A/C VEÍCULOS DE IMPRENSA:

BORA DIVULGAR ESSES DADOS QUE VOCÊS UTILIZAM

Sérgio Spagnuolo
Farol Jornalismo
3 min readNov 3, 2015

--

O jornalismo baseado em dados chegou ao Brasil para ficar. Em reportagens, digamos, cotidianas as informações principais são frequentemente obtidas por meio de entrevistados, eventos ou até pela observação do repórter, e os dados assumem um papel importante, mas inicialmente complementar. Já no chamado data-driven journalism, ou “jornalismo orientado por dados”, os números assumem o lugar principal da apuração e da narrativa.

Um reconhecimento a isso pode ser visto em outubro após o Prêmio ExxonMobil de 2015 ter sido concedido à reportagem “A Farra do Fies”, do Estado de S. Paulo. Isso é bom para o jornalismo no geral, com o chamado jornalismo de dados sendo menos uma subcategoria e mais simplesmente jornalismo.

Mas com novas oportunidades aparecem novos problemas também. E, nesse caso, uma das mais urgentes questões é transparência.

Grandes veículos jornalísticos acostumaram-se ao padrão impresso de divulgação de suas fontes. Para eles, basta colocar no pé de cada infográfico o nome da fonte, de preferência pequeno. Isso é um comportamento já praticamente arcaico no mundo do jornalismo de dados digital.

Jornalistas precisam compreender o poder das referências em suas reportagens, e isso inclui divulgar tabelas utilizadas, dados brutos e links para fontes originais.

Há três motivos principais para isso:

  1. Outras pessoas, incluindo jornalistas e acadêmicos, podem querer utilizar esses dados;
  2. Na maioria das vezes, o jornalista não é o autor dos dados, mas um compilador que está extraindo sentido daquilo. Ou seja, os dados não seus;
  3. A possibilidade de que alguém vá checar seus dados brutos e ver a coerência das informações publicadas é um grande atributo de credibilidade para sua reportagem.

As empresas jornalísticas precisam entender que a inteligência do que eles fazem está no poder de extrair conhecimento dos dados, não meramente compilá-los.

Tome-se o exemplo do Estadão, que tem feito um exímio trabalho com dados. Mas em uma excelente reportagem publicada no começo de novembro, “Clima em Transformação”, o jornal não divulgou seus dados brutos nem linkou para fontes originais.

Em comparação, a Bloomberg fez uma reportagem semelhante onde não apenas divulgou uma extensa metodologia, como linkou para a fonte original e inclusive forneceu seus dados brutos tabelados.

O Volt Data Lab também fez dois (um e dois) projetos semelhantes e divulgou todos os dados utilizados, inclusive tabelados, além das fontes originais. (Disclaimer: o autor é editor do Volt)

Falei aqui de Estadão, mas sites de Folha, Globo, Valor Econômico, entre outros grandes portais de notícias, até os puramente online como G1, também têm sido tímidos em publicar seus dados e tabelas utilizados nas reportagens — pelo menos não de uma maneira transparente e de fácil acesso.

Isso muitas vezes é compreensível — afinal, dados tabelados podem ser confusos e particularmente organizados para a necessidade da reportagem, além de serem de certa forma uma propriedade intelectual da publicação. Editores mais tradicionais podem pensar: “eu pago o repórter para compilar informações, organizá-las e tirar sentido delas. Logo, eu me considero o dono daquelas informações.”

Uma alternativa seria pelo menos atribuir links para as fontes originais. Isso daria mais credibilidade ao trabalho e facilitaria a vida daqueles que querem utilizar os dados brutos para seus próprios fins.

Nos Estados Unidos, por exemplo, isso já vem acontecendo. O FiveThirtyEight tem um repositório repleto com seus dados, e extensivamente utiliza links (inclusive os que levam para outros websites) nos textos para respaldar suas análises. O mesmo faz o Guardian e o Upshot.

A ProPublica vai bem além e disponibiliza todo seu banco de dados para qualquer um. Eles fazem até a cortesia de divulgar uma newsletter com os dados deles. Há muito mais exemplos, claro.

Está na hora de a imprensa brasileira começar a divulgar mais abertamente suas fontes de informação para reportagens baseadas em dados, principalmente se essas fontes forem públicas. Divulgar dados abertamente pode gerar muitos ganhos não apenas para quem os utiliza (facilidade), mas também para quem os fornece (transparência).

--

--

Sérgio Spagnuolo
Farol Jornalismo

Jornalista, editor e fundador da agência de jornalismo Volt Data Lab (www.voltdata.info). Coordenador do Atlas da Notícia, uma iniciativa sobre jornalismo local