Há vida na rua. E colorida.

Clara Leff, grafiteira, fala um pouco sobre a vida de artista na maior capital brasileira

Gabriel Paes
Fervedouro
6 min readNov 7, 2018

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“Uma coisa que sempre falo: ser artista é um estado da mente.”

É assim que Clara Leff, 21, se descreve como grafiteira. Pintando desde 2015, por influência dos pais, ela conta que o apoio que recebeu foi fundamental:

“Meu pai também pinta, então ele sempre me incentivou muito. Minha mãe também. Eu sempre gostei de grafite, cresci ouvindo hip-hop e rap mas nunca tinha usado spray, até que uma vez, na escola em que eu estudava, o professor sugeriu que alguém desse um workshop de spray. Eu resolvi arriscar, dei um traço bem básico e gostei muito, desde a primeira vez que mexi com lata me apaixonei pela liberdade que o spray dá. É quase uma dança com a parede.”

Foto: Sofia Terçarolli

Depois do primeiro contato, a artista treinou por quase um ano dentro de casa pois não se sentia segura para pintar na rua:

“Antes de começar a pintar na rua eu tinha muito medo de andar na rua, pânico de andar sozinha. Eu comprei uns MDF’s grandões e fui treinando por uns 10 meses nesse material alguns rostos, para pegar uma ideia de escala. Então um amigo meu, Alemão Stencil, do Coletivo da Vila, me convidou para ir pintar lá. Foi a minha primeira pintura na rua e depois não parei mais.”

Clara conta que espantou o medo de sair de casa ao passo que ia se entendendo com a própria arte. Aos poucos, ela foi saindo e percebeu a legitimidade que sua arte impunha nas ruas:

“Eu passei a me sentir segura porque eu sentia que ninguém ia mexer comigo enquanto eu estivesse pintando. Às vezes eu me sinto insegura em alguns lugares, mas nunca me aconteceu nada, realmente ninguém mexe. Já aconteceu de passar um cara que me cantaria, mas ele não me cantou e falou do meu trabalho. Quando estou pintando, costumo pensar que estou protegida por aquela energia, estou fazendo algo que não é só por mim. Vejo como um presente.”

Assim como qualquer outra manifestação cultural, o grafite possui diversas vertentes, como Vandal, Stencil, Bomb, Wildstyle, ThrowUp. Apesar de dividir alguns artistas por conta da nomenclatura, Clara vê o movimento como um todo:

“Existe uma discussão muito grande sobre o que é grafite: tem grafiteiro que acha que grafite é só o que se faz com spray, tem grafiteiro que acha que grafite é só o que faz vandal. Tem várias discussões em cima disso e eu acho que isso vai de cada pessoa, mas para mim grafite é a intervenção que você faz na rua independente do material que você usa e se é autorizado ou não.”

Clara quase sempre consegue autorização para suas obras. Questionada sobre qual era sua maior dificuldade no desenvolvimento do trabalho, ela cita o machismo como um entrave: “Minha maior dificuldade é como mulher, porque em muitos locais eu acabo não conseguindo me concentrar no trabalho porque tenho medo de estar ali sozinha.” Na sociedade em que vivemos, de fato não temos meios de garantir a segurança de qualquer mina nas ruas e é exatamente por isso que lutamos. A conscientização precisa ser feita com as pessoas, principalmente com os opressores e com quem propaga a violência de forma velada.

Mural feito em conjunto com o também artista e namorado, Gatuno.

Há algum tempo, vivemos uma verdadeira guerra à arte iniciada pelo então prefeito, João Dória, que classificou todo o tipo de arte de rua como pichação e considerou crime. O artista Iaco Viana, conhecido por sua marca registrada na tinta e por suas expressões políticas, chegou a ser detido na capital por conta de uma pichação em forma de protesto — ele sabia do risco que corria mas não quis ficar calado.

Uma forma de chamar a atenção para a arte é ir de encontro a quem detém o poder. Depois do entrave com a prefeitura, as atenções se voltaram ao grafite, que se perdeu espaço por um lado, ganhou por outro:

“O grafite está cada vez mais para a elite. Eu sinto que a elite está cada vez mais querendo consumir grafite. Não é mais grafite a partir do ponto que você faz dentro de casa ou numa tela, na minha opinião. O Gatuno, meu namorado, já fez dois trabalhos na IBM. Está cada vez sendo mais aceito nesse meio.”

“Como eu disse, grafite é a intervenção que você faz na rua, independente do material, se é vandal ou não. Tem gente que fala que sou muralista, tem gente que diz que sou grafiteira. Eu me considero grafiteira.”

Sobre sua carreira, ela conta que planeja entrar no mercado de artes em algum momento, principalmente pelas diferenças no processo criativo. Mas reforça que “a rua é meu principal foco, é o que eu mais amo e nunca vou deixar isso, será sempre meu primeiro lugar.”

Suas obras sempre levam uma tonalidade azul, meio esverdeada. É o turquesa que, para Clara, tem um significado que vai além do apreço visual e pode mexer com a vida de quem passa por suas obras:

“Sempre foi a minha cor favorita. Eu sou apaixonada pela psicologia das cores e, pesquisando um pouco, descobri que essa cor representa a purificação, a transformação e condizia muito com o que eu queria passar no meu trabalho e com o que a cidade de São Paulo precisa. Eu vejo que as pessoas se sentem calmas vendo essa cor.”

Sua conexão com a arte é o motor para tanto talento, mas nem todos os dias ela consegue pintar. Clara conta que seu processo criativo é interno e por vezes cruel, pela ânsia de um trabalho bem feito:

“Eu me cobro muito, na técnica, em tudo. Enquanto eu estou pintando, às vezes é uma guerra interna para eu conseguir chegar no estado meditativo. Para mim, arte é um estado mental. É uma meditação. Eu tenho que entrar num estado meditativo para conseguir pintar de fato e, se eu deixo os pensamentos tomarem conta, eu acabo não conseguindo produzir.”

Por fim, ela mostra na prática como a vida de alguém pode mudar a partir do contato com a arte — algo que nos falta muito em meio à correria da maior cidade da América Latina:

“É a coisa que eu mais amo na vida, porque quando eu entro nesse estado mental, me sinto plena. É exatamente a definição de plenitude, eu me sinto completa, não penso na hora, no que, em onde, não penso em nada. Me teletransporto para um lugar que não sei onde é. Não é fácil para mim fazer e não sei se as outras pessoas sentem isso, mas para mim isso é arte. Amo o que faço, é de coração.”

Por fim, recomendamos um vídeo amostral de Graffiti Bomb:

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Gabriel Paes
Fervedouro

Cultivo especial aversão ao homem-de-bem, à família tradicional e ao Brasil que deu certo.