Está na hora de o jornalismo fazer o que sempre evitou: falar com o seu leitor

Alisson Coelho
Farol Jornalismo
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2 min readNov 17, 2015

Não foram poucas as vezes que vi jornalistas desdenharem do contato com os leitores da publicação onde trabalham. Turba, ombudsman de Facebook, são algumas das formas nada carinhosas que muitos utilizam para se referir a leitores com um posicionamento crítico em relação ao trabalho do profissional.

Jornalista gosta de leitor em três momentos (e aqui leitor é aquele que lê o mundo, termo genérico para substituir aquela coisa estranha conceitualmente que é o “receptor”). Gosta quando ele apenas lê e fica quieto (a recepção). Gosta quando ele é fonte e contribui com informações. E gosta (muito mesmo) quando o leitor elogia, porque na cabeça de alguns essas são as atribuições do público — consumir, ser fonte, elogiar.

E não estou falando de profissionais da “velha guarda” não. Estou falando de gente jovem, que passa o dia nas redes, mas que não entendeu o básico: o ecossistema midiático mudou, e isso inclui a relação entre jornalismo e sociedade.

Muitos dos grandes jornais baseiam sua ideia de público a partir de um perfil dos seus assinantes. Idade, profissão, e renda são considerados para pensar no público que diariamente receberá o produto do trabalho das redações. É basicamente o que fazem as marcas na hora de criar seus produtos: buscam algum dado sobre o público-alvo e tentam direcionar seus esforços na ideia de desenvolver algo que seja consumido pelo maior número de pessoas, mas que atenda as necessidades de quem é mais propenso a procurar por aquele produto ou serviço.

O problema do jornalismo — na verdade eu não considero isso um problema, e sim uma baita oportunidade, mas vamos manter a palavra — é que no mundo de hoje presumir um leitor é tão eficaz quanto armazenar dados em um disquete. Durante a minha pesquisa de mestrado, defendida em março desse ano da (des)graça de 2015, passei por quatro jornais brasileiros para entender de que forma a crítica desses leitores era tratada (ou não tratada) nas redações. Estive, pela ordem, em O Globo, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e Zero Hora.

Do que pude perceber através de entrevistas e observação das rotinas de produção dos jornais, nenhuma redação é imune ao zumbido das redes. Os jornais já têm equipes para monitorar esses feedbacks, mas o uso que se faz desse contato ainda é restrito. E notei algo que de certa forma me chateia como repórter. O dar de ombros à opinião dos leitores é, em muitas vezes, uma opção dos profissionais da redação, e não diretriz instituída pela empresa. É um problema cultural dos próprios jornalistas.

Obviamente que ninguém gosta de ser criticado. No entanto, o jornalismo passa por aceleradas transformações e já não existe a escolha de ignorar o que diz a sociedade sobre o que fazemos.

PS: Zero Hora anunciou no último final de semana que estava enviando (com atraso) uma equipe para Mariana (MG). Deixou claro que fazia isso depois de muitos questionamentos dos leitores. Ponto (mais um) para os ombudsmen de Facebook.

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Alisson Coelho
Farol Jornalismo

Jornalista, escritor, pesquisador e professor de Comunicação