Cobertura do impeachment mostra relevância de novas iniciativas jornalísticas brasileiras

Sim, existe empreendedorismo de qualidade no jornalismo do país. Desafio ainda é a sustentabilidade dos modelos de negócio

Giuliander Carpes
Farol Jornalismo
4 min readApr 22, 2016

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No dia 7 de novembro de 2014, quase um ano e meio atrás, publiquei um texto cujo título era uma provocação: “Existe empreendedorismo no jornalismo brasileiro?”, perguntei. A ideia era comparar o incipiente cenário brasileiro de novas iniciativas jornalísticas com o panorama da pequena mas bem movimentada Holanda — onde eu morava e estudava há alguns meses e onde há ótimas startups relacionadas à indústria das notícias.

Muita gente me procurou para discutir a questão a partir daquele texto – um sinal de que já havia quem estivesse afim de empreender. A maioria concordava que ainda se precisava avançar muito no empreendedorismo jornalístico brasileiro. Mas o tempo passou e já há alguns meses eu queria escrever uma nova versão daquele texto. Por quê? Hoje a resposta àquela pergunta é bem diferente.

Não só já existe bastante empreendedorismo no jornalismo brasileiro — um levantamento recente da Agência Pública não me deixa mentir. A cobertura do impeachment mostrou que muitas dessas novas iniciativas ganharam muita relevância em pouco tempo. Principalmente para quem não quer mais se estressar com a sempre tão questionada parcialidade da mídia de referência e está cansado daquelas notinhas de bastidores que os especialistas chamam de “jornalismo declaratório” e eu chamo de fofoca mesmo.

As edições de domingo e segunda-feira da newsletter do jornal Nexo vieram completíssimas, com uma série de reportagens explicativas, vídeos e gráficos que deixavam qualquer ávido leitor buscando contexto totalmente satisfeito. Os gráficos do link abaixo, particularmente, são coisa muito fina.

A agência Lupa fez um live-tweeting da votação do impeachment na Câmara. A diferença para os outros que cobriram o evento pelo Twitter? Ao mesmo tempo em que cada deputado federal subia ao palanque para votar, a agência postava um tuíte com as ocorrências judiciais do dito cujo. Muitos paladinos da moralidade e da guerra à corrupção foram desmascarados ali, na hora, para os seguidores da Lupa – o que não aconteceu nos meios de comunicação mainstream é muito menos na TV, que em geral se limitou a transmitir os votos sem tecer muitos comentários enquanto eles ocorriam.

Desde que o processo de impeachment foi iniciado na Câmara, o Aos Fatos também vem realizando checagens de tudo o que é dito e não dito no Congresso Nacional em relação a essa treta toda. Cada lado quer fazer valer um discurso, seja ele verdade ou não. É preciso separar o joio do trigo.

Confesso que, mesmo sendo por princípios contrário ao impeachment, fiquei balançado com a reportagem abaixo. O uso das pedaladas fiscais no governo Dilma atingiu patamares nunca antes nem imaginados. Essa quantidade exorbitante de pedaladas configura crime de responsabilidade? Ao pedalar desse jeito e esconder a situação da economia em meio a uma eleição, Dilma não agiu deliberadamente para enganar o eleitor? Infelizmente o debate sobre o teor do pedido de impeachment não foi muito longe dentro da Câmara até aqui.

O próximo passo: se sustentar

Material de primeiríssima qualidade publicaram essas novas iniciativas do jornalismo brasileiro, não? Provavelmente outras que eu nem conheço ou pelo menos não sigo tão de perto também publicaram coisas legais nos últimos tempos. Há muito o que comemorar. E também existem alguns pontos de interrogação, claro —o que é absolutamente normal nesse estágio de empreendedorismo no jornalismo em que estamos.

Tenho amigos jornalistas que são obcecados por investigar, outros por explicar, há aqueles que estão mais preocupados com o texto, e ainda gente que cuida dos dados, das visualizações, da tecnologia em torno da coisa toda como se fosse um filho. Minha obsessão há dois anos é encontrar modelos de negócio sustentáveis. Por mais relevante que seja uma iniciativa, ela não se sustenta se não obtiver receita/recursos.

Os exemplos citados aqui e tantos outros lançados recentemente ainda precisam passar por esse teste de médio e longo prazo. O bom é que estão surgindo modelos de negócio (ou de receita) cada vez mais claros. Os novos empreendedores do jornalismo brasileiro não têm mais vergonha de buscar financiamento para suas iniciativas do próprio leitor — embora ainda estejam em geral fornecendo conteúdo gratuito.

Essas três que deram show durante a cobertura do impeachment já têm fontes de receita bem definidas:

  • O Nexo foi lançado no final de novembro do ano passado. Inicialmente, todo o conteúdo que publica é aberto — o objetivo é construir uma audiência. Mas o modelo de receita é baseado em assinaturas, que já podem ser feitas, inclusive. Resta saber quando o jornal digital vai se considerar pronto para apertar o botãozinho para limitar seu conteúdo a não assinantes.
  • A Lupa está incubada na editora Alvinegra, responsável pela publicação da revista Piauí, e deve permanecer assim pelos próximos três anos — o investimento é do publisher João Moreira Salles, mas há total independência editorial entre as duas publicações. Nesse período, a Lupa pretende alcançar a sustentabilidade a partir da venda de checagens para outros meios de comunicação (já fizeram isso para a Globo News, por exemplo).
  • O Aos Fatos realizou um crowdfunding recentemente em que arrecadou cerca de R$ 30 mil para dar o pontapé inicial da iniciativa, digamos assim. A expectativa da fundadora Tai Nalon é fazer crowdfundings semelhantes anualmente. Além deles, o financiamento será por parcerias editoriais (como já fizeram com o UOL) e aportes de fundações e iniciativa privada.

São tempos interessantes para o jornalismo independente brasileiro, não? Agora é torcer para que essas e outras iniciativas não só continuem fornecendo conteúdo jornalístico de qualidade e inovando em suas coberturas como também consigam fazer as fontes de receita sustentar os projetos.

Se você lembrar de alguma iniciativa com um modelo de negócio inovador, por favor, comente esse texto. Vou ter prazer em discuti-la.

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