Academia + mercado: por que pesquisas aplicadas em Comunicação são úteis e necessárias

Taís Seibt
Farol Jornalismo
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4 min readNov 7, 2016
Reunião com a equipe do Portal Cultura, no Pará. Foto: Filipe Sanches

Pesquisas aplicadas em Comunicação são menos comuns do que deveriam. Na verdade, existe uma dupla resistência a esse tipo de pesquisa. No mercado, uma das primeiras frases que os neófitos escutam dos mais experientes na lida noticiosa diária é que “na prática, a teoria é outra”. Na academia, quando surge um estudo de caso mais interessado nas lógicas do metiê jornalístico onde ele de fato acontece, ou seja, numa Redação, não falta quem te olhe torto para interrogar sobre o “valor científico” de um trabalho desses.

Pois eu acredito que se conseguirmos transformar esses muros em pontes vai ser melhor para todo mundo, e é nessa busca que me encontro desde o mestrado. Na minha dissertação, defendida em 2014 na Unisinos, ensaiei uma pesquisa aplicada. Era um estudo de caso feito por uma pesquisadora “insider”: eu era repórter de Zero Hora e estava escrevendo uma dissertação sobre o processo de integração multimídia da redação.

No começo de 2012, quando eu começava meus estudos no mestrado, estávamos nos preparando para desmembrar a pequena ilha dos “chupa-cabras” — apelido carinhoso (?) dado por um dos repórteres mais premiados daquele jornal para os 20 e poucos coitados que alimentavam o site de zerohora.com com informações naquela época. Os caras do online eram vistos como uma categoria inferior de jornalistas. Os bons mesmo trabalhavam para o impresso, tinham o nome escrito em tinta sobre papel jornal diariamente, não se perdiam em manchetes que caducavam a cada meia hora.

Mas quando aquela ilha fosse implodida, chupa-cabras seriam espalhados por todas as editorias do jornal impresso e disseminariam seu modus operandi para os quase 200 jornalistas que ali habitavam, transformado todos eles, enfim, em super chupa-cabras, capazes de produzir, editar e publicar conteúdo jornalístico no papel, no digital, no que vier.

Eu estava diante de um movimento digno de estudo, algo que estava em processo e que poderia ter sua evolução descrita (e problematizada) por uma testemunha privilegiada. Robert Park, o cara que definia o sociólogo como um “super-repórter” no início do século XX, dizia que a redação era o seu laboratório. Fiz dela o meu também. Enfrentei muitos dilemas (éticos e metodológicos), tentei superá-los da forma mais justa e fiz questão de descrevê-los com honestidade no texto final.

Estação das Docas — Foto: Hallel/WikimediaCommons

Na semana passada, a dissertação orientada pelo querido professor Ronaldo Henn, defendida em 2014, com o título “Redação integrada: a experiência do jornal Zero Hora no processo de convergência jornalística”, me levou até Belém, a cidade dos aromas do mercado Ver o Peso, da charmosa Estação das Docas (ah, como eu queria que o Cais do Porto fosse assim!), da cachaça de Jambu que faz o lábio tremer, do guaraná Garoto, do sorvete de açaí com cupuaçu e de tantas outras delícias.

Estive na capital do Pará a convite da equipe do projeto Cultura 3.0 — Redação Integrada Multimídia, que está cuidando de integrar as redações da rádio, da TV e do Portal Cultura, no intuito de melhorar a presença digital do grupo de comunicação paraense. Os jornalistas Antonio Carlos Pimentel Pinto Junior, Regina de Fátima Mendonça Alves e Filipe Alves Sanches, que capitaneiam o projeto, com aval da presidente da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), Adelaide Oliveira, me fizeram ir de um extremo a outro do país para compartilhar experiências do processo de integração multimídia em Zero Hora que pudessem inspirar a equipe da Rede Cultura.

Tudo começou com um contato no Facebook: era um deles me dizendo que teve acesso ao trabalho. Ali se iniciava uma negociação que culminaria na visita técnica realizada na semana passada, ainda irá gerar um relatório técnico e, quem sabe, mais algum artigo acadêmico.

É muito interessante (e gratificante, é preciso dizer) ver o trabalho ultrapassar fronteiras tanto acadêmicas quanto geográficas a ponto de servir como inspiração para um grupo de comunicação de outro extremo do país numa dimensão prática da pesquisa, algo que nem sempre acontece em nossa área.

Embora outras reformulações tenham ocorrido na redação após o encerramento da minha pesquisa, o estudo daquele período tem valor como registro de uma experiência, tanto que está sendo tomado agora como referência lá no Norte. Aquela pesquisa, que deu luz para algumas mudanças num determinado período em uma determinada redação, está fazendo bem para que outra redação também possa se repensar. Não parece útil e necessário olhar mais para o que está acontecendo nos nossos laboratórios, como já dizia Park?

Na véspera de embarcar para Belém, estive de volta à Uni, a convite da simpática professora Maria Clara Aquino Bittencourt, para falar da mesma pesquisa — e fazer as mesmas provocações — aos colegas de pós-graduação. O momento, para o jornalismo, é de transformação, disso já sabemos de cor e estamos até ficando repetitivos. O que nos falta saber com mais clareza é quais são os rumos dessa transformação. Não vejo momento melhor para essa aproximação do mercado com a academia (e vice-versa).

Redações de todos os tamanhos e de todos os tipos de administração (pública, privada, colaborativa) vão ter que passar pelo processo de digitalização — ou integração multimídia. Novas iniciativas jornalísticas surgem a todo instante, com base forte no digital. Laboratórios não faltam. Talvez nos falte olhar com mais atenção para esses espaços como lugar de produção científica em comunicação.

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Taís Seibt
Farol Jornalismo

Jornalista diplomada, doutora em comunicação, amadora de vôlei e cantora nas horas vagas