Alemão

Tah-Dah

Reck
Ficção, Contos, etc

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Fazem dois dias que pegamos o caso e não temos nem por onde começar direito. Só de observar a vida que a garota levava, já vi que isso vai dar trabalho. É foda quando uma dessas garotinhas liberais morrem. Os pais geralmente não ligavam para a filha, não se importavam com quem ela transava ou fazia fumaça e ela chegava em casa no dia seguinte sem dar satisfação de onde passou a noite. Ninguém coopera informando algo relevante e eu vou ter que fazer o papel de pai super protetor atrasado.

Durante a abordagem de pessoas mais próximas, uma amiga da vítima disse que a convidou para ir num bar novo no centro no dia do crime, recebendo apenas um “hmm…” como resposta via mensagem de celular. Peguei o endereço e resolvi fazer uma visitinha esperando tropeçar em alguma pista.

Chamar aquilo de bar era modéstia. Era uma casa de show e tanto. Bandas de samba ao vivo, dois palcos e bebidas vendidas em quatro cantos diferentes de um antigo casarão do começo do século passado totalmente reformado mas, obviamente, ainda com o toque retrô. Não só pra agradar essa gente tarada por estética da época das pessoas que elas roubam lugar obrigatório no ônibus. A prefeitura daqui é muito generosa com os impostos dos casarões antigos do centro. Enfim, um tiro certeiro dos proprietários.

Depois de algumas perguntas sem muito sucesso, cheguei à um barman que, segundo seus colegas, estava em expediente no dia do crime. Garoto alto, bonito, barba, alargador, provavelmente com um dos braços fechado por tatuagem. Chuto que ficou só um mês na Chilli Beans por encobrir um amigo que furtou. Deve gostar de flertar com as garotas do local mas beija rapazes. A mãe sabe, o pai só desconfia mas não tem coragem de perguntar. “Tah-Dah” deve ser seu disco preferido do Scissor Sisters mas “Take Your Mama” é a música que ele mais adora. Ainda ama o amigo da Chilli Beans mas esse já está com um coroa professor universitário.

Err… Bem, ele acabou de beijar a japonesa de vestido curto…. mas o braço fechado por tatuagem, essa eu não descarto.

— Você é do tipo popular por aqui, não? — eu disse me aproximando.

— Ela era minha namorada. Veio pra me vigiar. As visitantes novas não me dão folga também — Ele disse se despedindo da japonesa de longe.

— Entendo.

— Vai beber algo?

— Na verdade, quero fazer umas perguntas.

— Não vai por mal, não, fera, mas eu não posso ficar de papo em serviço — disse me virando as costas.

— Quinta-feira provavelmente veio uma garota até aqui. Gostaria que você me ajudasse. — Puxei a foto dela do meu bolso da minha camisa e a deslizei até o garoto.

— Essa garota… essa garota… — ele disse coçando a barba

— Faz um esforço.

— Olha, talvez eu a tenha visto. Mas a minha mente é meio preguiçosa, sabe? Não funciona sem estímulo…

Puxei o meu celular do bolso no momento.

— Perdão, qual é seu nome mesmo? — eu perguntei enquanto mexia no celular.

— Otávio Macedo.

— Hmmm, Otávio… você tem umas fotos interessantes. — Eu disse enquanto passeava pelo álbum dele no facebook.

— Sério? Você tem que ver as fotos das viagens.

— Nossa. Essa na praia merece uma curtida!

— Vai passando. Tem as fotos do luau.

— Verdade. Essa iluminação que a fogueira faz ficou ótima.

— Curte aí também.

— Já curti. E aí… tá lembrando de algo? — o filho da puta não tem tatuagem nos braços.

— Sim, sim… essa garota. Tô começando a lembrar…

— Essa foto no futebol de sabão tá engraçada demais.

— Essa garota…

— Rapaz, cê anda de patins. Merece uma curtida também.

— Eu já vi ela mas ainda não tô lembrando…

— Ah, velho… eu tenho que compartilhar esse seu vídeo.

— Ah, claro. Lembrei! Ela veio sozinha na Quinta. Me deu mole muito rápido, mas cortei ela logo. Ela dançou depois com um cara gringo…. Acho que era alemão, pelo que eu entendi quando ele veio aqui comigo. Cara branco, branco mesmo, loiro e um pouco baixo. Tava com uma camisa florida vermelha muito ridícula. Ele chegou aqui junto com um taxista da cooperativa que fica aqui na esquina. Acho que o apelido do cara é “Testa”.

— Obrigado.

— Me segue no instagram também! — Ele gritou enquanto eu me afastava do balcão.

Foi difícil mas eu finalmente consegui tropeçar em algo. O moleque quase me fez ultrapassar minha cota de curtidas. Tenho que tomar mais cuidado se eu quiser manter a minha reputação de mestre do desinteresse nas redes sociais.

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