Rainha Elizabeth na primeira fila da London Fashion Week. Ou como seu status de autoridade na moda foi atualizado.
Você já deve ter visto esta foto. Se não viu, tá aqui oh: Rainha Elizabeth II, conhecida também como Bisa Beth, hoje fez seu debut num desfile de moda. Com 91 anos, ela mostra que nunca é tarde demais para uma primeira vez.
Mas não é sobre isso que eu quero falar. Nem sobre o fato de eu achar a coisa mais fofa do mundo essa série de fotos dela e as reações da Rainha ao seu primeiro desfile. Poderia ser a minha vó.
Ah péra, mas o quê que ela estava fazendo lá? Era o London Fashion Week e o show era de Richard Quinn. A Rainha esteve lá para conceder o Queen Elizabeth II Award for British Design, prêmio que visa incentivar os talentos da moda britânica.
Voltando à foto. Quando eu vi no Instagram, a primeira coisa que me passou pela cabeça (e que compartilhei com o meu Grupo de Pesquisa em História da Arte e Moda da UFRGS), foi o subtítulo deste post: seu status de autoridade na moda foi atualizado.
Explico por quê: desde que a Moda é Moda, ela precisa de legitimação. É parte do seu papel enquanto fator de distinção, mas também porque requer autenticidade. Isso se aplicava às leis suntuárias, que determinavam o que cada grau de nobreza poderia usar ou não usar. Se aplicava às regras de etiqueta da sociedade de corte francesa, que ditava a altura do salto dos homens e altura das perucas das mulheres. Se aplica às marcas modernas e à construção da identidade de marca.
Enfim, autenticidade na moda é um assunto complexo, que envolve fatores culturais, simbólicos, econômicos, sociais, legais e etc.
Mas a Moda por si só, enquanto fenômeno social, manifestação cultural ou indústria, precisa de legitimação e autoridade.
Ela é sempre diminuída quando a conversa fica mais "séria". Moda é arte ou é cópia? Representa o comportamento de uma época ou ajuda a formar este modelo de representação cultural?
Para quem estuda Moda, nada disso é tão óbvio. Vários fatores vão se acumulando e criando dimensões profundas. E uma das formas de situar o campo no universo de investigação, entender o objeto científico e a problemática, e até nos afirmarmos enquanto pesquisadores acadêmicos de moda, é usando destes dispositivos de autoridade.
O que seriam estes dispositivos? São instituições, entidades, pessoas, marcas e etc que conferem autoridade a determinada matéria. Na origem do conceito, era um processo que dava autenticidade à obras de arte, uma lista de dispositivos que testavam se aquilo era autêntico ou não.
Hoje vemos estes dispositivos de autoridade de uma forma mais abrangente. Não é um checklist de TEM/NÃO TEM, mas uma série de elementos, eventos ou fenômenos que fazem com que determinada coisa ganhe autoridade.
São dispositivos de autoridade as Universidades, os Museus, e é claro, a Realeza.
Entendeu onde eu quero chegar?
A Rainha Elizabeth, maior monarca (que você respeita) ocidental contemporânea, ou ao menos a que está a mais tempo no cargo, foi num desfile de moda. Sendo assim, em uma leitura rasa, podemos enquadrar a Rainha Elizabeth como um dispositivo de autoridade.
Não estamos aqui questionando autoridade EM MODA. Isso a Anna Wintour tá ali pra resolver.
A Beth tá ali pra ser a autoridade máxima da porra toda. Ela confere à marca em questão, e à moda por extensão, um selo real. Ela não está ali pra dizer "Isso é Cool, Isso é Moda". Mas sim, "Isso é de importância cultural".
Muitos antes a Prada já tinha sido escolhida como fornecedora oficial de malas da realeza italiana. É um dispositivo também, sim. Mas relacionado ao produto. Aqui estamos falando de um fenômeno maior. A Rainha não está reconhecendo as roupas do Richard Quinn, ela está dando todo um novo valor ao front row.
A moda já está nos Museus (O Victoria and Albert Museum em Londres que o diga). Já está na Academia (não vou citar meu estudo que fica ~chato~, mas quer um link de mais "autoridade", tá aqui a lista de todas as edições da Fashion Theory). E agora tá autenticado em cartório pela Rainha da Inglaterra.
QUER AUTORIDADE, TOMA!
Depois disso, qualquer Fila A vai ficar com vergonha da sua existência.
E a Moda ganha mais um dispositivo de autoridade que ajuda a provar que ela não é frívola, nem um fenômeno isolado e temporal.
É digna de reverência real (e acadêmica. Beijos Oxford).