Nexo Jornal reafirma a possibilidade do debate público

Primeiro veículo brasileiro a ganhar um prêmio da Online News Association privilegia fatos a opinião e consolida seu modelo de jornalismo explicativo

Marcela Donini
Farol Jornalismo
15 min readOct 12, 2017

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Redação do Nexo Jornal — Foto: Divulgação

Terça-feira, 24 de novembro de 2015. Finalmente, a redação colocaria à prova do público os quase três meses de trabalho em que apurou e redigiu reportagens em busca de sua identidade editorial. Mais de um ano depois de começar o planejamento do negócio, enfim, o Nexo Jornal estava no ar.

Um dia depois, o site que se propunha a dar contexto ao noticiário e inaugurar o jornalismo explicativo no Brasil era atropelado pelo hard news: Delcídio do Amaral (PT-MS) se tornava o primeiro senador em exercício a ser preso no país.

Conversei nesta quarta-feira com Paula Miraglia, cofundadora e diretora-geral do Nexo, sobre essa e outras “rasteiras” a que a redação sobreviveu até chegar ao momento atual de consagração da sua “abordagem inovadora para narrativas em textos curtos e longos, com uma experiência interativa e integrada, alta qualidade de seu jornalismo, e dedicação criativa para informar e encantar audiências em uma variedade de plataformas”. As aspas fazem parte do discurso que justificou o prêmio de excelência geral em jornalismo on-line na categoria pequenas redações da Online News Association (ONA). Há 17 edições, o Online Journalism Awards dá visibilidade ao melhor do jornalismo digital no mundo inteiro. O Nexo foi o primeiro veículo brasileiro a figurar entre os vencedores. A cerimônia ocorreu no último sábado, em Washington, nos EUA.

Como diz Paula, o prêmio aponta para o futuro. E o futuro começa por admitir que vivemos uma crise não só financeira. “Vivemos uma crise de credibilidade e de modelo editorial também. Se a gente diz que é só financeira, estamos dizendo que, se a publicidade voltasse a pagar o jornalismo, os jornais poderiam continuar fazendo tudo da maneira como sempre fizeram. E isso não é verdade, os leitores querem outras formulações editoriais. Creditar a crise do jornalismo exclusivamente à falta de dinheiro é não procurar se reinventar do ponto de vista editorial. E isso é muito limitador e pode comprometer o futuro do jornalismo.”

Nós do Farol Jornalismo, que acompanhamos o trabalho do Nexo desde o início, ficamos muito felizes com a notícia do prêmio. O papo com a Paula foi animador. Mostra como somos, nós brasileiros, capazes de reinventar a profissão e reafirmar a importância do jornalismo para o debate público. Quem já deu uma olhada nos comentários na página do Nexo do Facebook deve ter se surpreendido positivamente com o nível do debate, longe das farpas que predominam na maioria dos posts de qualquer notícia. Saibam que há um forte trabalho nos bastidores. A pequena redação multidisciplinar, que conta com 30 pessoas entre jornalistas, designers, desenvolvedores e outros profissionais, tem muito a nos ensinar.

Vamos começar pelo prêmio: o que ele representa para vocês e para o mercado brasileiro?

Paula Miraglia: O primeiro e mais evidente significado é o reconhecimento do nosso trabalho, das apostas que fizemos no nosso modelo editorial e de negócio, da ideia de um jornalismo exclusivamente digital que pudesse ser relevante e inovador. É um reconhecimento também de um trabalho coletivo. Conseguimos montar uma equipe supertalentosa, com formação variada e que hoje trabalha muito coletivamente. Isso é um ponto fundamental do que produzimos hoje. E é o tipo de reconhecimento que dá um gás extra pra seguir em frente.

E para o mercado de iniciativas independentes no Brasil? O prêmio é capaz de estimular outras iniciativas?

Espero que sim. Quando lançamos o Nexo, eu sempre refutava a ideia de ser mídia “alternativa”. Em primeiro lugar porque a ideia de ser alternativo significa que você constitui a sua identidade por oposição a alguém. Isso é muito pouco como ambição, ser só a negação de outro um veículo. A gente tinha uma ideia mais propositiva, uma proposta de modelo editorial. Uma das coisas que esse prêmio sublinha é que você pode ser hoje um veículo independente, exclusivamente digital, ser relevante e estar junto com players grandes do mercado. Isso é fundamental pra gente pensar o futuro do jornalismo, não só no Brasil mas no mundo. Pensar em como vai ser esse ecossistema do jornalismo no Brasil daqui pra frente. O prêmio aponta um pouco para o futuro. Somos uma redação pequena, 30 pessoas ao todo, não só jornalistas, produzindo um conteúdo reconhecido pelo nosso público, um conteúdo que tem valor, tem impacto, que contribui para o debate público. O que o prêmio aponta é que o ecossistema da mídia vai ser cada vez mais diversificado, o que eu acho extremamente positivo.

Ser alternativo significa que você constitui a sua identidade por oposição a alguém. Isso é muito pouco como ambição, ser só a negação de outro um veículo. A gente tinha uma proposta de modelo editorial.

A multidisciplinaridade da equipe é uma marca bem evidente do Nexo. Inclusive a tua formação não é em comunicação [Paula é cientista social e doutora em antropologia social]. Qual o maior desafio em fazer essas diversas áreas conversarem?

Quando estávamos desenhando o Nexo lá atrás, uma das leituras que fizemos foi o Innovation Report do New York Times. A gente não tem nada a ver com o New York Times, mas o relatório foi muito inspirador. Lembro quando li sobre como eles tinham mudado inclusive a disposição da redação. Levar os engenheiros para o interior da redação, pra eles, tinha uma função dupla: sinalizar pra equipe a relevância do digital — “isso aqui não é algo marginal do nosso negócio, isso hoje é o nosso negócio e esses caras vão sentar e trabalhar junto com os jornalistas” — e também criar as possibilidades pra que as pessoas efetivamente trabalhassem juntas. Isso sempre foi uma orientação desde o começo aqui.

Não é uma relação de balcão do tipo “eu escrevi meu texto e vou chegar pra Arte e dizer ‘vê o que você pode fazer em termos de design pra mim’”. A ideia é que a concepção seja efetivamente conjunta e não com cada um envolvido apenas em uma fase da execução.

Como isso se traduz no dia a dia? Em momentos como a nossa reunião de pauta coletiva, em que todo mundo participa. E a ideia não é que uma pessoa proponha a pauta e outra vá executar porque aquele é o talento dela… Ou que a pessoa da tecnologia venha a dizer “isso eu consigo desenvolver ou não”. Não é uma relação de balcão do tipo “eu escrevi meu texto e vou chegar pra Arte e dizer 'vê o que você pode fazer em termos de design pra mim'”. A ideia é que a concepção seja efetivamente conjunta e não com cada um envolvido apenas em uma fase da execução. Estamos num momento hoje superinteressante em que já temos formatos consolidados que permitem que qualquer pessoa na redação, qualquer pessoa mesmo, possa produzir um conteúdo. Um exemplo recente: nosso o editor de Arte produziu um quiz. Ele poderia ter apenas sugerido a pauta pela afinidade com o tema — era sobre identificar a paleta de cores de uma obra de arte. Mas ele fez. Por quê? Por um lado porque a gente tem esse modelo em que todo mundo pode propor e executar pautas, que, claro, contam com a edição de um editor. Mas também porque, do ponto de vista da tecnologia e do desenvolvimento, a gente tem uma ferramenta pronta de quiz e já discutiu editorialmente o que é um quiz. Ele tem que ter informação, ter a resposta correta, as erradas, a pessoa tem que passar pela experiência do teste e aprender alguma coisa. Não é só diversão, é uma ferramenta de informação. Também criamos recentemente nosso próprio manual de redação, isso é chave para que a gente possa ter os nossos princípios jornalísticos compartilhados com toda equipe. É uma mistura das inovações que a gente tem por ser um jornal digital com um apego muito grande aos princípios fundamentais do jornalismo.

Por ser um veículo inovador no mercado brasileiro, imagino que, desde o lançamento do Nexo, vocês tenham sido surpreendidos em diferentes aspectos. Houve ajustes na rota?

A gente muda o tempo todo. Você ser pequeno e ter começado do zero te coloca milhares de desafios, mas tem muitas vantagens também. Ficamos quase três meses com a redação inteira funcionando sem publicar nada, sem o Nexo estar no ar. Foi um período superdifícil, as pessoas estavam loucas (risos)! Elas trabalhavam num projeto em que não podiam falar o nome, nem o que era. E trabalhavam e trabalhavam e a coisa nunca ia pro ar (risos). Foi desafiador, mas muito importante. Foi o momento em que a gente encontrou a nossa voz. A gente editava, tinha mil retornos coletivos, foi o momento de pactuar o nosso modelo, “a gente faz desse jeito, a gente escreve assim”. Não tínhamos antecipado ficar quase três meses funcionando dessa maneira mas foi superimportante.

Nessa fase, então, os repórteres chegavam a entrevistar as fontes mas não podiam dizer pra que veículo era?

Exatamente (risos). A gente teve diferentes fases de dificuldade. Primeiro era: “oi, a gente tá trabalhando para um projeto novo de jornalismo mas eu não posso te falar o nome.” Depois era “oi, eu trabalho pro Nexo, um projeto que acabou de ser lançado”, o que também não ajudava muito em termos de acesso às fontes (risos). Hoje a vida está mais fácil. A gente lançou o site no início da crise política que estamos vendo hoje. O Delcídio do Amaral foi preso no dia seguinte, no final de novembro. O que aconteceu? A gente, que estava se propondo a ser um jornal de explicação, que não é hard news, se viu em um momento em que o Brasil inteiro queria notícia quente. A gente tomou muitas rasteiras. Eu lembro do dia em que o Lula ia ser ministro. Qual a entrada que a gente encontrou pra essa história? Explicar quais as implicações do Lula ser ministro. Começamos a trabalhar na nossa notícia e, três horas depois, o Gilmar Mendes já tinha impedido que ele fosse ministro. Daí derruba a pauta! Só que não temos uma redação de 100 pessoas, cada conteúdo que a gente produz é muito importante pra nossa grade. A gente teve que aprender a ir atrás da pauta certa para o nosso formato e como controlar o nosso desejo de estar atualizado com a realidade do país, que mudava a cada cinco minutos. As pessoas não podiam entrar na home do Nexo e achar que estávamos totalmente desconectados do que estava acontecendo.

A gente teve que aprender a ir atrás da pauta certa para o nosso formato e como controlar o nosso desejo de estar atualizado com a realidade do país, que mudava a cada cinco minutos.

Hoje estamos mais confortáveis nesse lugar. O último episódio nesse sentido foi a delação da JBS. Você entrava nos portais dos jornais e encontrava 15 links possíveis. Notícias grandes e notícias pequenas. A gente tinha duas. Isso mostra a radicalidade do nosso modelo. Obviamente esses jornais têm 15 possibilidades de cliques, contra duas do nosso lado. Em termos de audiência, muda tudo. Mas a pergunta que a gente faz é o que faz uma pessoa assinar um jornal? Quinze links, com algumas notas irrelevantes, ou dois conteúdos muitos bons, que explicam o que está acontecendo e organizam a informação? Nossa aposta é nessa equação que não está focada tanto na quantidade mas na qualidade de um conteúdo que faz com que as pessoas se disponham a pagar por ele.

O que faz uma pessoa assinar um jornal? Quinze links, com algumas notas irrelevantes, ou dois conteúdos muitos bons, que explicam o que está acontecendo e organizam a informação?

Nesses quase dois anos, aprendemos a trabalhar com esse dia a dia que demanda notícias quentes. Do ponto de vista do negócio, estamos sempre repensando e inovando. Há três meses passamos por uma reestruturação da redação, do nosso jeito de trabalhar, com as mesmas pessoas. Coisas que você vai aprendendo conforme vai trabalhando. Começamos importando muitas coisas das redações tradicionais, porque era o que existia como referência. E aos poucos a gente foi se livrando delas, criando o nosso jeito de fazer. Por exemplo, não temos reunião de pauta diária, a gente decide a pauta de outras maneiras. Não tem plantões aos finais de semana na redação, tem plantão remoto, com uma pessoa monitorando as notícias e publicando.

Como são essas outras formas de decidir as pautas?

Varia de acordo com a natureza da cobertura. Alguns núcleos têm reunião de pauta, como os gráficos. A gente planeja muita coisa, mas, claro que, às vezes, o planejamento é atropelado por coisas mais interessantes do dia a dia. Mas a gente tem que planejar porque tem coisas que fazemos com complexidade maior. É importante que a gente tenha tempo pra fazer pesquisa, pra estar seguro dos dados, trazer evidências pro leitor. E, no caso dos materiais interativos, tempo pro desenvolvimento e arte. Pensamos mês a mês as coisas maiores. Em se tratando das notícias, estamos o tempo todo mapeando e trocando entre os núcleos, pra avaliar o que vale a pena, qual é a notícia que permite ter uma entrada do nosso jeito, explicar do nosso jeito. Mesmo que a gente saia com uma notícia no dia seguinte, tentamos trazer algo de novo pro leitor. A avaliação é constante, ficamos trocando pautas via Slack.

Falando ainda sobre essa rotina de vocês: qual a média de materiais publicadas por dia ou mês?

Temos uma grade de publicação com alguns publicações fixas. São três gráficos por semana, e um por mês do que chamamos de “Especialzão”, um ou dois podcasts por semana. Em média, são 12 conteúdos por dia.

E a audiência, vocês podem abrir esses números?

A gente não abre esses números, nem de audiência nem de assinantes. Obviamente somos guiados pela audiência, é um dado superimportante, monitoramos isso, mas não exclusivamente. Como não temos publicidade, a ideia não é ter um clique acima de tudo. A gente quer um conteúdo capaz de aproximar o leitor do Nexo, de fazer com que ele crie uma identidade com o jornal e tenha vontade de assiná-lo. Um conteúdo capaz de converter. A gente é muito feliz quando tem uma boa audiência, e ela vem crescendo de maneira consistente desde que a gente foi lançado. Mas não é o único elemento pra avaliar o desempenho do que estamos produzindo. O engajamento é outro elemento superimportante. Como as pessoas comentam, debatem, o tipo de debate que o nosso conteúdo gera é outro indicador enorme da qualidade do nosso material.

Como não temos publicidade, a ideia não é ter um clique acima de tudo. A gente quer um conteúdo capaz de aproximar o leitor do Nexo, de fazer com que ele crie uma identidade com o jornal e tenha vontade de assiná-lo.

Esse monitoramento do debate, por exemplo, é feito em rede social? Sei que vocês fazem parte do Impacto.jor, que tem outros recursos pra medir esse impacto. Já estão usando a ferramenta? Tem algum resultado?

Não temos resultado ainda pra divulgar. Temos um acompanhamento estreito das redes sociais. Temos os nossos termos e condições no Facebook, por exemplo. Se alguém, por conta da nossa seleção de palavras, tem seu comentário automaticamente ocultado pelo Facebook, a gente conversa com a pessoa e explica “olha, seu comentário foi ocultado por causa dessa palavra e a gente quer manter um debate amigável. Se quiser, reformule seu comentário”.

E como é a reação das pessoas?

Obviamente tem caso de gente que fala “então me esquece!”, “vou deixar de seguir essa página”, e tem que direcione aquelas mesmas palavras a gente (risos). Mas a ampla maioria fala “desculpa, estava de cabeça quente, vou refazer”, “que bom que vocês estão me dizendo isso, de fato temos que preservar o espaço do debate”. Isso dá um trabalho absurdo e obviamente tem a ver com a escala que temos hoje. Eu realmente não sei até quando a gente vai conseguir fazer isso. De maneira geral, as pessoas se comunicam muito com a gente, e respondemos tudo, erro, crítica, elogio. Quando alguém aponta um erro sem razão, explicamos que não há erro e informamos a nossa fonte.

Vocês têm traçado o perfil do público?

Temos dois públicos. Um que lê o Nexo como algo a mais. Lê jornal, consome jornais de maneira tradicional e o Nexo como complemento, um público mais velho. Mas nosso maior público é jovem, que já não consome jornais como a gente consumia, de abrir e ler caderno por caderno. Às vezes nem lê jornal e se informa sobretudo pelo Nexo. E é um público do Brasil inteiro. Vivemos um momento no país de aumento de jovens com acesso ao ensino superior. Temos discussões extremamente sofisticadas. As pessoas têm opinião sobre o futuro do país, elas querem se escutadas. São esses jovens que estão lendo o Nexo, compartilhando e discutindo. Começamos muito concentrados em Rio e São Paulo e hoje temos uma audiência em todo o país.

Vivemos um momento no país de aumento de jovens com acesso ao ensino superior. Temos discussões extremamente sofisticadas, as pessoas têm opinião sobre o futuro do país, elas querem se escutadas. São esses jovens que estão lendo o Nexo, compartilhando e discutindo.

A pergunta que todo mundo se faz nesse mercado em crise: o Nexo se paga hoje? A receita de vocês é só por assinantes? É esse o plano?

A gente ainda não se paga, mas isso está dentro do nosso plano de negócios. Inclusive estamos melhor do que tínhamos antecipado originalmente. Uma das fontes de receita são as assinaturas. Tínhamos assinantes antes mesmo de colocar o paywall no site e, desde então, elas vêm crescendo de maneira consistente. Temos outras fontes que começamos agora a colocar em prática. Vamos lançar ainda trabalhos na área de educação, como cursos do Nexo. Temos também um tipo de assinatura por pacote.

Como funcionam?

Por exemplo, uma assinatura de uma escola. Os nossos conteúdos têm uma vocação muito grande pra sala de aula. Acabamos de lançar uma campanha pra preparação pro Enem. É um bot [no Facebook], e esses conteúdos estão abertos durante esse mês de preparação e está um sucesso. Muitos professores usam nossos conteúdos.

Eu mesma uso muito.

Que legal! Que ótimo!

Lembro de usar na disciplina de Jornalismo de Dados, na ESPM-Sul, onde dou aula, aquele material interativo sobre as médias salariais no Brasil. A ideia era fazer os alunos compararem o piso do jornalista, que eles sempre acham muito baixo — e é — , mas que, ao lado de outros salários, muda a nossa perspectiva.

Esse conteúdo fala muito do nosso modelo editorial. Porque pega um tema fundamental para o país — que é a desigualdade da distribuição da renda — faz com que você pense sobre isso a partir de uma perspectiva individual — porque você coloca o seu salário — e te dá referências pra pensar o resto — quando você compara com deputado, policial, professor. Ele foi um hit, derrubou o site.

Derrubou mesmo?

Derrubou! Foi nosso primeiro hit, e derrubou o site (risos).

Voltando à nossa estratégia de receita, ela é diversificada, não está só nas assinaturas individuais. Somos diferentes dos jornais tradicionais, em que há a separação entre o editorial e o comercial. Porque o comercial tratava sobretudo de vender publicidade, e, de fato, publicidade não pode estar associada ao editorial. Hoje, acho até que alguns jornais estão sendo menos rigorosos com isso. Você tem toda uma parte de branded content que, às vezes, é muito pouco sinalizada e se mistura com o conteúdo editorial. Isso é ruim para os jornais e para o jornalismo porque você pode abalar a sua credibilidade. Como não temos publicidade, os nossos modelos editorial e de negócio foram pensados conjuntamente.

Não significa que o seu negócio vá interferir no editorial. Significa que as duas coisas juntas vão viabilizar o jornal.

Ser um jornal de explicação cujos conteúdos não perdem o valor no dia seguinte é fundamental para que a gente possa ser um jornal por assinatura. Não dá pra não pensar no fato de que ser uma redação enxuta é fundamental pra que um dia a gente possa se pagar. Só que ser uma redação enxuta e poder produzir o que produz, a gente tem que ter um modelo de produção muito especifico. Então o tempo todo essas duas coisas estão conversando. Não significa que o seu negócio vá interferir no editorial. Significa que as duas coisas juntas vão viabilizar o jornal.

Para encerrar, eu te pergunto: com tantas mudanças que acompanhamos, de crise de modelo de negócio e de credibilidade, num contexto brasileiro de polarizações, qual a missão hoje do jornalismo e como o Nexo contribui para essa missão?

A gente quer se consolidar como um lugar que reafirma a possibilidade do debate. Estamos num momento no Brasil em que parece que a ideia de debater foi sequestrada. Você não tem interesse em ouvir uma opinião diferente da sua, não acha que pode aprender nada com uma perspectiva diferente da sua.

Queremos afirmar que o debate não só é possível, mas é essencial. A ideia de escutar, considerar o interlocutor legítimo. Nossa missão é contribuir para o debate público, com informação qualificada, com muita evidência.

Nós aqui temos como elemento central uma ideia de equilíbrio, de apresentar diferentes perspectivas. Queremos afirmar que o debate não só é possível, mas é essencial. A ideia de escutar, considerar o interlocutor legítimo. Nossa missão é contribuir para o debate público, com informação qualificada, com muita evidência. A academia tem essa expressão, “baseado em evidências”, e a formação de políticas públicas também importou. A gente pensa num jornalismo baseado em evidências. Por exemplo, publicamos uma entrevista sobre cotas, um assunto extremamente politizado, que nem sempre é discutido com informação suficiente. Publicamos a entrevista com o pesquisador linkando o paper dele pra quem quisesse os dados e como ele mostra que o sistema de cotas funciona. Mais do que dizer se a gente acha que funciona ou não, nosso papel é mostrar como e por quê. É contribuir para o debate trazendo informação de qualidade, evidências. É papel essencial do jornalismo contribuir para que o debate seja baseado em informação, saudável, e que possa ser produtivo.

Já que estamos falando muito da questão da evidência, aproveito para mais uma pergunta, sobre os colunistas, cujos textos são de natureza opinativa. Como vocês escolhem esses autores?

Tínhamos um princípio de não ter muitos colunistas justamente porque uma das manifestações de crise do jornalismo foi a substituição da notícia pela opinião. Queríamos poucos para inclusive valorizar os que temos e também para manter forte a nossa identidade de um jornal de explicação. Procuramos pessoas que possam trazer perspectivas variadas para o nosso leitor. A ideia é não é ter um de direita e outro de esquerda. A gente pensa na expertise da pessoa, na sua trajetória. A gente quer ter inclinações políticas variadas, mas não simplesmente opostas. O objetivo é apresentar diversidade pra nossa audiência.

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Marcela Donini
Farol Jornalismo

Jornalista freelancer radicada em Porto Alegre, professora de jornalismo e fundadora do Farol Jornalismo.