O Nexo pode realmente dar certo — se as pessoas pagarem para ver

Um ano após seu lançamento, o jornal online conquistou audiência, mas precisa mostrar seu valor para leitores, continuar distante de ativismo e parar de obliterar nossos planos de dados

Sérgio Spagnuolo
Farol Jornalismo
16 min readNov 24, 2016

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Por Sérgio Spagnuolo, editor do Volt Data Lab
Twitter — @sergiospagnuolo

Logo oficial do Nexo

O Nexo vem sendo um empreendimento no jornalismo brasileiro bastante interessante de se observar. Lançado sem muito alarde no fim do ano passado com uma equipe enxuta, porém eficiente, fez uma boa promoção nas redes sociais e na criação da marca e dispõe de um conteúdo diverso e consistente.

Mas o projeto me desperta curiosidade por outros motivos. É um dos poucos novos sites jornalísticos brasileiros que produzem conteúdo diariamente e que, ao mesmo tempo, não defendem uma pauta ou agenda específica, no que se costuma chamar de “jornalismo ativista”. Além disso, aposta em um modelo de negócios difícil para pequenos empreendimentos, o de assinaturas individuais — o que diminui ou elimina a dependência de publicidade e de outras formas de geração de receita tais como "publicidade nativa" ou links patrocinados, e aumenta a independência do conteúdo.

Embora ultimamente bem sucedido para grandes jornais numa certa escala, esse modelo ainda é difícil de se sustentar no Brasil. Em meio a tanta informação gratuita, como fazer assinantes individuais assimilarem o valor que conteúdo realmente independente e de qualidade possui?

Talvez marcas já conhecidas, como as dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo, possam ter mais sucesso nessa área com bastante esforço, mas, para um empreendimento novo e de abrangência editorial geral, é algo realmente difícil. O site de grandes reportagens Brio tentou, mas foi obrigado a repensar a estratégia. O site de notícias jurídicas Jota tem conseguido, mas com ajuda de outras fontes de receita.

Por isso, eu quis fazer uma análise sobre o Nexo. O conteúdo é bem explicativo, balanceado e os projetos interativos e de dados (minha área de preferência) são muito bem executados.

Mas seria isso suficiente para fazer a diferença e sustentar o negócio? Estaria o Nexo dando certo agora, neste minuto? Quais as possibilidades para o futuro desse projeto?

Eu quis olhar para isso do ponto de vista dos dados, não do que eu pessoalmente acredito.

Vale ressaltar com muita veemência que todos os dados aqui considerados são baseados em estimativas, ou minhas ou de empresas de monitoramento de audiência, e não em números reais do Nexo — até porque não tenho acesso a essas informações. Assim, os dados aqui servem para se ter um ponto de comparação para uma análise racional do modelo de negócios, não para refletir a realidade financeira ou operacional da empresa.

A análise está dividida em cinco tópicos:

  1. Custos vs assinaturas
  2. Concorrência
  3. Tráfego
  4. CMS (sistema de gerenciamento de conteúdo)
  5. Potencial

Custos vs Assinaturas

O Nexo possui uma equipe de 32 pessoas, contando com os três fundadores. Considerando que o site ainda é novo e só em setembro fechou seu paywall, assim executando seu modelo de negócios de assinaturas e efetivamente gerando receita, vamos considerar que os fundadores ainda não estão tirando nenhum rendimento do negócio (ver nota 1).

No jornalismo digital, profissionais são disparado o maior custo, já que não há despesa com impressão, distribuição, concessão de frequência, equipamentos muitos caros etc. Há o custo de coisas como escritório, servidores e ações de marketing, por exemplo, mas no final acabam sendo bem menores perto do custo com profissionais.

Utilizando dados sobre o piso de São Paulo para uma jornada de trabalho de 7 horas por dia em jornais, que é de R$ 4.350 mensais, é possível estimar mais ou menos um valor de custo fixo com pessoal, atribuindo um multiplicador salarial por cargo, numa escala de 0 a 3. Assim, conseguimos aplicar pesos diferentes para cargos diferentes, já que um estagiário ganha significativamente menos do que um editor. Estagiário têm peso de 0,3; assistentes, de 0,5; redatores, peso 1; desenvolvedor, 2; editores, peso 3 (mesmo de um coordenador). Fundadores, que são também os diretores, têm salário zero nesta análise.

Eu apliquei o multiplicador para os cargos de forma arbitrária, baseando-se no que eu pessoalmente conheço dentro das redações. É bem possível que eu esteja subestimando o salário de alguns e superestimando o de outros, mas o que vale é o resultado final. E, claro, também tenha em mente que nem todo mundo deve ter o mesmo salário. Mas é um começo.

Somando-se todos os salários estimados (R$ 197.925) mais um acréscimo de 68% de encargos considerando que todos são registrados em carteira (CLT), temos um custo total de R$ 332.514 ao mês apenas com custo de pessoal. É um número bastante elevado (ver nota 2).

Chama de assinatura do Nexo

Adicionemos a isso outros custos, como espaço físico, materiais de escritório, computadores e servidores, marketing e certos custos genéricos. Podemos colocar mais uns R$ 20 mil nessa conta, elevando o total para cerca de R$ 350 mil ao mês.

Levando em consideração o valor da assinatura mensal cobrada, de R$ 12/mês, seriam necessários, grosso modo, cerca de 30 mil assinantes apenas para pagar as contas, sem contar nenhum lucro, nem salário dos fundadores nem o fato de que o assinante pode optar pelo pagamento anual dos serviços (a R$ 120/ano), o que lhe renderia dois meses de desconto.

É uma tarefa muito difícil, mas não impossível, como veremos abaixo.

Para olhar os dados de audiência do Nexo, utilizei o Alexa, da Amazon, e o Similarweb, duas ferramentas de medição de audiência online bastante utilizadas no mercado. A primeira dá uma boa ideia qualitativa da audiência, enquanto a segunda fornece uma estimativa grosseira quantitativa, de pageviews. Nota: Alexa também fornece dados de pageviews, mas o plano de assinaturas para isso é muito caro.

Concorrência

Não existe um comparativo para o Nexo no Brasil. O site jornalístico não tem inclinação política declarada, não defende uma pauta de ativismo, não pertence nem tem parceria com nenhum grande grupo de mídia e tem uma cobertura geral, em vez de atuação focada em certa área de concentração, como muitos tipos de empreendimentos que surgiram ultimamente.

No entanto, de acordo com dados da Alexa, a audiência do Nexo tem muita confluência com sites notoriamente ligados ao ativismo de esquerda, como DCM, Pragmatismo Político e Brasil 247. Veja a tabela abaixo:

Fonte: Alexa

Quanto maior a pontuação de sobreposição (overlap), mais existe audiência em comum. Até o site de um partido político aparece na lista.

No entanto, considero inadequada a comparação entre o Nexo e esses veículos. Creio que possam dividir a mesma audiência, claro, mas certamente o conteúdo não é nada similar (ver nota 3). O Nexo se vale menos de opinião e convicções rígidas e mais de jornalismo baseado em apuração factual e dados, e adota uma abordagem isenta — termo que, por algum motivo espúrio, tem ganhado tom pejorativo, mas que para mim significa ouvir e tentar entender diferentes lados, não apenas um, independentemente do seu ponto de vista — enquanto os sites dessa lista, com a exceção do satírico Sensacionalista, são essencialmente veículos com um viés ideológico, por qualquer motivo que seja.

Vale notar que o Vox, talvez a principal referência internacional do Nexo no modelo do “jornalismo explicativo”, tem claramente se alinhado aos Democratas (no que poderia ser a esquerda) nos EUA — talvez para se identificar mais com seu público-alvo principal, formado principalmente por jovens progressistas.

Também considero forçado, embora mais adequado, comparar o Nexo com os três grandes jornais brasileiros — Folha, Estadão e Globo — por conta da escala muito maior desses veículos, da proposta mais abrangente de cobertura, do modelo de negócios híbridos, do tamanho da redação e também do desenvolvimento da marca.

Assim, fica difícil traçar um paralelo entre o Nexo e qualquer outro veículo brasileiro de mídia. Talvez por isso seja um empreendimento bastante único atualmente no país.

Tráfego

O Nexo subiu seu paywall no começo de setembro, mas o tráfego no site parece não ter oscilado muito, segundo estimativas do Similarweb.

Fonte: Similarweb

Embora esse possa ser um dado positivo — manter o tráfego ao mesmo tempo em que se aplica a cobrança por conteúdo — , o modelo adotado pelo Nexo não permite a rentabilização imediata de boa parte dessa audiência.

O Nexo vale-se do chamado “paywall poroso”, o qual permite ao usuário acessar um certo número de URLs antes de o bloqueio acontecer. No caso do Nexo, cinco URLs. Em outras palavras, potenciais assinantes do Nexo seriam aqueles que entram no site mais de cinco vezes por mês.

Segundo o Alexa, cada usuário gera 1,43 pageview por dia. Se considerarmos uma audiência média mensal de 1 milhão de visitas totais nos últimos seis meses, utilizando as estimativas grosseiras do Similarweb, podemos dividir esse valor por 1,43 e ainda cortar pela metade (ver nota 4) para termos uma ideia de visitantes únicos — algo em torno de 350 mil por mês. Nada mal, lembrando que o Nexo precisa de cerca de 30 mil assinantes para pagar suas contas.

Mas esses unique visitors podem acessar 5 URLs mensalmente (a partir do qual o acesso esbarra no paywall). Multiplicando 5 por 350 mil, grosso modo teremos 1,75 milhão de pageviews potenciais totais antes do fechamento do paywall para todos os visitantes únicos em certo mês.

Como a estimativa atual é de apenas 1 milhão/mês, a atual audiência coloca o Nexo num “déficit” de 750 mil pageviews mensalmente. Claro, haverá usuários que entram uma única vez e outros que entram mais, e são esses os potenciais assinantes. Mas, frente aos números de referência, o potencial imediato de assinantes ainda parece baixo neste momento.

Vamos supor que o Nexo tivesse uma paywall rígida, que exigisse assinatura logo no primeiro acesso.

Se aplicarmos ao Brasil dados do Digital News Report 2016, do Reuters Institute for the Study of Journalism, onde estima-se que 11% da população urbana pague por notícias online de maneira recorrente, e que todos os 350 mil visitantes únicos do Nexo em certo mês são pessoas diferentes, temos um potencial imediato de 38,5 mil assinantes. Margem apertada, não?

Dados do Reuters Institute for the Study of Journalism sobre pagamento de notícias online no Brasil. Fonte: Digital News Report 2016

Constatando que o veículo saiu de zero para 1 milhão de pageviews em questão de um ano, não parece um gap muito absurdo nem impossível de ser fechado, mas é um desafio mesmo assim.

CMS

Falar de sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS) é sempre arriscado. As preferências variam muito, as prioridades, os métodos e os custos também. Mas uma coisa teria de estar clara hoje em dia e não está: acesso à Internet não é de graça, nem ilimitado em mobile.

Nesse sentido, considero que haja alguns problemas pontuais com o site do Nexo, como demora pra carregar, excesso de elementos na página (especialmente no footer) e pesada dependência em javascript (contei 17 tags de scripts só na home) por parte do CMS — o sistema de gerenciamento de conteúdo.

O Nexo usa uma ferramenta chamada Escenic como CMS, que nada mais é do que uma solução de "prateleira", ou seja, exceto pelos estilos, o código principal e as funções são padronizados. O jornal britânico The Telegraph chegou a usar o Escenic. Não tenho nada contra esse tipo de solução, inclusive a parte institucional do meu site, o Volt, é feita em Squarespace, embora a parte editorial seja publicada em Jekyll, pra priorizar o desempenho.

Soluções de "prateleira" são úteis para que o foco de um produto de notícias seja no conteúdo, não na tecnologia. A empresa de mídia compra o produto, customiza para suas necessidades e segue a vida.

No entanto, para criar um mesmo CMS que possa ser utilizado por várias organizações, é necessário utilizar muito código e adicionar muitos recursos e plugins, e daí se cria o que é chamado de funcionalidade "modular". Para aqueles cuja prioridade é não perder tempo com tecnologia, é uma beleza, mas para quem prioriza desempenho e simplicidade, é um desafio.

Assim, empresas de CMS de "prateleira" acrescentam um monte de recursos, principalmente (mas não apenas) de javascript, como sliders, interatividade, blocos maleáveis de conteúdo, e diversas outras coisas. Facilita a publicação de conteúdo, mas peca no desempenho.

Não me leve a mal, eu adoro javascript e sua infinita utilidade, mas sua excessiva utilização significa mais lentidão e mais MBs de download. Por exemplo, o CMS do Nexo usa um arquivo gigante com quase 30 mil linhas de código que "puxa" os diversos recursos de javascript que o CMS oferece, mesmo que você não utilize. Isso facilita na hora de resgatar todos esses recursos para uma reportagem (afinal, você só precisa de um link no seu HTML), mas também torna as páginas mais pesadas, porque todas, ou quase todas, vão ter um link para esse arquivo gigante que você vai ter que baixar.

Some os scripts ao banco de dados do CMS, às imagens e a alguns estilos bastante elaborados, e você tem um obliterador do seu plano de dados móveis. Para se ter uma ideia, algumas páginas possuem mais de 8MB, o que facilmente pode ajudar a acabar com sua franquia de dados caso você seja um usuário frequente lendo no celular. Sem contar a demora.

Vários CMS têm esse problema. Pode não parecer, mas esse é um grande problema que muitos veículos de mídia ignoram na hora de escolher um CMS: a capacidade de download de seu usuário. Isso afeta não apenas o tempo de carregamento de uma página, mas pode inclusive ajudar a definir se um usuário vai acessar ou não aquele conteúdo. Quem nunca desistiu de ver notícia porque estava demorando para carregar? Este foi um dos motivos pelos quais o Facebook criou o Instant Articles.

Fonte: Alexa

O lado positivo no site do Nexo, no entanto, pode parecer quase imperceptível, mas é extremamente bem-vindo. Abrigado nos servidores da Amazon, o site conta com acesso em protocolo https para navegação de notícias. Isso confere sutil melhor desempenho e troca segura de informações entre o servidor de quem acessa o site e o deles, garantindo privacidade. Conheço poucos sites de notícia no Brasil que usam https para navegação entre URLs de conteúdo.

O site também é perfeitamente responsivo e o layout funciona bem em mobile, sem necessitar habilitar um site totalmente diferente em outro domínio para dispositivos móveis (decisão que eu considero infinitamente ruim), como faz a Folha. A responsividade abrange, inclusive, a variação dos elementos gráficos, do conteúdo. Ou seja, quando utilizado celular, um gráfico vai se adaptar à sua tela, e não apenas se redimensionar.

Em linhas gerais, o CMS cumpre sua função de entregar bem o conteúdo, mas, no geral, não parece que o Nexo quer se destacar no desempenho dessa entrega para usuários em celulares. Já que eu não vejo o Nexo se focando em tecnologia e melhorando seu CMS, talvez seja o caso considerar pelo menos utilizar o Instant Articles.

Potencial

O Nexo ainda é um empreendimento jovem, ainda no seu primeiro ano. Não é esperado que empresas de mídia — ou que qualquer start-up, no geral — comecem a ser rentáveis logo de cara. É também talvez um dos poucos veículos nacionais com volume razoável de publicação diária, de capital independente e sem viés ideológico na produção editorial.

Na minha opinião, o Nexo é bom para o jornalismo brasileiro. Mas o site precisa ser capaz de transmitir isso e conquistar mais audiência— não apenas conceitualmente, mas também efetivamente vender seu produto para leitores interessados.

Considero que os esforços de marketing em mídias sociais têm tido resultado nesse primeiro ano, mas ainda um pouco aquém do necessário. O Nexo atualmente tem mais de 220 mil seguidores no Facebook, cerca de 130 mil no Twitter e 5,7 mil no YouTube (um canal bem mais difícil de conquistar seguidores), números bons para um empreendimento jovem, mas que poderiam gerar mais engajamento e, consequentemente, assinaturas, caso fossem maiores, já que quase dois terços de todo tráfego do Nexo vem das redes sociais, segundo dados do Alexa. (Parágrafo atualizado para corrigir informação, trata-se quase dois terços, e não um terço)

Veja abaixo uma comparação com os grandes jornais online com paywall em termos de aquisição de leitores.

Fonte: Alexa

Trata-se de uma questão de costume e reputação. Folha, Estadão e Globo possuem uma aquisição maior através de suas homepages, e seus leitores navegam mais dentro dos sites. Vale notar que a Folha, por algum motivo, utiliza diversas URLs para seu site principal (folha.uol.com.br, m.folha.uol.com.br, folha.com.br), logo boa parte desses 40% de links externos vem de sites da própria Folha.

O Nexo tão tem esse luxo, e precisa explorar as redes para criar mais volume. Leitores chegam ao site e se vão. Não é à toa que a taxa de desistência de usuários após uma única sessão (bounce rate) é maior para o Nexo do que para os sites mencionados acima, segundo dados do Alexa.

Fonte: Alexa

Demograficamente, o Nexo também pode avançar ainda mais, tendo bastante espaço para crescer em certos segmentos.

Vale notar que, apesar de o Alexa ser uma boa ferramenta, eu tenho sérias restrições com a qualidade dos dados de demografia deles, apresentados a seguir, mas, na falta de melhores analytics, creio que sejam minimamente satisfatórios. Peço, por favor, que não considerem esses dados pelo valor de face, e mais como uma referência baseada em estimativas.

Fonte: Alexa

Segundo o Alexa, o Nexo ainda atrai menos interesse de pessoas mais velhas, mulheres e pessoas com menor grau de instrução acadêmica, estes últimos que se beneficiariam mais de uma explicação das notícias. E, claro, muitos dos mais de 100 milhões de brasileiros que acessam a Internet regularmente ainda não conhecem o jornal — e, segundo nossa conta, o Nexo só precisaria de 0,03% deles pra pagar suas operações.

Parágrafo atualizado em 05/12/2016 por motivos de clareza.

Conclusão

É bem possível que o Nexo tenha alguns seguidores fiéis que já se dispõem a pagar os R$12/mês para apoiar as operações editoriais do serviço — não faço ideia de quantos sejam — mas decerto ainda não são suficientes para cobrir os custos.

Eu acredito, sinceramente, que se esse jornal online persistir por um pouco mais de tempo, existe a possibilidade de conseguir mostrar seu valor, crescer em escala e conquistar novos assinantes. Até porque assinaturas de jornais online têm crescido.

Por outro lado, há muitas pessoas dispostas ao contrário — a não pagar por conteúdo de jeito nenhum. E para o Nexo isso é ruim por dois motivos principais: 1. um assinante a menos 2. uma pessoa interessada em seu conteúdo disposta a driblar o paywall.

Existem algumas formas de driblar um paywall poroso. Longe de mim fazer um tutorial para se driblar aplicação de cobrança de conteúdo, mas o que mencionarei a seguir é de conhecimento geral.

Em um nível mais básico, por exemplo, utilizar a “navegação anônima” de seu browser pode lhe conferir mais acessos gratuitos, já que esse recurso não inclui o cache original nem os cookies que seu navegador utiliza no modo normal — logo, o site não se lembra quem você é. Em um nível intermediário, utilizar serviços como o Pocket, que tecnicamente “raspa” uma página utilizando outra identidade online e armazena eu seu próprio servidor, lhe permitiria também acessar esse mesmo conteúdo de graça. Mas se o paywall for mais inteligente, ele pode bloquear seu acesso baseado no seu IP — mas nada que uma VPN (virtual private network) não resolva.

Sinceramente, não testei o suficiente para saber em qual categoria o Nexo se encaixa, mas uma combinação de todos esses recursos (e mais alguns que prefiro não mencionar) pode ser o suficiente para driblar a maioria dos paywalls porosos que conheço.

Isso remete à noção — trazida à tona após a promessa do presidente eleito norte-americano Donald Trump de construir uma barreira na fronteira entre EUA e México — de que a existência de um muro de 20 metros reforça o mercado de escadas de 21 metros. Em outras palavras, quem quer sempre vai encontrar um jeito de driblar os empecilhos de acesso.

Resta saber se, em vez de fazer isso, as pessoas vão apreciar o jornalismo que é feito pelo Nexo e apoiar financeiramente sua continuidade.

É um equilíbrio difícil e um modelo de negócios arriscado, especialmente para startups. Tem dado certo para o serviço de notícias jurídicas Jota — embora este tenha um modelo híbrido, com newsletters pagas e cobertura sob demanda, o que acrescenta à geração de receita algo além de assinaturas individuais ou corporativas.

Se a equipe do Nexo conseguir “capitalizar” (odeio este termo, mas é o que temos) sobre a independência editorial e o bom conteúdo, consigo imaginar um futuro sustentável para o projeto, especialmente em um momento no qual estamos imersos: um ambiente digital repleto de notícias falsas e desconfiança com a grande mídia, além da crise financeira por conta da queda do impresso e de demissões de jornalistas nas redações.

Eu, por minha vez, tenho planos de assinar o Nexo ano que vem — porque em 2016 eles conseguiram me vender o seu valor por R$ 12/mês.

Um representante do Nexo foi contatado via email em 22/11/2017 para se manifestar e convidado a divulgar algumas de suas métricas e números, mas a companhia não pode divulgar dados internos.

  1. É necessário dizer que eu não sei se isso efetivamente acontece ou não, mas é apenas para se ter um ponto de partida. Não é ilógico considerar que fundadores, especialmente os que investiram no negócio, de startups não tirem um salário no começo do negócio, até o break-even. ↩︎
  2. Veja a tabela aqui. ↩︎
  3. Não discuto aqui o valor que veículos de viés ideológico possam ter para seus leitores (além, claro, do típico viés de confirmação?), mas sim a abordagem diferente do conteúdo em relação ao Nexo. Além disso, os veículos ativistas com maior similaridade de audiência com o Nexo poderiam muito bem ser alinhados à direita — mas segundo o Alexa são em grande parte de esquerda. ↩︎
  4. Isso porque o mesmo visitante pode acessar o site por outros aparelhos, com outro IP, e contar como visitante único, embora não seja. Cortar pela metade dá uma ideia de que um visitante utiliza dois aparelhos para acessar notícias. ↩︎

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Sérgio Spagnuolo
Farol Jornalismo

Jornalista, editor e fundador da agência de jornalismo Volt Data Lab (www.voltdata.info). Coordenador do Atlas da Notícia, uma iniciativa sobre jornalismo local