Afinal, blogueiro é jornalista?

Taís Seibt
Farol Jornalismo
Published in
4 min readMar 23, 2017
Eduardo Guimarães (Foto: Facebook/Blog da Cidadania)

Mandados de busca e apreensão e condução coercitiva expedidos pelo juiz Sérgio Moro contra o blogueiro Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania, repercutiram em entidades representativas de jornalistas ao longo da semana. Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outros órgãos divulgaram notas de repúdio à medida, classificando-a como censura e manifestando preocupação com a quebra do sigilo da fonte, prerrogativa constitucional dos jornalistas.

Então, blogueiro é jornalista? Ou só pode ser considerado jornalista quem tem diploma?

Veja como está difícil responder essas perguntas hoje em dia. Tenho sérias dúvidas quanto à resposta certa. O caso do blogueiro Eduardo Guimarães ajuda a pensar. Polícia Federal e Ministério Público recorreram a Moro porque Guimarães teria antecipado informações sigilosas da Operação Lava-Jato em março do ano passado, quando o ex-presidente Lula foi alvo da Operação Alethea. O blogueiro clama pelo direito ao sigilo da fonte e recebe apoio de entidades representativas de jornalistas. A Justiça Federal alega que ele não tem essa prerrogativa, porque não é jornalista.

Nessa disputa de argumentos, há discursos interessantes. Para a Justiça, o site de Guimarães é uma plataforma de propaganda política. Eduardo Guimarães publica comentários políticos alinhados à esquerda no Blog da Cidadania desde 2010 e foi candidato a vereador em São Paulo pelo PCdoB em 2016. Se considerarmos o princípio clássico da “imparcialidade” jornalística, pode-se dizer que o que Guimarães faz no blog não é jornalismo.

A Abraji argumenta que não cabe à Justiça Federal definir quem é e quem não é jornalista, e está coberta de razão. Mas veja só o que diz a Abraji:

“Não há dúvidas de que uma das atividades de Eduardo Guimarães é a manutenção de seu blog, por meio do qual realiza análises políticas desde 2010, uma atividade jornalística. Divulgar o que sabe é não apenas um direito de Guimarães, como um dever.”

Logo, para ser considerado jornalista, basta que uma das atividades do cidadão seja publicar análises e comentários na internet?

Difícil essa. Eu tendo a discordar que um blog como o de Guimarães seja considerado jornalístico e discordo mais ainda que basta ser um publicador habitual para ser considerado jornalista.

Tenho me alinhado às proposições dos pesquisadores canadenses Jean Charron e Jean de Bonville para desenvolver meus estudos no doutorado. Para eles, “não são as suas condições de trabalho, sua organização profissional, sua ideologia, etc., que distinguem o jornalismo de outras profissões ou atividades, mas sua função, que consiste em produzir uma certa categoria de mensagens de interesse público”.

Charron e De Bonville fazem uma historiografia social da imprensa para elaborar o que eles chamam de “paradigmas jornalísticos”, que, sinteticamente, representariam o conjunto de regras reconhecidas pela comunidade jornalística como fundamento de sua prática. Desde o século XVII, passamos pelos paradigmas do jornalismo de transmissão (ligado aos primeiros impressores), do jornalismo de opinião (a imprensa partidária do século XVIII e XIX), do jornalismo de informação (a imprensa comercial que se desenvolveu no século XIX e se firmou no século XX) e do jornalismo de comunicação (característico da hiperconcorrência de informações, mídias e mensagens na virada para o século XXI).

Nesse percurso, os pesquisadores canadenses, assim como eu, estão menos preocupados em definir a “comunidade jornalística” pela formação universitária ou pelo vínculo institucional que venham a ter os jornalistas (onde eles trabalham/publicam). A eles interessa mais saber se o que esses jornalistas produzem corresponde às expectativas da comunidade no contexto sócio-histórico a que se circunscreve (os paradigmas).

Pode haver diplomados menos jornalistas do que outros. Pode haver mais Jornalismo com Jota maiúsculo num blog do que na grande mídia.

Não estou generalizando nem uma coisa nem outra, são possibilidades. A grande questão é que, na perspectiva dos paradigmas, em última análise, quem definiria quem é e quem não é jornalista seria a sociedade. É preciso entender, então, o que a sociedade contemporânea espera dos jornalistas.

Essa é uma caminhada difícil, até porque, ainda que a gente chegue a alguma conclusão sobre quais seriam “as regras do jogo” para o exercício do jornalismo, será impossível conter a circulação de mensagens concorrentes. Num mundo desses, em que tudo pode ser compartilhado e todos podem compartilhar, a educação para a mídia deve vir de berço.

Minha mãe já dizia que toda liberdade traz consigo responsabilidade. Vale para liberdade de expressão. Nesses tempos em que ela é exacerbada, todo mundo, não só jornalista, precisa ter responsabilidade. Veio nessa linha a recomendação da ONU sobre fake news uns dias atrás. Não dá para simplesmente banir, porque isso seria censura. É preciso disseminar valores para um uso responsável e ético da liberdade de se expressar. Bem, e espera-se também responsabilidade e ética dos que pretendem fazer Justiça neste país.

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Taís Seibt
Farol Jornalismo

Jornalista diplomada, doutora em comunicação, amadora de vôlei e cantora nas horas vagas