Um grande grupo de comunicação brasileiro entra no debate sobre jornalismo

Marcela Donini
Farol Jornalismo
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4 min readJul 31, 2015

Na terça-feira, 28 de julho, o Grupo RBS, o maior grupo de comunicação do Sul, dono de jornais, rádios e TVs na região, realizou o primeiro encontro do projeto Em Pauta ZH, que pretende debater o jornalismo em eventos mensais. O convidado da noite que reuniu cerca de 80 jornalistas e comunicadores no salão nobre da sede da empresa, em Porto Alegre, foi Leandro Beguoci, editor da F451, amigo do Farol Jornalismo (iniciativa da qual faço parte) e frequentemente presente na nossa newsletter.

O bate-papo foi mediado pelos editores de Zero Hora Claudia Laitano e Rodrigo Müzell — Foto: Marcela Donini

O evento foi realizado apenas para convidados; eu estava lá, ao lado de outros colegas que também já trabalharam no grupo, outros tantos que ainda trabalham, além de jornalistas “do lado de cá”, de fora das redações, como sócios de agências de conteúdo, profissionais de agências de publicidade e professores e estudantes de jornalismo.

A exemplo do texto que escreveu sobre a Reinvenção do Jornalismo — que motivou o convite para a palestra depois de chegar a editores da Zero Hora — , Beguoci deu um panorama sobre o momento atual da nossa profissão, pincelou desde novas narrativas como realidade aumentada até modelos de negócio e branded content.

Sua fala inicial foi meio que um “sacode” em quem ainda faz as perguntas erradas, como por exemplo “como conseguir mais page views?”. Se nos faltam respostas, talvez seja hora de repensar nossas perguntas. Em vez de focar em “como salvar o papel”, por que não pensar em como se tornar relevante no meio digital? Como se tornar relevante para o público num momento em que, como ressaltou Beguoci, vivemos uma crise de atenção em função da oferta de conteúdo digital? Como ter impacto na nossa comunidade?

Aqui saliento a questão do impacto social. Beguoci citou Jeff Jarvis, com quem teve aula recentemente na CUNY e que acredita que todo jornalismo é “uma defesa de causa, é para uma comunidade”. Quando Beguoci falou sobre ter impacto na comunidade e do desafio de como medir isso (muito mais difícil do que contar page views), foi inevitável não lembrar dos jornais de bairro da ZH, onde trabalhei entre 2006 e 2009. O exemplo usado por Beguoci sobre buracos de rua fechados pela prefeitura depois de saírem no jornal era o nosso dia a dia (às vezes trocando os buracos por praças sem luz, árvores sem poda, ruas sem coleta seletiva…).

Enquanto o digital gatinhava e o site zerohora.com era lançado, nós da equipe dos Bairros vivíamos em uma ilha dentro da redação, onde tínhamos um feedback quase imediato dos leitores e a certeza do impacto do nosso trabalho, um projeto que foi descontinuado pela empresa em 2014.

Como disse Beguoci, um tempo atrás, publicávamos uma matéria e esquecíamos dela. Hoje não tem como fazer isso. “Quando um repórter termina uma matéria inicia-se um novo trabalho”, referindo-se à repercussão das reportagens nessa nova relação com o público, na qual este “não quer só falar, mas também ter visibilidade”. Beguoci citou um exemplo recente de preocupação com a comunidade que foi a tradução para mandarim, coreano e espanhol da reportagem especial que o New York Times fez sobre as condições precárias de trabalho das manicures imigrantes dessas nacionalidades.

A fala de Beguoci foi ainda bastante pontuada pelas mudanças de hábitos de consumo de informação no meio digital e o protagonismo de canais de distribuição como Google e Facebook, um tema que poderia ser mais problematizado, quem sabe em um outro momento.

Fiquei feliz com a escolha do palestrante, um cara com visão otimista da profissão, que levou ao evento uma série de temas atuais, muitos dos quais discutimos com frequência no Farol Jornalismo. Por que a autorreferência de novo? Porque, sem falsa modéstia, o Farol está há mais de um ano ativamente nesse debate público — e já chegamos depois de tanta gente. Acho importantíssimo um grupo do tamanho da RBS entrar na discussão. Do lado de cá, sentimos que boa parte de quem está dentro da redação está atrasada em muitas reflexões que vem sendo feitas nos últimos anos, e isso é antes uma constatação do que uma crítica (quem já esteve numa grande redação sabe como a correria dificulta uma reflexão mais crítica sobre o próprio trabalho).

No momento em que pára duas horas no mês para discutir jornalismo, o grupo assume um protagonismo, como disse a editora Claudia Laitano, mediadora do evento. Como consequência positiva, o debate alcança gente que dificilmente seria impactada por iniciativas independentes e segmentadas como o Farol. E, a gente, “do lado de cá”, aprende um pouco mais sobre como andam os processos dentro de uma grande redação e para onde caminham os grandes players desde mercado. Achei emblemática a fala da vice-presidente de Jornais e Mídias Digitais do Grupo RBS, Andiara Petterle, sobre o conteúdo pago ser “a principal estratégia dos jornais (da RBS) hoje”.

Ainda sobre o evento, senti falta de mais debate, de uma proposta mais horizontal. A sessão para perguntas após a fala do Beguoci foi rápida e sobre temas tão amplos como a formação do jornalista e branded content, que renderiam, cada um, uma noite de conversa. Talvez uma escolha deliberada por um bate-papo inicial sobre esse momento de instabilidade e oportunidades, e “frio na barriga”, como disse Beguoci. Espero que o projeto tenha vida longa e que, nos próximos, haja mais troca, quem sabe, com foco em temas mais pontuais ou com mais de um convidado especial.

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Marcela Donini
Farol Jornalismo

Jornalista freelancer radicada em Porto Alegre, professora de jornalismo e fundadora do Farol Jornalismo.