Rainha Elizabeth na primeira fila da London Fashion Week. Ou como seu status de autoridade na moda foi atualizado.

Livia Pinent
FashionCulture
Published in
4 min readFeb 20, 2018

Você já deve ter visto esta foto. Se não viu, tá aqui oh: Rainha Elizabeth II, conhecida também como Bisa Beth, hoje fez seu debut num desfile de moda. Com 91 anos, ela mostra que nunca é tarde demais para uma primeira vez.

Mas não é sobre isso que eu quero falar. Nem sobre o fato de eu achar a coisa mais fofa do mundo essa série de fotos dela e as reações da Rainha ao seu primeiro desfile. Poderia ser a minha vó.

not so pleased.

Ah péra, mas o quê que ela estava fazendo lá? Era o London Fashion Week e o show era de Richard Quinn. A Rainha esteve lá para conceder o Queen Elizabeth II Award for British Design, prêmio que visa incentivar os talentos da moda britânica.

Voltando à foto. Quando eu vi no Instagram, a primeira coisa que me passou pela cabeça (e que compartilhei com o meu Grupo de Pesquisa em História da Arte e Moda da UFRGS), foi o subtítulo deste post: seu status de autoridade na moda foi atualizado.

Explico por quê: desde que a Moda é Moda, ela precisa de legitimação. É parte do seu papel enquanto fator de distinção, mas também porque requer autenticidade. Isso se aplicava às leis suntuárias, que determinavam o que cada grau de nobreza poderia usar ou não usar. Se aplicava às regras de etiqueta da sociedade de corte francesa, que ditava a altura do salto dos homens e altura das perucas das mulheres. Se aplica às marcas modernas e à construção da identidade de marca.

Enfim, autenticidade na moda é um assunto complexo, que envolve fatores culturais, simbólicos, econômicos, sociais, legais e etc.

Mas a Moda por si só, enquanto fenômeno social, manifestação cultural ou indústria, precisa de legitimação e autoridade.

Ela é sempre diminuída quando a conversa fica mais "séria". Moda é arte ou é cópia? Representa o comportamento de uma época ou ajuda a formar este modelo de representação cultural?

Para quem estuda Moda, nada disso é tão óbvio. Vários fatores vão se acumulando e criando dimensões profundas. E uma das formas de situar o campo no universo de investigação, entender o objeto científico e a problemática, e até nos afirmarmos enquanto pesquisadores acadêmicos de moda, é usando destes dispositivos de autoridade.

O que seriam estes dispositivos? São instituições, entidades, pessoas, marcas e etc que conferem autoridade a determinada matéria. Na origem do conceito, era um processo que dava autenticidade à obras de arte, uma lista de dispositivos que testavam se aquilo era autêntico ou não.

Hoje vemos estes dispositivos de autoridade de uma forma mais abrangente. Não é um checklist de TEM/NÃO TEM, mas uma série de elementos, eventos ou fenômenos que fazem com que determinada coisa ganhe autoridade.

São dispositivos de autoridade as Universidades, os Museus, e é claro, a Realeza.

Entendeu onde eu quero chegar?

A Rainha Elizabeth, maior monarca (que você respeita) ocidental contemporânea, ou ao menos a que está a mais tempo no cargo, foi num desfile de moda. Sendo assim, em uma leitura rasa, podemos enquadrar a Rainha Elizabeth como um dispositivo de autoridade.

Não estamos aqui questionando autoridade EM MODA. Isso a Anna Wintour tá ali pra resolver.

A Beth tá ali pra ser a autoridade máxima da porra toda. Ela confere à marca em questão, e à moda por extensão, um selo real. Ela não está ali pra dizer "Isso é Cool, Isso é Moda". Mas sim, "Isso é de importância cultural".

Muitos antes a Prada já tinha sido escolhida como fornecedora oficial de malas da realeza italiana. É um dispositivo também, sim. Mas relacionado ao produto. Aqui estamos falando de um fenômeno maior. A Rainha não está reconhecendo as roupas do Richard Quinn, ela está dando todo um novo valor ao front row.

A moda já está nos Museus (O Victoria and Albert Museum em Londres que o diga). Já está na Academia (não vou citar meu estudo que fica ~chato~, mas quer um link de mais "autoridade", tá aqui a lista de todas as edições da Fashion Theory). E agora tá autenticado em cartório pela Rainha da Inglaterra.

QUER AUTORIDADE, TOMA!

Depois disso, qualquer Fila A vai ficar com vergonha da sua existência.

E a Moda ganha mais um dispositivo de autoridade que ajuda a provar que ela não é frívola, nem um fenômeno isolado e temporal.

É digna de reverência real (e acadêmica. Beijos Oxford).

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