?” e aí eu entendi que ele era brasileiro. a gente conversou um pouco, ele falou que eu tinha chamado a atenção dele e me pediu pra procurá-lo depois do show. a gente se encontrou mais tarde na festa e ele levou eu e meus amigos pro camarote. ele era empresário dos djs e eles tavam em uma turnê pela europa, tinham acabado de assinar um contrato na frança e no outro dia iam viajar pra moscou pra tocar lá. a gente conversou um tempão, demos uns beijos, ele ficou falando que queria me levar pra moscou com ele, eu achando graça de tudo aquilo e com um pouco de medo da possível situação de tráfico humano em que eu tava me metendo, mas né, yolo. a festa acabou, chegou a van pra levar os djs de volta pro hotel, eu tava bem receosa mas acabei criando coragem e indo junto porque aquela era a última noite deles em paris e sabe-se lá quando eu teria outra chance de viver um dia de groupie.

quando a gente chegou no hotel já tava amanhecendo. era um design hotel absurdo, super bem decorado, paredes de concreto, tapetes super coloridos, quarto cheio de espelhos, um lugar bem interessante. o quarto tava cheio de sacolas de grife e roupas bonitas espalhadas e o cara era muito estiloso e bem cuidado. eu sei que quando eu falo em manager pode soar meio “cara mais velho e meio asqueroso do showbiz que usa do status pra pegar mulher na balada”, mas na real ele era novinho e bem lowkey quanto à profissão. de toda forma, eu fui achando que ia ser uma noite meio paia por imaginar que ele era do tipo que ficava com gente de balada todo dia e que fazia tudo de uma forma meio mecânica, mas me surpreendi bastante, ele realmente sabia o que tava fazendo e a gente teve uma sintonia muito massa. eu tinha zero costume de one night stand, mas como nunca mais veria esse boy, aproveitei pra ligar o fodas pro constrangimento e fazer o que eu quisesse, e ele se mostrou um grande fã do prazer feminino, então foi um combo perfeito.

no outro dia, eu não conseguia lembrar por nada o nome do manager. ele se ofereceu pra pedir um uber pra mim e quando entrei no carro aproveitei pra perguntar pro motorista o nome de quem tinha pedido a corrida, pra poder salvar o contato dele com o nome certo. eu tava jurando que nunca mais veria esse boy na vida, já que ele devia viver assim todo dia, mas pra minha grande surpresa a gente ficou conversando horrores durante a turnê e ele era muito querido comigo e a gente tinha toda aquela conversinha de webnamoro em que você tá genuinamente interessada em conhecer mais a pessoa. a gente combinou de se encontrar em londres um pouco mais de um mês depois, porque ele estaria por lá de férias e eu já tinha planos de visitar a cidade.

londres foi o meu auge de viciada em macho. é verdade que eu queria conhecer a inglaterra e tinha até onde ficar, mas saber que esse boy estaria por lá me deu uma forcinha a mais pra ir. esse foi talvez o mais longe que já fui por homem, e o percurso envolveu pegar um voo low cost às 6h da manhã de atenas pra londres sentada na poltrona do meio e sem reclinar. eu fiquei hospedada na casa de um ex-namoradinho de ensino médio, a gente combinou que não iria rolar nada dessa vez e dormimos juntos sem se pegar por quase uma semana, e enquanto esse ex tava ocupado fazendo mudança de casa, eu dava uns rolês com o outro boy. além disso, eu tive que inventar uma desculpa pro alfaiate, que queria ir pra londres me encontrar, e tava bastante surtada com o fim do intercâmbio e pensando que dali a 10 dias eu teria que voltar pro brasil e terminar com meu então namorado.

mas no meio de tudo isso eu dei uns rolês bem fofos com o manager. um dia a gente foi no tate modern e eu pude riscar da lista ter tido um date em um dos museus com o acervo mais interessante do mundo e o boy comentar sobre como ele achou lindo me ver retocando o batom enquanto observava uma obra de arte. também teve um rolê que envolveu um picnic em homenagem a alguém que tinha morrido, uma pizzaria que parecia um cenário de filme na califórnia dos anos 70, uma cervejaria hipster com luzinhas de natal e finalmente ir pra casa do boy e sermos xingados por ingleses no metrô porque a gente tava se beijando em público. e no outro dia atravessar a cidade no walk of shame e ainda ter que acordar o ex-namoradinho pra abrir a porta pra mim, o que foi sim uma coisa meio escrota da minha parte, eu sei, mas aconteceu. depois que voltei pro brasil a gente se encontrou mais algumas vezes pra rolês igualmente gostosos. não cheguei a ir em outros shows dos djs, mas o manager me levou pra conhecer um rooftop muito lindinho no centro de sp, me contou histórias sobre como a cantora fulana que todo mundo criticava era muito gente boa, mas a ciclana que parecia simpatissíssima era metida, me mostrou prévia de uma música que marcou o funk brasileiro, me deu ingresso pra alguns festivais… a gente tinha uma sintonia bem massa, mas a vida seguiu seu rumo e etc.

o alfaiate, parte 2

acho importante fechar essas histórias de paris voltando no alfaiate, porque por mais que tenha sido problemático de várias formas, foi uma relação importante e que estabeleceu alguns padrões que sigo até hoje. apesar do combo de frustrações que envolvia criar expectativas desnecessárias, sentir carência por falta de atenção e ter tido alguns dates ruins tentando substituir o alfaiate, a primeira noite com o manager me ajudou a botar o pé no chão e a enxergar em qual lugar eu tinha que colocar o alfaiate na minha vida, porque até um cara com quem eu dormi sem nem lembrar o nome tava me tratando melhor que ele.

ele também deu uma acordada e começou a ser mais atencioso. tivemos até um date elaborado de dia dos namorados — ele por algum motivo sabia que 12 de junho era a data no brasil e quis me levar pra jantar — e a noite teve nuances de romance e notas de escrotidão na medida exata do alfaiate. a gente foi em uma cevicheria hypada que tinha aberto perto do showroom e ele me deu uma rosa e pediu garrafa de vinho e pediu entrada e pediu pratos e pediu shots e pediu café e comprou haxixe com o garçom e no final de tudo queria que a gente dividisse a conta, que deu quase 100 euros. nada contra dividir conta, mas eu era uma estudante de 21 anos que tava trabalhando de babá pra juntar dinheiro pra poder viajar no final do intercâmbio e ele era um empresário de 32 anos que não precisava converter o real em euro. e eu não tinha pedido nada daquilo. paguei chorando por dentro e convertendo na minha cabeça e puta comigo por gastar tudo aquilo num jantar, mas pra compensar a gente voltou pro apartamento e teve uma das noites mais incríveis de todas. o haxixe tem muito o seu valor sim.

eu sei hoje — e eu sabia na época — que o alfaiate foi uma das relações mais problemáticas que eu já tive. a diferença de idade gritante, a diferença de poder, a minha imaturidade, o fato de ele amar brasileiras, o quanto ele era falocêntrico e o jeito que ele sempre ditava o jogo da disponibilidade, era tudo muito complicado. eu não cheguei a conhecer a casa dele, a gente sempre dormia no showroom, que tinha um quartinho no fundo, eu não conheci nenhum amigo dele e não apresentei ele pra ninguém, nunca encontrei com ele sem ser à noite, nunca fizemos outra coisa juntos que não fosse ir pra algum bar ou ficar no showroom e nunca vi ele mais do que uma vez por semana. a gente saiu por quase seis meses, eu segurei bem a barra de não ter nenhuma conversa séria com ele porque não queria transformar a relação em algo maior do que era e também queria dar conta de sair com ele até o fim, até porque a gente tinha uma data final e se eu quisesse eu não precisaria terminar antes disso. mas às vezes eu fico me perguntando… eu percebi que não sabia ao certo o sobrenome dele, e que talvez ele não tivesse só 32 anos, e que ele poderia muito bem ser casado. mas não sei.

o que eu sei é que era um momento só nosso e uma forma de viver paris só minha, que eu não precisava compartilhar com mais ninguém. era uma oportunidade pra conversar com alguém de fora do meu contexto, praticar francês e experimentar mais a vida. ele sabia do meu relacionamento aberto, escutava minhas tretas de família e me contava da vida dele também, sobre como ele tinha terminado um relacionamento de 7 anos e agora a ex dele estava com outro. mas assim, o que mais ele fazia da vida eu não sei. só sei que frequentemente eu mandaria uma mensagem pra ele ou ele mandaria uma mensagem pra mim e a gente combinaria de encontrar perto do showroom. ele estaria sempre de camisa social branca e a gente sentaria em um bar e ele pediria uma caipirinha e depois nós voltaríamos pro apartamento pra transar, ouvir música e fumar uns. esse roteiro se repetiu até o último dia e eu passei minha última noite em paris com ele. pouco depois a marca de ternos faliu, ele se mudou de paris e a gente de vez em quando ainda se fala. ele vivia me falando que viria pro brasil mas nunca mais veio. ou veio e não me contou, não sei.

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Dalila Coelho
falo de amor

jornalista independente tentando registrar umas histórias