Fake news x Jornalismo: quem leva as eleições 2018?

Na era pós-digital, profissão segue responsável por mediar diálogo entre fato e sociedade

Famecos
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6 min readApr 19, 2018

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(Ilustração: Jéssica Michalski)

Por Amanda Caselli*

Uma transformação social começa a partir da clareza de informações. No meio disso, existe o jornalismo como responsável por mediar fato e cidadão. Em ano de eleições presidenciais, entender o papel da imprensa se mostra extremamente necessário, principalmente quando a atenção das pessoas é diariamente sugada pelas redes sociais — ambiente que favorece a proliferação de fake news. Nesse contexto difuso, é preciso cada vez mais a garantia de que os profissionais da área exerçam seu trabalho com clareza e ética. Uma vez que a credibilidade do jornalismo se encontra no centro da crise e as pessoas deixam de compreender sua importância, como ressaltar o valor e os impactos que a profissão traz em uma sociedade democrática?

Não é difícil perceber a insatisfação popular com determinadas imagens que a mídia passa atualmente — ou que sempre passou. A história do jornalismo no Brasil foi sempre composta por altos e baixos, com cicatrizes que deixam marcas até hoje. Um bom exemplo disso são as práticas de censura nos períodos sombrios da ditadura militar. Mas e hoje? É possível afirmar que existe imprensa sem partido? Todo jornalismo é, em princípio, político, de acordo com o jornalista e professor Luiz Antônio Araújo. Num sentido restrito, o jornalismo político é uma especialização da área. A crise econômico-financeira de 2008 inaugurou um período de instabilidade, mesmo em países estáveis, como Estados Unidos e Reino Unido. E isso acabou por colocar em xeque o discurso e a própria legitimidade da imprensa que possui um viés mais político, ainda de acordo com o professor. Ele comenta que, embora haja, historicamente, certa dificuldade na existência de um jornalismo livre, “não há saída para uma sociedade interessada em valorizar o debate e o esclarecimento público a não ser clamar pela mais ampla liberdade de imprensa”.

A opinião do professor Juremir Machado da Silva, que também atua no Correio do Povo e na Rádio Guaíba, é de que há sim a possibilidade de ser isento enquanto profissional da comunicação. No entanto, ele afirma que atitudes de determinados veículos acabam por comprometer a integridade jornalística, ao ocultar assuntos que seriam de utilidade pública, apenas por serem desinteressantes ao seu público-alvo. Ele questiona: “Eu não vi, nos grandes veículos, a notícia que a ministra Rosa Weber, 15 dias antes do habeas corpus do Lula, concedeu o recurso em uma decisão monocrática, com origem no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Por que isso não é tematizado? Seria defender o ex-presidente?”. Um jornalismo mais forte e crítico, que priorizava qualificar o debate público a partir de boas informações, era mais fácil de ser encontrado cerca de 30 anos atrás, como explica o professor e escritor Antônio Hohlfeldt. Para ele, o dever fundamental de um profissional da comunicação é interpretar — não se basear em achismos, mas mostrar o que pode acontecer — de modo que esclareça a notícia divulgada ao cidadão. E isso deve ser realizado sem que o jornalista tome uma posição sobre o fato — caso contrário, o mesmo tem a obrigação de deixar explícito que está opinando. “O jornalismo opinativo existe e é legítimo. O problema é esconder e não assumir [sua posição]. O leitor pode ter a opção de assinar um jornal que tenha uma linha política na qual ele concorde”, pontua. Entretanto, o professor menciona a tradição mundial histórica de uma mídia mais ligada a posições políticas e partidárias, fator que pode implicar no bom cumprimento do próprio dever na sociedade — a transparência ao informar.

A influência da internet nesse processo

É importante perceber a relação entre jornalismo e tecnologia, que sempre existiu. Assim como o telégrafo, o rádio e a TV, que foram vitais no processo de evolução da profissão ainda no século passado, a chegada da internet mudou drasticamente esse cenário. A possibilidade de múltiplas narrativas transforma cada vez mais o modo de fazer jornalismo — que, em consequência, é diariamente desafiado e procura se adaptar a tudo isso. Moreno Osório, jornalista e professor, explica que mesmo sendo caótica ao possibilitar diferentes tipos de crise, a internet traz consigo um leque de oportunidades e caminhos em todo o âmbito da comunicação. “Ela [internet] é responsável por desacomodar o jornalismo, e esse é o interessante. É assim que as coisas se modificam.”, pontua.

As redes sociais vieram como grandes ferramentas de aproximação com o leitor, com importante papel no desenvolvimento pessoal e profissional de milhares de pessoas — e fundamentais para o crescimento do conteúdo jornalístico no digital. Mas não apenas isso. Na mesma medida em que a rede serve como disseminadora de informação de qualidade, também abre espaço para a multiplicação de fake news, criadas com o intuito de atuarem como influenciadoras ideológicas. Quem nunca recebeu algo que chamou a atenção pela manchete, mas não era verdadeiro? Luiz Antônio Araújo afirma que o fenômeno não é um produto das redes sociais e existe há muito tempo. Como exemplo, ele cita o suposto afundamento de um navio de guerra americano em Cuba na Guerra Hispano-americana, publicado pelos jornais de William Randolph Hearst. A notícia era falsa e acabou provocando a invasão da ilha pelos Estados Unidos. “O primeiro terreno fértil para as fake news foram os jornais, muito antes do surgimento das redes sociais”, conclui.

Em tempos de eleição, essas publicações acabam ganhando maior número de visualizações, em função do sensacionalismo criado em cima das figuras políticas. O próprio Juremir Machado comenta que, de início, tomou o áudio divulgado durante o voo de Lula para Curitiba como uma notícia falsa, e esperou a repercussão para ter certeza de sua legitimidade. O que não se sabe é que por trás das fake news existe um universo muito maior — o campo da desinformação. Essa é a verdadeira crise. Ela é muito maior e desafia a capacidade do jornalismo enquanto comunicador de uma sociedade. O sensacionalismo e o jornalismo caça-cliques — manchetes exageradas ou que não se relacionam bem com o texto — formam um grande caldeirão de desinformação, ou informação pela metade. Moreno Osório explica que, por se tratar de um fenômeno muito recente no cotidiano social, a internet é perigosa e as pessoas ainda estão em processo de adaptação, sem entender muito bem as consequências do mau uso da ferramenta. Como exemplo, ele cita um dos problemas que a multiplicidade de narrativas disponíveis no digital acaba por trazer: como chegar a uma só verdade quando se pode contar várias ao mesmo tempo, ao alcance de todos? “Isso influencia nas notícias falsas e na ideia de somente uma verdade absoluta. Estamos falando de uma realidade que transcende o jornalismo e chega a ser filosófica”, comenta.

A educação e alfabetização midiática são um bom início para entender e saber diferenciar o que é falso daquilo que é verdadeiro, ainda de acordo com Osório. A partir da leitura do cenário em questão, desenvolver práticas que renovem a capacidade de se manter influente na construção de uma realidade e fazer com que as pessoas saibam o que acontece ao redor delas são dois pontos fundamentais para entender o que de fato é o jornalismo. “As pessoas precisam voltar a ver o jornalismo como uma ilha de credibilidade, ou ao menos compreender que é uma profissão formada de profissionais preparados com técnica e ética. É preciso entender que estamos em busca de uma verdade dentro desse mar de desinformação. Estamos agindo”, conclui.

Redes sociais são palco de problemas na época de eleições presidenciais, e isso propicia o aumento da responsabilidade da profissão perante a política. A busca e o detalhamento de informações disponíveis sobre os candidatos, junto com ideologias e o que cada um deles pode vir a fazer é essencial para que o cidadão seja capaz de escolher aquele com quem mais se identifique. O jornalismo existe para construir uma narrativa responsável por auxiliar no processo de formação da opinião social, ajudar a compreender o que acontece. Hohlfeldt ressalta: em momentos como esse, não se pode errar. “O indivíduo bem informado é quem ouve diferentes fontes e analisa as informações de cada um dos veículos. Então, o cidadão não pode fazer sozinho o que é função do jornalista, assim como o jornalismo não pode ter culpa de tudo”, finaliza.

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*Estudante do 5º semestre de Jornalismo e estagiária no Laboratório de Conteúdo da Escola de Comunicação, Artes e Design — Famecos da PUCRS

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Perfil da Escola de Comunicação, Artes e Design - Famecos da PUCRS. Alimentado pelos alunos do Laboratório de Conteúdo da instituição.