A cidade de Tumarine

Júnior Pires
Falo Sempre
Published in
3 min readApr 7, 2016

Meu nome de batismo é José Dorival da Silva Cunha mas sou conhecido como Dodô. Apelido esse que me acompanha desde a infância, quando eu ainda andava descalço pelas ruas do alto e do baixo da égua (os dois únicos bairros da cidade). A diferença é que agora tem um ‘Seu’ na frente, Seu Dodô. Com 83 Janeiros e alguns fios de cabelo que não me abandonaram, gozo de uma vida sossegada aqui em Tumarine.

Tumarine é uma cidadezinha do interior de Pernambuco. Nunca ouviu falar? Normal, ela não está no mapa. Não por falta de insistência do atual prefeito, Dr. Ramiro, mas por falta de credulidade das pessoas. Muitos questionam a existência da cidade. Parte por culpa das estradas que tem no caminho para chegar até aqui. Se não souber qual a certa volta-se para o ponto de partida. O por quê disso? Meu avô me contava que era para ludibriar lampião e seu bando. E dizia ter dado certo.

Meu último emprego, pelo qual me aposentei, foi como tabelião da cidade, dado que o último havia enlouquecido. No entanto já fui vendedor de picolé, assistente de médico, vigia de cemitério, adestrador de galinhas, pintor de meio-fio, entre outras coisas. Após ter vivido tanto e por não ter mais o que fazer mesmo, decidi escrever tudo que vi e ouvi durante essa vida. Todas as coisas que merecem ser contadas que aconteceram comigo e com outros aqui em Tumarine. E como primeira história, acho justo, já que o mencionei logo acima, contar o que aconteceu com o pobre Josué, o antigo tabelião.

Josué era um homem calmo, integro, sempre pontual no seu trabalho. Todos os dias abria o cartório as sete da manhã e o fechava às seis da tarde. O trabalho sempre fora tranquilo, pouca coisa tinha que fazer, quando tinha o que fazer. Era o tradicional cotidiano de um funcionário público tumariano. E ele gostava disso.

Em um dia, que parecia normal como todos os outros, Josué caminhava em direção ao cartório para cumprir o seu dever público, mas ao chegar à esquina, próximo a padaria de Seu Gusmão, pôde avistar uma fila quilométrica à porta do seu trabalho. Chegando mais perto, todos se dirigiram a ele.

- O que se passa aqui? — questionou o tabelião.

Logo ficou sabendo do ocorrido. Inusitadamente, todas as mulheres grávidas de Tumarine deram a luz naquele dia. Sim. Isso mesmo. Todas elas. Até mesmo aquelas que estavam com sete ou oito meses haviam dado a luz. O por quê era um mistério. Os mais velhos diziam que era por causa de um vento herdado que passou pela cidade.

Vento herdado, segundo o conhecimento popular tumariano, era um vento que havia sobrado de uma grande ventania e tinha o poder de causar algo coletivo, seja bom ou ruim. O fato é que, com ou sem vento herdado, tinha acontecido.

Parteiras de todas as cidades da região foram chamadas. Foi o maior crescimento populacional já visto em Tumarine. Mas qual o motivo da fila? Calma que já estou chegando lá.

Aquela enorme fila foi formada porque os pais dos recém-nascidos queriam registrar os filhos. O que logo começou a ser feito. Josés, marias, joaquinas, joãos e outros nomes iam enchendo os livros do cartório. Josué tentava fazer os registros o mais rápido que podia. Nunca tinha trabalhado tanto na vida. Após algumas horas já começara a errar, trocar e até a abreviar nomes. João virava Jão, Maria Joaquina virava Marina, até um Paulo virou Paula, dada as pressas do homem em escrever logo e parar de escutar as reclamações dos pais sobre a demora.

Quando já chegava perto do meio-dia o tabelião já não escrevia coisa com coisa. Aliás, esse é o motivo de ter tantos nomes estranhos em Tumarine. A coitada da Corujina que o diga.

Em um momento parecia que nem o português sabia mais. Se levantou e falou algo como: lá no guenture maria! E saiu correndo do cartório, sendo encontrado horas depois embaixo de um pé de juá batendo palmas. Depois disso nunca mais foi o mesmo, falando numa língua estranha que criara. Foi aí que tive a oportunidade de ficar no lugar dele. Mas isso já é outra história.

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