Na Holanda, o crowdfunding para jornalismo deu certo

Lições do primeiro ano do De Correspondent

Farol Jornalismo
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No dia 30 de setembro, Ernst-Jan Pfauth contou como o De Correspondent, uma publicação independente da Holanda, se transformou de um sucesso no financiamento coletivo em um veículo sustentável mantido pelos seus 28 mil assinantes. O texto original foi publicado em inglês no Medium com o seguinte título: "Here’s what happened to that world-record in journalism crowdfunding". Autorizados pela equipe do De Correspondent, publicamos a tradução para o português aqui no perfil do Farol Jornalismo no Medium e no nosso site.

(Para quem não nos conhece, somos uma iniciativa de pesquisa e produção de novas formas de fazer jornalismo. No site, publicamos textos, materiais utilizados em cursos e traduções de artigos. Também temos uma newsletter em que reunimos links e fazemos uma análise semanal das tendências no jornalismo.)

Procuramos ser o mais fiel possível à versão original do texto, mas há de se observar alguns poucos detalhes. O primeiro é em relação à localização temporal de algumas frases. Quando o autor utilizar expressões como “hoje” ou “semana que vem”, tenha em mente a data em que o texto foi publicado. Outra coisa que vale sublinhar é que os dois infográficos que ilustram os parágrafos de Pfauth foram mantidos em inglês. Mas as informações que eles trazem são simples, então não deve haver maiores problemas para compreendê-los.

Boa leitura!

Por Ernst-Jan Pfauth

Em novembro de 2013, Mathew Ingram, do GigaOm, escreveu o seguinte sobre a campanha de crowdfunding para um projeto jornalístico que levou à fundação da nossa publicação, o De Correspondent:

Será fascinante observar o De Correspondent e ver se ele vai conseguir dar continuidade à incrível promessa firmada arrecadando US$ 1,7 milhão.

Na seção de comentários, alguém escreveu:

Eu dou 8 meses a este empreendimento. Já vi este filme antes.

Preciso admitir que este comentário me deixou nervoso, na época. Nós conseguiríamos nos tornar uma publicação relevante? Nossos financiadores via crowdfunding iriam gostar do jeito que nós executaríamos a ideia na qual eles investiram? Ou nós desapareceríamos na história simplesmente como um sucesso de crowdfunding?

Hoje, um ano depois do nosso lançamento oficial, em 30 de setembro de 2013, eu estou emocionado em anunciar que mais da metade do grupo que participou do financiamento inicial renovou sua assinatura e vai permanecer conosco.

Até agora, 11 mil dos 18.933 que participaram do crowdfunding renovaram suas assinaturas. Nós achamos que muitos dos que não renovaram irão fazê-lo na semana que vem – quando não conseguirão mais logar –, mas eu já gostaria que vocês soubessem que nós já passamos de um crowfunding de sucesso para uma publicação com o sustentável número de 28 mil assinantes, que pagam 60 euros (US$ 76) por ano (desde o lançamento, outros 17 mil assinaram). Eu também gostaria de aproveitar a oportunidade para compartilhar algumas lições deste primeiro ano.

(Para aqueles que ainda não conhecem o De Correspondent: nós somos uma plataforma de jornalismo livre de anúncios em língua holandesa cujo foco é contexto, análises, reportagens investigativas, e alguns tipos de matérias que tendem a escapar do radar da mídia tradicional porque não se encaixam no que normalmente é entendido como “notícias”.)

Nós mostramos aos assinantes o que acontece com a anuidade

Para celebrar nosso primeiro aniversário, escrevemos duas matérias direcionadas aos nossos membros sobre como tiramos o De Correspondent do papel. A primeira mostra como nós gastamos as anuidades pagas de 1º de janeiro até 1º de agosto deste ano, de modo a dar uma noção sobre como nós investiremos o dinheiro deles em caso de renovação.

Você pode ler a matéria aqui (provavelmente você vai precisar de uma pequena ajuda do Google Translate) e eu traduzi os gráficos mais importantes:

Infográfico mostra como o De Correspondent gastou as anuidades dos seus assinantes de 1º de janeiro a 1º de agosto de 2014. Infográfico desenvolvido por Momkai, parceiro do De correspondent

Na segunda, nosso editor-chefe Rob Wijnberg escreveu sobre o impacto do De Correspondent para o jornalismo e para a sociedade. Por exemplo, ele compartilhou quais histórias desencadearam questões no parlamento nacional e um mapa mostrando a origem das reportagens escritas pelos nossos repórteres:

Mapa mostra de onde foram escritas as reportagens no primeiro ano do De Correspondent. Infográfico desenvolvido por Momkai, parceiro do De Correspondent

Nós também publicamos um post no qual nossos autores, editor de fotografia, editor-chefe, diretor de criação e eu, como publisher, compartilhamos nossos maiores problemas e erros, e como nós pretendemos melhorar no próximo ano. Não temos nenhum anunciante para agradar, então podemos focar apenas nas necessidades dos nossos assinantes.

Nossos membros deixam claro que eles gostam de saber como nós estamos gastando o dinheiro deles. Isso também leva a algumas discussões interessantes sobre como uma publicação deve priorizar em seus gastos.

Nós demos um rosto aos nossos correspondentes

No De Correspondent, nós acreditamos que jornalistas devem trabalhar junto com leitores, desde que cada leitor seja um especialista em algo. E 3 mil professores sabem mais do que apenas um correspondente em educação. Taí o porquê de nós vermos nossos jornalistas como líderes de uma conversação e os nossos assinantes como especialistas que contribuem para esta conversação (leia mais sobre esta missão e sobre as estratégias a respeito).

Para fazer o De Correspondent mais pessoal e assim fortalecer os laços entre nossos leitores e jornalistas, nós pedimos aos nossos correspondentes para explicar, em um vídeo, seus planos para o segundo ano (e para os outros que vierem). Aqui está uma compilação com legendas em inglês:

Nós convidamos os assinantes a compartilhar as reportagens

Achamos que nossos membros são nossos melhores embaixadores; portanto, eles podem compartilhar nossos artigos como quiserem. Quando eles compartilham uma matéria, uma notificação avisa seus amigos e seguidores; “Este artigo foi compartilhado com você por…”, seguido do nome do assinante. Esta estratégia parece estar funcionando, já que os gráficos de “Novos visitantes” e “Novos assinantes” mostram padrões similares. Além disso, podemos afirmar que muitos dos novos visitantes assinam o serviço logo depois de ler uma matéria. Desde o nosso lançamento, em 30 de setembro do ano passado, tivemos 17 mil novos assinantes.

Nós focamos todos os nossos esforços de marketing nos nossos curtidores

Quando nós investimos em publicidade, focamos todos os nossos esforços nos nossos curtidores no Facebook. Há muitos deles, mais de 75 mil, o que é duas vezes o nosso número de assinantes. Há um enorme potencial aí. Além do mais, estamos um tanto dependentes do Facebook quando o assunto é tráfego oriundo de redes sociais. Pedindo que nossos curtidores se tornem membros, podemos transformar uma relação em algo mais sustentável. Nós até mesmo organizamos um “Dia para curtidores se tornarem membros” (o que em holandês é: Likers Worden Lid). Nesse dia, nós explicamos aos nossos curtidores como eles poderiam fazer com que novas reportagens se tornassem possíveis. Ah, também postamos uma foto do gato do nosso escritório:

Ele ajudou muitos possíveis futuros membros a decidirem pela assinatura. Foto: Bas Losekoot

E nós publicamos um livro

Quando nosso autor Rutger Bregman nos contou que queria escrever um livro sobre as ideias que ele tinha compartilhado no De Correspondent, nós imediatamente oferecemos a publicação. Parecia ser o próximo passo lógico no processo jornalístico e nos parecia uma oportunidade para inovar no mercado de ebooks holandês.

Por exemplo, nós fizemos o ebook ser 60% mais barato que a edição impressa (o que é excepcional para a Holanda) e nos livramos de todas as medidas de segurança, como o DRM. Nós incentivamos os leitores a compartilhar o ebook com os amigos deles. Além disso, vendemos o livro em nossa própria plataforma com a Shopify shop, o que permitiu não cobrar os custos de envio (já que não foi necessário dividir os ganhos com uma loja).

A capa do livro, desenhada pelo co-fundador e diretor de arte do De Correspondent, Harald Dunnink

Bregman defende o pensamento utópico para enfrentar os desafios que virão por aí neste século. O livro é intitulado Free Money for Everyone. And five other big ideias that can change the world e estará disponível em inglês talvez no ano que vem. Você pode ter um gostinho dele lendo um trecho publicado no The Washington Post.

Um resumo das nossas lições:

  1. Explique como você gasta o dinheiro dos assinantes;
  2. Encoraje os jornalistas a trabalhar junto dos assinantes;
  3. Seus assinantes são seus melhores embaixadores;
  4. Aproxime-se das pessoas que já gostam de você;
  5. Pense para além da sua plataforma quando o assunto é publicar suas histórias.

Obrigado por sua leitura! Vou manter vocês informados dos nossos próximos passos escrevendo aqui no Medium. Vocês também podem curtir nossa página internacional no Facebook, onde compartilhamos matérias traduzidas.

Por favor, se você tiver alguma questão, contate-me tuitando para @ejpfauth ou me mandando um email.

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