Uma orquídea na porta

Felipe Arcaro
felipearcaro
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4 min readMay 17, 2020

Por mais que ainda não possamos viajar, meus hábitos de leitura que antecedem uma viagem continuam os mesmo. Há algo muito especial em conhecer lugares distantes brevemente pelos olhos de outras pessoas antes de me aventurar por esses — agora talvez não tão novos, lugares.

Meu consumo de conteúdo alterna entre vídeos muito bem produzidos e relatos pessoais em pequenos blogs de nicho e, talvez, isso seja apenas uma tentativa desesperada de consumir o que foi feito para nós, humanos, e não para os robôs de indexação do Google.

Mês passado, enquanto eu buscava informações sobre o melhor fogareiro portátil, eu encontrei um texto sobre viagens para lugares remotos e os melhores equipamentos para tal. O autor, Rex Sanders, entra em detalhes nas especificações dos seus equipamentos quando o assunto é se jogar mata adentro e passar uns dias na natureza selvagem. Antes de qualquer recomendação, ele ressalta a importância da reflexão antes do ato de compra. Talvez eu não tenha encontrado a melhor opção, mas terminei de ler o texto com uma nova perspectiva sobre esse mesmo fogareiro que desisti de comprar.

@willlpaulino // @thenorthfaceBR

É muito fácil entrar em um buraco infinito ao tentarmos decidir a nossa próxima aquisição. O livro certo para aprender uma nova língua, o vestido perfeito para o próximo casamento, o upgrade de celular, o carro novo, as plantas e acessórios novos que nossa casa está precisando, etc.

Para muitos de nós — privilegiados, a quarentena tem sido um grande impulso na direção da economia. Estamos sendo privados de gastar nosso dinheiro com coisas que antes gastávamos sem pensar, por necessidade ou pela demanda do estilo de vida que havíamos criado. Enquanto no passado podíamos justificar nossa falta de compaixão com nosso estilo de vida corrido, nos dias de hoje essas feridas estão um pouco mais expostas.

Para mim, a palavra “compaixão” possui uma conotação intrínseca bem pesada, talvez porque é bastante utilizada por instituições que buscam livrar as pessoas da fome e da pobreza, necessidades humanas básicas que nós como sociedade já deveríamos ter saciado há muito tempo.

A palavra compaixão vem do latim compassio, que por sua vez possui a raiz compatior. Cum é uma preposição que indica companhia, podendo significar “junto com” ou “ao mesmo tempo que”. O verbo patior significa “sofrer” ou “aguentar alguma situação difícil que causa sofrimento.” Fonte

Digo com prioridade que, pelo menos na minha comunidade, eu não conheço ninguém nas situações às quais normalmente vejo a palavra compaixão ligada, mas isso não me deixa satisfeito. Já sabemos que as doenças da mente são um dos maiores males do século 21, e eu acredito que a compaixão também seja fundamental neste meio.

Voltando ao Rex Sanders, essas são algumas de suas perguntas sugeridas ao se deparar com uma decisão de compra:

  • se eu comprar isso, o que eu estou deixando de comprar?
  • esse item me ajudará a fazer coisas que eu não estou fazendo agora?
  • eu realmente preciso do melhor ou há uma segunda opção?
  • eu estou apoiando um negócio que eu gosto e acredito?

Não estou insinuando que, se você está conseguindo economizar, você deve doar todo seu dinheiro restante no fim do mês para alcançar a felicidade genuína, mas que talvez revisitar alguns hábitos de compra provavelmente refletirá de forma positiva num futuro — este ainda incerto.

Ao invés de gastar compulsivamente o dinheiro que, estranhamente, nos tem sobrado; presentear um amigo que não está lidando muito bem com a pandemia, fazer uma ligação um pouco mais demorada, duplicar o pedido no iFood e deixar um deles com o motoboy são apenas alguns exemplos de como podemos melhorar nossa saúde mental em comunidade.

E por falar nisso, esses dias cheguei em casa e encontrei uma orquídea na porta. Não sei quem a deixou lá, e havia somente um bilhete com palavras positivas dizendo para levar o ato adiante. A surpresa do ato me pegou um tanto quanto despreparado e, por um momento, fiquei triste por me surpreender com algo tão positivo.

Talvez com uma perspectiva diferente sobre os nossos hábitos de compra a compaixão se tornará algo menos pesada, mais natural e mais presente no nosso dia a dia. Convenhamos, era mais fácil fechar os olhos para esse tipo de problema quando mal tínhamos tempo de fechar nossos olhos para dormir.

Vivemos em tempos de incerteza e talvez esse clichê nunca foi tão necessário: quando foi a última vez que você fez algo bom pela primeira vez?

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