não era amor, mas isso não quer dizer que era cilada

se relacionar sem expectativas românticas é uma experiência gostosa demais

Dalila Coelho
falo de amor
5 min readApr 27, 2020

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sim, eu to 100% escolhendo fotos aleatórias da minha galeria pra postar aqui

acho que uma das coisas mais legais que aprendi nos últimos anos foi a me relacionar sem criar expectativa romântica. foi algo que me pegou de surpresa, mesmo, porque enquanto adolescente extremamente apaixonada, não achava que seria possível me envolver com alguém por quem eu não estivesse muito afim. até que um dia eu me vi saindo direto com um menino que não era nada meu tipo, e que eu sabia que a relação não ia dar em nada e que dali a algumas semanas a gente nunca mais iria se ver, mas que isso não nos impedia de partilhar bons momentos sem precisar criar nenhuma expectativa sobre o que aquela relação viraria.

foi uma das pessoas mais distintas com quem eu já saí, do tipo que não tem nada de semelhante comigo e que nunca na minha vida eu imaginaria que iria conhecer, mas que me deixou o bom aprendizado de que eu não preciso acreditar no futuro da relação para poder ter uma troca significativa com alguém. tivemos vários dates fofos, compartilhamos histórias de vida, fotos de família e questões de outros relacionamentos, sem que a noção da falta de perspectiva do que a gente estava vivendo pusesse algum remorso na experiência, deixando só a memória carinhosa de algo que foi o que cabia ser.

essa história já tem uns seis anos (e eu pretendo contar melhor ela e outras aqui, tô preparando o texto, só tô com vergonha…), e de lá pra cá vivi outras relações bem interessantes no mesmo estilo. pra escrever esse texto tenho outras três em mente: a que vivi durante o intercâmbio e que tinha data pra acabar, uma experiência que tive de não-monogamia e um rolê que tive por meses com um cara que tem pensamentos muito semelhantes aos meus quanto ao amor e as relações. nesses três casos, estava claro que nenhum de nós dois tinha interesse em ter um relacionamento sério e romântico e duradouro com o outro, mas que isso não nos impedia de sair, tomar umas cervejas e dormir juntos com alguma frequência.

e uma vez que o amor romântico é tirado da mesa, ele abre espaço pra uma relação tão boa! é muito interessante como a troca passa a ser mais honesta, madura, prática, simples e bem-resolvida quando não há a expectativa de que o que a gente tem vá escalar pra um namoro. são momentos que a gente divide porque realmente quer estar com aquela pessoa, e não porque tem o compromisso-meio-obrigação de sair com ela com uma frequência considerável pra poder construir algo, porque na verdade não há nada a ser construído. você fica livre da pressão de ter que surpreender, agradar e seduzir a pessoa pra mantê-la por perto, porque sabe que a relação pode durar enquanto o formato for sustentável pros dois. e nisso eu percebi que, nesse tipo de envolvimento, não importa o que essa pessoa faz quando não está comigo, não importa as outras relações que ela tenha, não importa que essa relação não vá a lugar nenhum, porque eu gosto dela exatamente desse jeito. eu só quero aproveitar aquele momento com aquela pessoa, estar realmente presente ali, e depois ir embora e continuar vivendo a minha vida, sem ter que estar em contato o tempo todo, porque eu também tenho a minha vida individual e também tenho outras relações que não importam àquela pessoa.

mas pra que eu consiga viver isso, viver essa leveza toda — que pode até parecer forjada — , é essencial que a pessoa não seja meu tipo, e que ela também não tenha nenhuma expectativa maior sobre mim. é essencial que seja só uma pessoa muito legal que queira dar uns rolês, trocar uma ideia, transar um pouco, e não uma pessoa pra quem eu olhe e veja tudo que eu sempre quis — porque talvez não é isso que essa pessoa esteja disposta a me dar. e o que eu quero dizer com isso é que esses são caras que eu gosto muito enquanto pessoas, mas que não correspondem ao que eu projeto como ideal romântico, seja na personalidade, profissão, gostos, estilo de vida, rolês, princípios… são pessoas por quem eu tenho atração física, tenho uma ótima química, mas não gostaria de ter um relacionamento sério, porque não sinto que a gente combina a esse nível. mas nem por isso elas precisam ser descartadas, porque nem tudo precisa ser romântico e nem todo relacionamento precisa chegar a algum lugar. e aí é preciso que ambos tenham essa compreensão e esse desprendimento pra que a balança não pese muito pra nenhum dos lados.

e foi muito massa aprender a me relacionar com pessoas que não me despertam uma vontade de ter algo sério, porque eu vi que é possível partilhar momentos muito ricos com alguém mesmo sem a expectativa romântica. por mais que sejam relacionamentos que existam essencialmente pelo sexo, a troca vai muito além disso. são pessoas com quem eu tenho conversas profundas, são pessoas que eu às vezes quero encontrar só pra almoçar ou pra tomar uma cerveja e botar o papo em dia, são pessoas por quem eu nutro um carinho enorme e quero saber sobre como está a vida, o trabalho, a família, os projetos, os amores, mesmo sem ter a obrigação de participar ativamente da vida um do outro. e o que eu acho de mais interessante e valioso e fofo e marcante nessas relações é conseguir conversar abertamente sobre a vida amorosa e as outras relações sem que isso cause ciúmes ou ressentimento, porque nós dois estamos cientes de que cada um tem sua vida e que tá tudo bem.

mas isso tudo não quer dizer que eu me livrei dos ideais românticos. essa é só uma forma possível de se relacionar e que eu tenho tido mais facilidade pra manter nos últimos tempos, justamente por ser uma posição muito mais confortável, porque ao tirar o amor romântico da mesa você também tira a possibilidade de se colocar vulnerável diante do outro. mas eu tenho sim muita vontade de ter algo mais profundo e significativo com alguém, de encontrar um parceiro que me desperte o desejo de construir algo juntos, mas sei o quanto que, pra mim, é raro encontrar alguém que me cause isso e que esteja na mesma vibe. mas também não tenho mais essa ansiedade de estar na busca eterna e querer sempre investir num relacionamento com alguém, porque percebi que eu tenho a vida toda pela frente pra me relacionar de diferentes formas com várias pessoas, e por enquanto tenho tido essas trocas significativas que não perdem seu valor por não serem românticas.

e vamos aos avisos finais, que nem na missa: tem um texto muito legal sobre a escada rolante dos relacionamentos que abriu muito a minha cabeça pra entender que as relações não precisam seguir o percurso linear que é esperado pra elas, e eu indico muito a leitura. e a outra coisa é que eu tô usando o curiouscat pra conseguir dialogar com pessoas que leem meus textos e querem trocar ideia sobre algo mas não querem se expor. pode aproveitar também pra me sugerir temas que você gostaria de ler por aqui :)

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Dalila Coelho
falo de amor

jornalista independente tentando registrar umas histórias