Morte e vida severina, viva
A água esverdeada do Rio Capibaribe, que corta a cidade do Recife (PE), refletia a forte luz do sol das 9h. O cheiro típico do manguezal quase ardia as narinas, mas Joel, 53 anos, já estava acostumado.
– Bom dia – disse o pescador, esfregando os olhos como se recém tivesse acordado, vestindo apenas um short vermelho com o símbolo do Sport Club Recife, seu time do coração.
Morador de palafita desde que nasceu, Joel Nascimento dos Santos foi acordado pelo som dos Racionais MC’s, que tocava no último volume em uma casebre vizinho. Mas já era hora de trabalhar: a maré estava cheia – o que é perfeito para a pesca. Suas mãos colhem os sururus, siris, ostras e quaisquer crustáceos que deliciam os banhistas de Boa Viagem.
Quando o Capibaribe é generoso, consegue-se tirar R$ 30 por dia. É o suficiente para manter a casa em ordem e preparar um almoço especial nos domingos para a esposa, Maria, a filha, Carolina, e as três sobrinhas, Amanda, Lenice e Elaine.
A casa é simples e muito bem organizada. Do lado de fora, ainda estão as luzes pisca-pisca do Natal; no de dentro, as paredes de madeira esverdeada, da cor do rio, são decoradas com fotos da família impressas em cartazes. A única fonte de luz natural provia da porta.
A maioria dos objetos passaram por gerações, assim como a profissão da pesca. Nascido e crescido na Comunidade do Bode, Joel viu a família crescer e morrer, palafitas proliferarem e desabarem e a maré subir e descer incontáveis vezes.
– Acontece de tudo aqui. Essa casa da frente, ó, desabou na última chuvarada. Já caiu criança nessa água. É complicada a vida da gente, visse? Mas qualquer lugar aí também tá cheio de problema. A gente acaba gostando – diz, evitando olhar nos meus olhos; fitava o barco.
A única coisa que ele não viu, afirma, foi os governos pernambucano e recifense entrarem na comunidade. Menos na corrida eleitoral. E onde o Estado não entra, a população se organiza por conta própria.
– Vida de severino, né, não?