Nunca se esqueça das granadas de mão.

Pedro Gustavo
Fate Magazine
Published in
4 min readOct 7, 2019
Granadinha em Apex Legends.

Fate Básico (ou Fate Core) mudou minha vida RPGística. Venho de uma época em que os RPGs tentavam modelar o cenário. Não só GURPS (meu sistema do coração por anos) fazia isso. Jogos “old school” também. Clássicos como Storyteller (Mago, a Ascensão, Vampiro, a Máscara etc) ou mesmo o D&D 3.5 oferecia estatísticas para tipos diferentes de armas, armaduras, habilidades, simulavam golpes e dano, descreviam a ordem de ação, tinham regras particulares para venenos… tentam repetir a física de um mundo numa história de ficção.

Chato. Muito chato.

Por mais que soe esquisito, a abordagem fenomenológica tem sido muito mais frutífera nos meus jogos que chegar ao jogo cheio de conceitos prontos. Acompanhar os jogadores no que desejam fazer é muito mais divertido para todos do que forçá-los de alguma forma a seguirem o que a história determina. Se for para ficar preso a limites, joguemos os vídeo games! A beleza do RPG de mesa é outra. É inovar. É ir além. Isso só é possível se o narrador deixa os chicotes de lado.

“Ah mas é difícil prever tudo que os jogadores podem fazer e se eu não fizer isso não terei nada pronto para responder a suas ações.”

Verdade. Em partes.

Vou começar a publicar minhas visões sobre narração de RPG que obtive com os anos somadas a traduções adaptadas de alguns materiais que encontrei sobre como narrar. Esta aqui é a primeira ferramenta dessa série: granadas de mão.

Monotonia, não.

Peço para que imagine a seguinte situação. Você e mais 5 amigos estão jogando poker. Vocês são ex-soldados da última grande guerra que se juntam as vezes para manterem-se sãos depois dos horrores que presenciaram. O jogo segue tranquilo. Você já jogou melhor, mas acha que conseguirá se recuperar. De repente, você ouve um barulho de vidros quebrando e, quase que imediatamente depois, alguém grita GRANADA! O que acontece com todos nessa cena?

Existem alguns momentos em que o jogo desacelera. Seja depois de uma grande perda, num aparente beco sem saída ou mesmo no final de um arco, os jogadores ficam paralisados ou com menos energia. Você sente isso como narrador. Parecem não saber os próximos passos ou mesmo dispersam para atividades cuja ligação com as questões iminentes e presentes parecem fracas para que a história se desenrole.

Para esses casos, reserve algumas granadas de mão na sua caixinha de narrador. Granadas de mão são situações que demandam uma resposta imediata de um ou mais jogadores. Jogar uma granada de mão no meio dos jogadores visa acender de novo a energia do grupo. PdN que aparecem pedindo ajuda, revelações, perda de recursos que os jogadores apreciam são exemplos bons de granadas de mão, mas não se atenha a eles. As melhores granadas são aquelas forjadas especialmente para seu jogo pensadas com carinho para seus jogadores. Elas podem ser ou não forçadas de aspectos ou estar ligadas a aspectos existentes, mas é melhor que sejam. Os zilhões de aspectos que você tem em suas mãos lhe darão boas ideias.

Em um dos jogos que tive, a granada de mão que joguei no grupo foi a fuga do companheiro animal do ranger. A cara de desespero misturada com assombro do jogador foi maravilhosa então sugiro que use isso como feedback pra ver se a granada foi boa. Perceba que perder o companheiro animal tem tudo a ver com este jogador especificamente, além de não significar uma derrota propriamente dita. Significa um novo obstáculo ou desafio que clama por uma resposta imediata.

Imagine uma situação em que os jogadores investigaram alguns bandidos que se mostraram possuídos por demônios. Um dos jogadores tem o aspecto “Não acredito em rostinhos bonitinhos” em sua ficha além do aspecto de situação “Eles sabem quem somos” adquirido mais cedo no jogo. A granada de mão pode ser uma jovem membra do grupo de bandidos investigados pedindo por ajuda. Demanda uma ação dos jogadores? Sim. Gera um conflito que casa com aspectos dos jogadores? Absolutamente ;) .

O próprio Fate Básico oferece ótimos formato de granadas de mão. Se forem baseadas em aspectos de jogadores pense assim:

Fulano possui o aspecto ___, o que implica em ___ (aqui você pode criar uma lista de coisas). Por isso, ___ demandaria uma resposta imediata se acontecesse.

Se a granada de mão tiver ligação com os aspectos de jogo:

Como ___ é uma questão do cenário, isso implica em ___ (mais uma vez, uma lista de coisas). Portanto, ___ demandaria uma resposta imediata de um ou mais jogadores.

Alguns exemplos de granadas de mão em cenários variados são:

Medieval fantástico: armadilhas (clássica), emboscadas, roubos de itens mágicos ou essenciais de alguma forma como chaves ou troféus necessários para concluir alguma missão, briga de taverna.

Cyberpunk: partes biônicas com mal funcionamento, inimigos do passado, algum(a) ex-namorado(a) querendo vingança ou pedindo ajuda, um novo contratante que oferece algo tentador como informações privilegiadas.

Investigativos: uma testemunha liga dizendo que está sendo perseguida e dá o endereço, o monstro ou assassino é visto ao longe de onde os personagens estão, o monstro ou assassino apresenta-se aos jogadores dizendo que é inocente.

Gostaram das dicas? Granadas de mão fazem sentido se inseridas em um contexto já que o que demanda ação de um personagem pode não demandar de outro por causa de suas prioridades. Comentem aqui as granadas de mão que já usaram ou que tiveram ideia de usar para aprendermos juntos.

Um abraço e ótimos jogos!

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