Facebook e “que ano é hoje”

O que significam para o jornalismo as mudanças na plataforma anunciadas em janeiro por Mark Zuckerberg

Marcela Donini
Farol Jornalismo
4 min readFeb 6, 2018

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“Há agora uma expectativa, em geral, por parte dos publishers de que as plataformas vão mudar, e que eles não serão necessariamente informados sobre como elas vão mudar”, disse Emily Bell, diretora do Tow Center for Digital Journalism da Columbia University. “Isso ressalta como o domínio sobre usuário é uma tensão central entre produtores de notícias e plataformas”.

As mudanças afetarão todos os tipos de conteúdo publicados por editores, incluindo links, vídeos, vídeos ao vivo e fotos. O Facebook disse que espera uma queda no alcance e no tráfego para publishers cuja audiência vem principalmente de suas páginas na rede social.”

Diferentemente do que pode parecer, o trecho desta matéria do NYT não é de janeiro de 2018, mas de junho de 2016. Vocês certamente viram o anúncio de Mark, no mês passado, sobre o Facebook priorizar posts de amigos e familiares e escantear as notícias. Resgatei esse anúncio de 2016 pra lembrá-los de que não é a primeira vez que ele faz isso (o anúncio foi tema da NFJ#98). Os contextos, no entanto, mudaram: o anúncio de 2016 era pré-eleição de Trump, e pouco se falava no efeito das informações falsas que circulavam no Facebook. Em 2018, como já escreveram por aí Jeff Jarvis e outros, Mark parece querer se livrar 1. da responsabilidade de ser um dos maiores distribuidores de notícias do planeta, em geral e 2. do problema “fake news”, em específico. Como? “Jogando a criança fora com a água do banho”.

Este texto da Margot Pavan para o Valor traz outros links relevantes com a repercussão deste anúncio e de outro que veio na sequência, sobre classificar os veículos quanto à sua credibilidade. Recomendo que leiam toda a matéria, que faz uma boa leitura do cenário todo.

Quero comentar brevemente o texto de Jarvis antes de indicar outra leitura sobre a mudança no Facebook. O professor defende que há oportunidades de produzir um jornalismo conversacional e compartilhável — inclusive ele diz que há planos de criar um curso na CUNY sobre isso. Aliás, Gabriela Zago, em nosso especial O jornalismo no Brasil em 2018, falou sobre investir em conteúdo compartilhável para furar as bolhas em que os veículos tendem a ficar presos por questões ideológicas.

Voltemos ao texto do Jarvis, que chegou a cunhar uma nova definição de jornalismo. Segundo o professor, a nossa missão, antes, era “ajudar comunidades a organizar seu conhecimento para melhor se organizarem”, uma definição baseada na informação. Agora nosso papel é “convocar as comunidades para uma conversa civil, informada e produtiva, reduzindo a polarização e criando confiança ao ajudar os cidadãos a encontrar um terreno comum em fatos e compreensão”.

Se os contextos mudaram entre um anúncio e outro de Mark, permanece a condição de empresa privada do Facebook, que visa lucros, não importa o quanto seu dono diga que se preocupa com o bem-estar dos usuários. Nesse sentido, este texto aqui, do jornalista britânico Adam Tinworth, resume bem, ponto a ponto, o que significa esse novo/velho movimento do gigante da tecnologia:

“Não podemos ganhar dinheiro a menos que você continue nos contando coisas sobre você que podemos vender aos anunciantes. Por favor, deixe de falar sobre notícias.”

É meio óbvio, vocês não acham? Assim como é evidente que derrubar o tráfego para os publishers é uma forma de forçá-los a pagar para promover seu conteúdo. Nós aqui do Farol nunca promovemos posts (à exceção de um lá no início da newsletter) e, nos últimos tempos, fomos assediados pelo Facebook para promover publicações, com notificações mais constantes, descontos, bônus etc. Da mesma forma, quem fica um tempo sem postar ou interage pouco na rede social sente o cerco de Mark, recebendo notificações e emails com novidades interessantíssimas como Fulana-que-você-não-vê-há-anos curtiu a foto do Ciclano-que-você-não-conhece.

Como dizem os autores citados até aqui, é bem provável que Mark queira se livrar da responsabilidade de lidar com o fenômeno das informações falsas ao complicar a vida de quem tem página na rede. Por outro lado, o tempo que os usuários passam na plataforma caiu, segundo outro anúncio da empresa, no último dia 31. E o que coloca os usuários em chamas no Facebook e faz as pessoas passarem horas interagindo, redigindo, curtindo e compartilhando textões? Fake news. O que mais? Posições extremadas. As duas coisas encontram terreno fértil quando a rede coloca nas mãos dos usuários um poder de decisão maior do que nas mãos dos veículos sobre o que será mais visto no feed.

“Ei, quem se importa com polarização? Para nós, é uma grande estratégia de monetização”, diz Tinworth.

E, assim, voltamos ao problema que começou lá em 2016, pré-eleição de Trump.

Este texto faz parte da edição #170 da Newsletter do Farol Jornalismo, enviada a seus assinantes no dia 2 de fevereiro. Assine e receba, toda sexta, uma coleção de links sobre jornalismo e tecnologia, entre outros temas afins. É de graça ;)

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Marcela Donini
Farol Jornalismo

Jornalista freelancer radicada em Porto Alegre, professora de jornalismo e fundadora do Farol Jornalismo.