As mil e uma confraternizações

Júnior Pires
Falo Sempre
Published in
3 min readDec 13, 2019

- Oi, Sthefanie.

- Oi, amiga.

- O que houve? Estais pálida. Sente-se aí. Quer um copo d’água?

Sthefanie, que acabara de chegar, senta-se no sofá e coloca as mãos no cabelo, enquanto Sheilane traz água.

- Não, não dá. Esse final de ano está louco.

- O que houve?

- Pode parecer absurdo, mas são as confraternizações.

Sheilane a olha com uma expressão confusa.

- São muitas confraternizações. Do trabalho, do cursinho, do prédio, da academia, dos amigos do ensino médio…

- Mas isso não é bom? Se confraternizar, festejar com os amigos…

- No início sim, mas a coisa começou a tomar outras proporções. Qualquer grupo é motivo de confraternização: o pessoal da padaria, os que ficam na fila do banco, os que curtem determinada foto no Instagram…

- Estais brincando… — Sheilane ri, como se a amiga estivesse falando uma piada.

- Para você ter uma ideia, eu estava num elevador esses dias e falaram de fazer uma festinha com o pessoal que pega o elevador as 7h. Para mim aquilo foi demais. Assim que o elevador abriu eu corri. Agora estou evitando qualquer aglomerado de pessoas.

Ao perceber que Sthefanie não estava rindo, Sheilane fica séria e presta mais atenção a narrativa da amiga.

- Isso é o que aconteceu comigo, mas tem casos piores. Meu vizinho está desaparecido dentro de uma confraternização.

- Como assim?

- A festa já dura 10 dias. No segundo dia meu vizinho desapareceu lá dentro.

- 10 dias?

- Isso. Algumas pessoas até dizem que o veem, mas que ele acabou de ir pegar uma bebida, que foi ao banheiro. A família teve que acionar a polícia.

- E aí?

- Os dois policiais enviados também estão desaparecidos na festa faz 4 dias.

Sheilane não consegue esconder sua cara de espanto.

- Uma amiga minha, não sei se tu lembra de Larissa.

- Larissa? Sim, sim, lembro.

- Entrou em uma confraternização aqui no Brasil e quando se deu conta estava em uma na Argentina.

Agora é Sheilane que está tomando um copo d’água.

- Ela disse que foi andando na festa, andando e em certo momento começou a perceber que o pessoal estava falando em espanhol. Até achou que era alguma temática da festa e começou a falar em espanhol também, mas aí viu uma pintura de Maradona na parede e percebeu que algo estava errado. Foi uma confusão.

- Mas ela conseguiu voltar?

- Na verdade conheceu um argentino e pelo que vi já trocou o status para “em um relacionamento enrolado”.

As duas se olham e balançam as cabeças sincronizadamente enquanto exibem um meio sorriso.

- Esqueci de comprar o presente, amiga. — Sthefanie agora se levanta e começa a andar pela sala.

- Que presente?

- Esse é outro problema. É amigo secreto, amigo doce, amigo chocolate, amigo da onça, amigo R$1,99… E eu não conheço a maioria das pessoas que tirei. Vê só…

Sthefanie abre a bolsa e começa a tirar várias tiras de papel com nomes escritos.

- Clóvis do 101, Dona Amancia, Seu Zé da ratoeira… Quem são essas pessoas?! Eu não sei…

Fortes batidas ecoam pela casa. Parecem vir da porta.

- Elas me acharam!

Sthefanie puxa com força Sheilane, que estava indo em direção a porta, e a leva para atrás do sofá.

- Não abre, amiga. São elas.

- Elas quem?

- Duas senhorinhas do curso de biscuit. Está tendo a confraternização de lá agora e elas querem que eu vá.

- É só dizer que não vai. Que não quer ir. Pronto.

- Amiga, como você é ingênua. Não é assim que as coisas funcionam.

- Não se preocupe, aqui elas não entram.

Mais batidas. A cada batida parecia que a casa toda estava tremendo.

- Sthe, sei que você está aí. Você vai com a gente.

- Lembre-se que você ficou de levar o bolo pudim.

Nesse momento Sheilane olha com surpresa para a amiga.

- Você ficou de levar o bolo pudim e não vai?

Sheilane se levanta, atravessa a sala e abre a porta.

- Ela está atrás do sofá. Podem levar.

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