Reaprendendo a Aprender

Theus Petrovich
UHULL
Published in
5 min readNov 9, 2020

Conversando com meu irmão de 13 anos ele me disse que estava com saudades de ir à escola, não que ele gostasse, mas estava com saudades da rotina, de ver os amigos, de usar o uniforme…

Minha mente parou ali, naquela palavra, ‘uniforme’, uma forma. Um conjunto de crianças todas vestidas perfeitamente iguais -no meu caso, todas brancas- sentadas em fileiras milimetricamente alinhadas, todas viradas para um quadro, copiando o mesmo texto.

O processo educativo que vivemos, e muitas das nossas crianças ainda vivem, é bastante disso, não? Uniformização. Ensinamos, valorizamos e exigimos um conjunto pequeno de competências iguais a todos. Testamos, medimos e comparamos numericamente nossas crianças umas contra as outras, definindo assim seus futuros.

Eu lembro quando não ia bem em uma prova, minha mãe me perguntava se alguém tinha ido melhor que eu, por que alguém foi então não havia motivo pra eu ter ido mal. Afinal aparentemente éramos todos iguais. Ela me perguntava se eu queria ser um adulto medíocre. No mundo, ela dizia, não há espaço pra gente medíocre. Talvez, o meu perfil não fosse o melhor para memorização nomes e datas, pra ter disciplina na leitura, interpretar o significado dos textos, que eu tinha tanta dificuldade. Talvez o sistema me olhou de um jeito que me fez parecer só medíocre e me ensinou que eu não era bom o suficiente.

O aprendizado é um instinto de sobrevivência humana. Como crianças em uma espécie pouquíssimo instintiva, precisamos ser muito bons em observar e aprender sobre o mundo ao nosso redor. Nesse processo contamos com guias adultos pra nos passar, na primeira infância, aquilo que chamamos de cultura. Todo o conhecimento acumulado ao longo de gerações para maximizar a sobrevivência de indivíduos na nossa tribo. Mas se você já esteve próximo de uma criança entende que elas não se contentam com o que lhes é passado. Crianças são agentes ativos do seu aprendizado. Exploram o mundo como podem -como lhes é permitido- e buscam suas próprias respostas através da experimentação. O adulto, prezando pelo bem estar e saúde da criança, lhe inibe uma série de testes e lhe passa respostas prontas, tantas vezes parciais, ou de todo inverdadeiras, para algumas dessas questões. Mas eu entendo, crianças foram observadas fazendo em média mais de 100 perguntas por hora, como lidar com essa sede insaciável? Cansa… Tantas perguntas bestas, tantas com respostas complicadas para aquela idade, e tantas e tantas que o adulto não sabe responder… A falta de resposta, já não mais seduz o adulto padrão na busca pela descoberta. Ele talvez inventa ali uma resposta qualquer ou simplesmente joga um “porque sim” aquietando o seu próprio desconforto em não saber mais ser criança.

Tantas das histórias que contamos aos nossos pequenos são focadas em obediência e subserviência, tantas são sobre não questionar como as coisas são, e as severas consequências àqueles que questionam. A escola tem regras, a família tem regras, a empresa tem regras, e nós nos tornamos pequenas maquininhas de seguir.

Não me entenda mal, eu amo ‘cultura’! Amo o fato de que outros tenham errado e sofrido consequências por aprendizados que eu não preciso sofrer, mas ao mesmo tempo, quantos desses aprendizados não são baseados em um mundo que não existe mais? A terra segue a girar, o tempo segue a passar e vamos nós ficar congelados aqui no medo de fazer perguntas… Ou o medo é das respostas? Ou de não ter resposta?

O que acontece com uma pergunta sem resposta? Será que ela acha uma resposta sem pergunta?

Antes de qualquer pessoa perguntar se podia, homens estavam amando homens, e mulheres amando mulheres. Homens estavam se entendo mulheres, e mulheres, homens. Mulheres negras estavam trabalhando antes de as mulheres brancas se perguntarem por que não tinham o direito de trabalhar. Australopitecos e tantos homos já haviam caminhado pela terra antes de o homem se perguntar e se responder, que deus fez adão do barro. A terra em seu formato geoide girava em torno do sol fazendo dias e noites muito antes do terraplanista se perguntar se o elefante estava em cima ou abaixo da tartaruga.

Às vezes parece que o nosso medo do desconhecido e das perguntas sem respostas é tão grande, que simplesmente inventamos qualquer coisa, pra nos confortar na ficção de que tudo faz sentido. Mas coisas não têm sentido, elas simplesmente são. E elas mudam e se ressignificam a todo tempo, tantas vezes só não se ressignificam por que nós não nos permitimos mudar o nosso olhar sobre elas. Difícil transformar essa forma de olhar quando tão cedo fomos ensinados que nessa sociedade uniformizada não há espaço pra transformação. Fomos feitos agentes passivos da nossa vida, deixando que nos dessem um recorte do mundo, pelo medo de que o tomássemos todo. Aprendemos a nos comportar, a ser polidos, a não quebrar regras e não fazer tantas perguntas.

Aprendemos uma série de coisas durante a vida, e desaprendemos a aprender… Que tal agora desaprendermos uma série de coisas velhas da vida e reaprendermos a aprender?

Reaprender a ser criança! Voltar a fazer perguntas sobre o óbvio e talvez descobrir que o óbvio não é tão simples assim. Ousar cair, quebrar, sujar, dançar, chorar, cantar, gritar, amar e errar como se ninguém estivesse olhando, como se ninguém fosse julgar. Ao mesmo tempo, parar de julgar quando alguém errar, por que aquela pessoa acabou de aprender algo novo, sobre si, sobre o mundo, sobre as coisas como eram ou como precisam ser por hoje.

O sistema um dia me ensinou que eu não era bom o suficiente, e eu passei a minha vida inteira tentando ser. Até que no processo, descobri que o sistema não era bom o suficiente e que ao longo da vida eu ainda seria uma série de coisas, e quem jamais poderia julgar quais eram certas e erradas e boas o suficiente? Em qual delas eu deveria parar? Nós passamos a vida em busca de certezas, verdades, e continuidades, no mundo e em nós mesmos. Buscamos chegar no lugar onde tudo está bom, está certo, e nada precisa jamais mudar de novo. Infelizmente no caminho de tentar entender o que é certo, errado e o que é a ‘Verdade’, não percebemos que esses são conceitos que só existem dentro da subjetividade do indivíduo, dentro do que nos faz ‘nós’. E o mundo nada mais é do que a coexistência da pluralidade e diversidade das verdades do existir. Verdades essas que jamais cessam de se mudar pois na fluidez do mundo plural não cabem estruturas rígidas. E se a partir de hoje começaremos a deixar um espaço implícito pra possibilidade de mudança? De reinvenção? De diálogo? E se abraçássemos a instabilidade e incerteza como parte do mundo e das coisas que são?

Não busque as ilusões da continuidade e estabilidade, busque estar em equilíbrio com tudo o que cabe no agora, Pois a única verdade contínua e absoluta é a tão desconfortável impermanência.

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