Larissa Henrici
fashionistadobem
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12 min readDec 4, 2018

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ENSAIO

[Aviso esse não é um texto acadêmico]

Prólogo.

[9:00 terça -feira]

Durante o café da manhã olho minha lista de tarefas e está lá os dois artigos que preciso escrever para essa semana como trabalho final das aulas do mestrado como aluna especial. entre um gole de café e os cachorros pedindo para passear me julgo com a voz de mãe:

“ Teve um semestre para fazer isso Larissa, se tivesse feito um pouquinho por semana não tinha acumulado mas, você não tem jeito mesmo, precisa se organizar! quando é que você vai ser organizar? quando é que você vai aprender!? isso ai fica ai nervosa com dor de barriga e não sabe nem por onde começar! que vergonha! vai ficar uma bosta você sabe né?

Para abafar o sermão mental coloco a playlist do Jack Johnson e por alguns instantes penso no que me impede de viver na praia vendendo coco.

Imediatamente a voz retorna mais alta: “ Vai ser ninguém nessa vida né, vendendo coco, ótimo! Joga a sorte no lixo e vai ter uma vida sem sentido”

De repente uma terceira voz apita como alarme, é hora de chamar o Diego… daqui a pouco penso como vou “parir” 2 artigos em 2 dias.

[10:00 Call com Diego ]

[11:00 ]

Vou começar pelo texto das aulas da Marília, checo as anotações das aulas revisito as memórias das quartas à tarde. Oh sorte! ter escolhido essa matéria de momentos tão lúcidos ( bato palmas internamente)

Título : Ensaio

Ah! eu vou escrever um ENSAIO, não é a.r.t.i.go.

Gostei dessa palavra, ao invés de dizer “farei um artigo”, existe uma permissão na palavra ensaio que não existe em outras mais formatadas.

Google : Ensaio {substantivo masculino}

1.ato ou efeito de ensaiar. 2.avaliação crítica sobre as propriedades, a qualidade ou a maneira de usar algo; teste, experimento.“tubo de e.”ENGENHARIA MECÂNICA : Maneira de testar as propriedades mecânicas de material, equipamento etc., usando como parâmetro normas técnicas e requisitos preestabelecidos. 2. ação ou efeito de testar (algo) ou de agir, sem que se tenha certeza do resultado final; tentativa, experiência.“um modesto e. no mundo da moda”BAILADO•MÚSICA :Montagem experimental de um espetáculo a portas fechadas, que vale como sessão preparatória à estreia para o público.FISIOQUÍMICA :Operação científica que visa analisar e descrever as propriedades físico-químicas de um corpo.LITERATURA :Prosa livre que versa sobre tema específico, sem esgotá-lo, reunindo dissertações menores, menos definitivas que as de um tratado formal, feito em profundidade.

Origem : ETIM lat.tar. exagĭum,ĭi ‘ato de pesar; ponderar, avaliar’

Acrescentaria ao dicionário uma definição sinestésica. Se a palavra ensaio fosse uma forma seria de massinha de modelar, ou como o puff azul da minha sala, esse espaço que se configura de forma dinâmica, uma dobra no tempo para testar, se eu tivesse que definir em uma imagem seria de um caderno com palavras rabiscadas com uma pitada de diversão, se tivesse um som seria : “testando 1,2,3, vai!”

Os formatos me geram uma angústia, me colocam num lugar com todas as outras pessoas, num lugar que nos comparamos, encaixamos quase asfixiados, num lugar de expectativas sobre o que deve ser feito, o resultado que se deve atingir. Pressão

Eu percebo o quanto sou suscetível aos outros, o quanto quero agradar, atender, A.T.E.N.D.E.R ???? — sim , pela primeira vez acho essa palavra um tanto estranha.

Atender é estar à disposição? Estar à serviço, né!? Atendimento. Chocada!

(pausa para trombetas sendo tocadas mentalmente)

Acabou de cair várias “fichas aqui” como quem acerta a sequência do jogo de cassino, bling bling bling.

Estou

vivendo a maior parte do tempo

atendendo

as pessoas!

(repete 3x)

Me vem a imagem de um balcão, eu sentada atrás dele e falando : “pois, não,? Em que posso te agradar?” . Numa sala de vidro num lugar que parece uma estação de trem com pessoas indo e vindo, que não me olham, não me respondem, pessoas sem rosto, e eu sorrindo, um sorriso congelado

Sim, sim, mil vezes sim! É isso! É isso quando minha terapeuta diz que me preocupo com os outros, o quanto olho para os outros, o quanto busco validação, não me dou valor, desmorono quando alguém vira a cara para mim ( como quase chorei na semana passada com aquela menina), me cobro demais para atingir o topo da linha, da régua que alguém traçou.

Bingo!

Aiiiii que raivaaaaaaaaaa de mim. trouxaaa!

Ops! Desculpe leitor@, você ainda está ai, certo? Tá acompanhando? Bom, sinto muito se não estiver (mentira sinto nada, só estou sendo educada), talvez não seja uma boa hora essa que você me encontra desconstruindo algumas falsas paredes para minha personalidade.

Sinto muito (só que não), estamos em obras. Lá se vai uma viga…. kábum!

Acabei de dar um passo fora dessa sala com balcão, não vou mais ficar em função, disponível para atender aos caprichos de…. da…. — Gente, de quem mesmo?

Da sociedade, isso! — por que quando eu não sei quem culpar eu generalizo.

Então leitor@, não crie você muito expectativa sobre esse texto também, porque ele é feito todo para mim, por mim e sabe lá como você veio parar aqui. Não me comprometo, não estamos atendendo hoje! E assim será, uma porção de vírgulas e exclamações e pontuações desritmadas, tomei muito café e ele faz isso comigo.

“ Aos poucos percebi que só poderia me colocar diante do outro, de todos os outros, como eu era. Quebrada. Com toda a integridade das minhas fraturas, das quais finalmente fiz vitral. Uma quebrada diante de quebrados, esse é o pacto em meus encontros públicos” (Eliane brum, no livro Meus desacontecentos.)

11:42 — Respiro fundo, me alinho na cadeira, sinto um poder em cada tecla que toco quase como se tocasse piano.

Vamos lá, escrever o ensaio sobre as aulas de investigação baseada nas artes. Vou até mudar de ferramenta, não vou escrever no Word vou usar o Medium porque… porque parece melhor de alguma forma.

1 min — — ( me destrai aqui no whatsapp, enquanto abria o navegador mas voltei)

11:46 — Testando 1, 2, 3 vai!

Ato 1. Auto — estima acadêmica

A investigação baseada nas artes me deu um novo dicionário ou pelo menos uma revisão de algumas palavras.

2. EU- TU , EU- ISSO

3. Investigação

Muito além disso, me deu caminhos sutis e muito poderosos, que refletem numa auto-estima de pesquisadora que eu, em processo seletivo para o mestrado, depois de uns 6 anos longe da academia certamente não encontraria ninguém que pudesse me dar.

O semestre começou numa agenda que circulava em torno do edital do processo seletivo, lendo e relendo a lista de documentos e o formato ABNT, Fapesp do arquivo para enviar.

Demorei 2 meses para escolher o tema da pesquisa, e batizar o título dele no word. A academia me pede o recorte e mais recorte para viabilizar o projeto, o objeto de pesquisa dentro da temática, os instrumentos de pesquisa, fonte Arial 12, citação, referência, legenda ou tabela tamanho 10.

Também o teste de proficiência, que serve basicamente para eu ler obras em inglês. Significa que sem eu estar apta a fazer isso, de nada serviria minha pesquisa, ou formar uma mestre veja lá… que só pensa em português. Por que assim não poderei indexar pensadores internacionais nas minha referências ou até mesmo publicar em revistas internacionais (o que se resolveria com um tradutor no caso). Sim, o inglês inviabiliza eu ser pesquisadora na USP, na superfície do argumento que se resume “ é importante inglês né”.

Mas percebo também que toda essa demanda, e critérios e validações me fazem pensar além da minha auto- estima, querendo me provar uma pessoa apta a ser uma boa pesquisadora para a USP. Que a USP também busca as validações externas para se provar uma boa instituição para a academia, aquela de fora (internacional).

12: 40 pausa para o almoço.

14:13 Gabi chegou desconcentrei total

17: 52

Ato 2. — Minhas novas palavras: As palavras — princípio de Martin Buber : EU-TU , EU-ISSO

Buber é um dos caras que eu gostaria de reviver, literalmente, trazer de volta a vida e sentar num bar, trocar uma ideia, como naquela música do grupo Oriente :

“ Tô pensando comigo mesmo…
Será que Deus faz uma troca?
Leva todos os “maluco” do Restart e traz Renato Russo de volta?
Leva Akon e traz Bob Marley?
Leva Fresno e traz Sabotage?
Leva Luan Santana e vem o Bradley do Sublime?
Leva Sean Kingston e traz de volta Tupac?
Tipo promoção!
Levar todos os “maluco” do sertanejo universitário e voltar com Chico Size”

Fui apresentada ao Martin Buber por terceiros, numa roda de conversa — Bom, era na sala de aula com a Marília e meus colegas, mas, podia ter sido assim:

Uma quinta a noite numa roda de amigos no largo da Batata, ele se junta à mesa provavelmente a primeira coisa que ele faria era reclamar da cerveja Original. Austríaco vivendo muitos anos em Berlim seria impossível evitar comparação das cervejas de milho, com as legítimas alemãs.

Eu o acharia esnobe, defenderia as qualidade do meu país e quando desse por mim estaríamos conversando sem lembrar o rumo. Vejo-o explicando o EU- TU, EU-ISSO e rabiscando esquemas no guardanapo. (Bom deixar claro no meu pedido de ressurreição que ele venha falando em português )

“Quanto à palavra-princípio Eu-Tu, Buber deixa claro que ela só pode ser proferida pelo ser em sua totalidade, visto que, ao falar de Eu-Tu, diz-se respeito ao mundo da relação, trata-se de uma relação que é imediata, onde se há uma reciprocidade e uma dialogicidade. A palavra-princípio Eu-Tu é um ato essencial do homem, um encontro entre parceiros, o contemplar do “face-a-face”, é a ontologia do homem. Quando se fala Eu-Isso, trata-se do mundo da experiência, do conhecimento, é o distanciamento do Tu, pois, quando se apropria de algo para a constituição de saberes, o Eu não se faz presente em uma relação, mas, em uma experimentação. Todavia, Buber esclarece que a palavra-princípio Eu-Isso não é de toda ruim, já que o homem precisa proferir ela para conhecer o mundo, porém, torna-se um mal ao se deixar viver só pelo Isso.”

Eu reclamaria por horas da vida, e das coisas que eu não entendo, dos relacionamentos frustrados, da situação política até transito da cidade caótica, e a busca muitas vezes frustrada por uma vida EU-TU

Ele me diria algo:

- Menina, você fala demais, pensa demais, na sua busca por uma relação EU-TU com o mundo você se perde no EU- ISSO, está reduzindo tudo a objetos e objetivos, gerando expectativa sobre a realidade através do seu crivo. Olha aqui nas 3 esferas do EU-TU, o espírito se faz presente no silêncio, aquieta essa mente e sinta mais! — Buber (2001, p. 76) : “ (…) o silêncio das respostas, e é neste silêncio que o homem se torna capaz de liberar o que está relacionado entre ele e o mundo.”

No final da noite ele some dobrando a esquina de trás da igreja, eu olho pensando “ Que barbudo doidinho, que sorte a minha!”

rascunho da conversa com Buber

Ato 3 . Minhas novas palavras: Investigação.

De uma música instrumental que seria o som de Buber para mim, sintonizo num rock punk, de quebrar a porta da frente do Olimpo dos acadêmicos tradicionais com as provocações de Denzin.

O show de Denzin abertura: Marilia Velardi

Na primeira aula fizemos o exercício etimológico e também crítico sobre o uso da palavra investigação, ao invés do uso da palavra pesquisa, por exemplo, no caso da investigação baseada nas artes e investigação qualitativa.

Segundo o dicionário de etimologia de BUENO (1975), pesquisa é indagação, rebusca científica, literária, investigação metódica. Investigação, por outro lado, significa pesquisa, seguir os vestígios de, procurar esclarecimentos. Pesquisador e investigador respectivamente significa pessoa que faz a pesquisa científica, literária, investigador, indagador, analista de laboratório e indivíduo pesquisador , inquiridor, encarregado de recolher esclarecimentos.

De acordo com o dicionário de FERREIRA (1986), pesquisa é o ato ou efeito de pesquisa, indagação ou busca minuciosa para averiguação da realidade, investigação e estudo sistemático, com o fim de descobrir e esclarecer fatos ou princípios relativo a um campo qualquer de conhecimento e pesquisador é aquele que faz pesquisa. Investigação é o ato ou efeito de investigar, busca, pesquisa, indagação minuciosa e investigador é aquele que investiga.

Ao optar pela palavra investigação, apesar se suas similaridades etimológica com a palavra pesquisa. Se faz uma importante a crítica aos simbolismos que a “pesquisa”, quanto conceito está carregada. Em uma analogia, chegamos à imagem de que se fazer pesquisa é nadar em uma piscina. Quais desafios a piscina impõe ao nadador? O que a piscina proporciona de atividades? Seja lá o uso feito da piscinanadar numa competição, nadar em um treino, seu ambiente é controlado, existe algo mais estático do que por exemplo nadar no mar.

A investigação é o nadar no mar.

Quais desafios o mar impõe ao nadador? O que o mar proporciona como atividades possíveis? Que variáveis enfrentamos no mar? Definitivamente existe menos controle sob o mar, apesar da atividade “físcia” ser a mesma em ambos cenários, piscina e mar. Este último é um território bem mais dinâmico

“Cada um de nós tem a responsabilidade por conduzir pesquisas
éticas que façam a diferença nas vidas daqueles cujas
oportunidades de vida, saúde, segurança e bem-estar são
reduzidas por condições de pobreza.- Leslie Rebecca Bloom (2009, p. 253).”

22:00 — terça por hoje é só.

9:00 — Quarta várias ideais — alguns trechos

10:49 — Bem inspirada e motivada sem foco pra organizar as ideias.

12:00 — Nada, amanhã eu volto

10:00 — quinta olho pra tela, releio

11:00 — Depois eu volto

22:14 — Quinta –revisar tudo rezar pra sair algo

Rascunho- resumo Denzin

Atenção pesquisadores essa é uma convocação, é ação!

Denzin empodera os aspectos humanos dos dois lados da investigação e eu nunca tinha ouvido falar sobre “ o pesquisador importa”. A Marília estimula com perguntas diretas e vezes poéticas “ o que te atravessa?”, “ o que te importa”, “ em que momento você parou ali, sobre aquele assunto?”.

Essa é uma convocação à pesquisa qualitativa interpretativa, crítica e performativa que importa nas vidas daqueles que vivem diariamente a injustiça social. Esta é uma convocação por investigações que abordem as desigualdades na economia, educação, emprego, meio ambiente, saúde, habitação, alimentação e acesso à água, uma investigação que abrace o clamor global pela paz e pela justiça. DENZIN, 2018

Acho que aprendi a fazer mais perguntas, talvez mais que novas palavras tenha aprendido a me perguntar mais. Isso é tão poderoso, já te coloca numa posição de não aceitar tudo como se é, recupera um momento de criança, onde nada ainda foi dado e você precisa entender o mundo.

Essa curiosidade pura, sobre a própria realidade, sobre a própria vida, a rotina, do que te cerca. Gera um movimento no que antes poderia simplesmente ser ou estar. Nossas perguntas criam vida, dão vida, à temas, situações, realidade. Como tirar uma cena do preto e branco e dar cor.

Há a necessidade de desestabilizar os conceitos tradicionais do que conta como pesquisa, como evidência, como investigação legítima. Como esse tipo de trabalho pode se tornar parte da conversa pública? Quem pode falar e para quem? Como as vozes são representadas? Podemos criar novos modelos de desempenho, representação, intervenção e práxis? Podemos repensar o que queremos dizer por investigação ética? Podemos formar uma nova geração de acadêmicos engajados e líderes comunitários? O que conta como conhecimento acadêmico na esfera pública neoliberal? Podemos imaginar novos modelos de accountability e como podemos falar sobre impacto, mudança e para quem é a mudança? DENZIN, 2018

Final.

Minha maior provocação sobre novas perguntas e novas palavras foi a de criar uma agenda para a minha área de atuação. Trazer as perguntas de Denzin para Têxtil e Moda.

Como cidadãos globais, não somos mais chamados a apenas interpretar o mundo, que era a orientação da investigação qualitativa tradicional. Hoje, nós somos chamados a mudar o mundo e a transformá-lo de maneira a resistir à injustiça enquanto celebramos a liberdade e a democracia participativa plena e inclusiva. DENZIN 2018

É necessário que os designers assumam a posição de designer-investigadores tanto na academia quanto fora dela. Diante da realidade que vivemos geradora de desigualdades em todos os âmbitos da vida humana, não é ético nem moral passarmos a vida profissional e acadêmica apensar interagindo com, entendendo a , estudando a, a realidade . É emergente que provoquemos mudanças na realidade, é uma responsabilidade.

É preciso uma agenda do designer-investigador nas temáticas de etnicidade, saúde, gênero, ambiental, de classes, da sexualidade (temáticas queer).

  • Representação nas imagens e produtos de moda : étnica, de corpos, de gênero, classes, ecologia, sexual.
  • Ser parte de soluções econômicas para desigualdade social
  • Ser parte de soluções ecológicas
  • Ser fazer de soluções em saúde física e mental
  • Ser parte da promoção e manutenção dos bens imateriais e materiais de nossa cultura.

No que diz respeito a universidade pública esse chamado é ainda mais gritante, na formação dos novos profissionais para que sejam consciente das responsabilidade de sua atuação que muitas vezes é diminuída pela crença da a área têxtil e moda, e principalmente a última ser vista historicamente como um saber menor.

No entanto esse pensamento não se sustenta ao entendermos que o mundo muda pelo comportamento de seus indivíduos e muda mais rápido quando podemos mover as massas. E precisamos sempre relembrar que poucos mecanismos tem o poder de mover grandes volumes de ideias, comportamentos, produtos, do que a moda.

A moda é um importante argumento de mudança social, é intrínseco a seu conceito a repetição, a propagação, as massas e que cabe a nós estimular esse movimento e sustentá-lo. Sempre esteve na moda mudar o mundo, mas, que possamos ajustar a direção da mudança em prol das questões humanas .

Segunda — 00 :58 — enviar e-mail

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Larissa Henrici
fashionistadobem

Sem pretensões. Com mais ideias soltas que lições. Caçadora de cores e palavras, fiz um mochilão de volta ao mundo e não sei bem escrever sobre isso.