Hitomi Tanaka

Os caçadores de Vampiro

Reck
Ficção, Contos, etc

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Recebo uma ligação às 5:30 da manhã. Era o chefe querendo me ver no bar em 30 minutos. Pelo tom dele, parecia que ele queria compartilhar alguma pica que meteram no dele. Encontro com o Matias na entrada do bar. Ele também recebeu uma ligação do chefe dizendo para se encontrar com ele. Parece que, seja lá qual for o serviço que a gente vai fazer, faremos juntos.

— Chegaram o Ryu e o Ken da putaria — disse o chefe em voz alta para nós.

— Fala, chefe. Qual é o motivo da urgência? — eu disse me aproximando da mesa em que o chefe estava.

— Sentem aí que eu vou levar um papo com vocês.

— Pode falar.

— Há uns 20 anos atrás, eu estava aí onde vocês estão. Eu era um garoto faz-tudo ao lado do meu parceiro de trampo, trocando uma ideia com o meu chefe. Um dia, eu fiz merda. Merda braba. Aí, esse meu parceiro, podendo simplesmente se afastar da merda e deixar eu me foder sozinho, me ajudou a apagar o fogo. Eu fiquei devendo uma pra ele. Bem, eu sou um homem de palavra. Demorou, mas essa dívida terá que ser paga hoje. O filho desse meu antigo amigo se meteu num problema sem tamanho. Montenegro quer a cabeça do garoto. O cara que é dono de metade dessa cidade. Vocês sabem o que isso significa? Que todo mundo tá atrás desse moleque. Pessoal que foi favorecido pelo Montenegro de alguma forma tão atrás desse moleque. Parte da polícia deve estar atrás desse moleque. Até nós estamos atrás da cabeça desse moleque pelo que o próprio Montenegro me disse ao telefone essa madrugada. Enfim, o pobre coitado tá na pica do Jaspion.

—Qual é o esquema então?

— Nesse momento, não tem buraco por onde o garoto saia tranquilamente. Deve ter nego na rodoviária, no aeroporto, etc… Pessoas próximas dele devem estar sendo vigiadas também. É aí que vocês entram. Vocês pegam o carro do Seu Jair aí da frente e vão até esse endereço onde o garoto tá ilhado— o chefe disse arrastando um pedaço de papel em nossa direção — depois vocês vão ao endereço que tá no verso do papel. É onde fica o Houdini que vai dar sumiço no moleque. Tirar ele da cidade com segurança. Ninguém pode ficar sabendo disso pois, caso alguém pergunte, também estamos caçando o garoto pro Montenegro. Posso contar com vocês pra essa missão?

— Tá na mão. Mas qual é o nome do garoto?

— É mesmo… esqueci de perguntar o nome dele para o pai. Mas o Montenegro chama ele de “Vampiro”. É isso. Tomem cuidado.

Ao sair do bar, logo nos deparamos com o Seu Jair conversando com outros taxistas do outro lado da rua. Avisamos que o chefe deu um serviço e que íamos pegar o taxi emprestado.

— Vocês também estão atrás do tal de Vampiro que o Montenegro quer pegar? — Seu Jair pergunta quando entramos no carro.

— O chefe nos falou desse aí. Mas vamos fazer um outro serviço antes e depois nos juntamos ao pessoal pra pegar ele.

— Tão falando por aí que até o Apache tá atrás dele! Enfim, boa viagem, garotos. Olha, o porta-mala do carro tá com defeito e não tranca direito. Tomem cuidado com isso.

Pegamos o carro e seguimos em direção ao tal Vampiro.

— Quem é esse tal de Apache que o Seu Jair falou? — Eu perguntei pro Matias enquanto dirigia o carro.

— Putz, é mesmo… Você tá há poucos anos nessa cidade. Bem, o Apache é das antigas… E é isso. Um cara das antigas que faz serviço sujo. Percebe o quanto isso é errado? Nesse serviço, depois de tanto tempo, ou você se aposenta, ou você evolui e consegue ser dono de alguma merda nessa porra de cidade, ou você morre. Mas esse cara… Ele ainda tá por aí…

— E é só isso? Um velho que faz serviço sujo?

— Não, cara. Esse coroa tem história nessa cidade. Mas não dá pra saber até que ponto as coisas são reais ou pura lenda.

Chegamos ao ponto indicado no primeiro endereço. No papel também tinha um telefone para ligar assim que chegarmos para avisar o fugitivo. Pego o meu celular e ligo. Quando estava quase dando caixa postal, alguém atende:

— Alô?

— Somos a carona. Estamos aqui em frente.

— Eu sei. Tô vendo vocês. Mas como posso saber que vocês são de confiança?

— Sei lá.

— Qual seu personagem favorito de Cowboy Bebop?

— O dog.

— O portão tá aberto. Podem subir — ele diz e desliga o telefone.

A casa era uma bagunça, mas uma bagunça com certa lógica. Dava pra ver que, quem morava aqui, tinha aquela mania de acumular coisas. Tinha pilha de revistas velhas, pilha de vasilhas de plástico, pilha de eletrônicos velhos…

Entramos na cozinha e nos deparamos com a nossa encomenda. Não devia ter mais de 20 anos, cabelão desarrumado, bigode até onde os poucos hormônios deixavam crescer, vestia só uma camiseta sem manga e bermuda. Engraçado pois a cara dele era a de quem a maior encrenca em que conseguiria se meter na vida era não conseguir pagar o fornecedor de maconha, mas aí estava ele sendo caçado pelo Final Boss da cidade. Estava comendo um lanchão nervoso bem famoso nessa região da cidade.

— Esse é o sandubão do Shinobi? — o Matias perguntou.

— O próprio — ele diz mastigando.

— Você saiu pra comprar?

— Não. Eu pedi e entregaram aqui.

— Peraí… Você tá sendo caçado por dezenas de caras nesse momento na cidade inteira e você, mesmo assim, pediu pra entregarem um sadubão em domicílio no seu esconderijo?

— Qual é o problema? É só o cara das entregas.

Perguntamos o nome dele mas ele só disse que queria ser chamado de Vampiro mesmo. Não deu nenhum detalhe da treta que ocorreu pro Montenegro estar atrás dele e também não faz ideia de qual é o destino dele depois de chegar no próximo ponto em que iríamos.

— Vocês estão armados? — o Vampiro pergunta.

— Viu o carro lá fora, né? Somos do taxi. Nosso trampo é levar alguém do ponto A ao ponto B. Não atiramos em ninguém — eu respondo.

— Cês que sabem…

— Vamos indo então.

— Vamo com calma. A gente tem que ter certeza que tá seguro, certo? Desçam e chequem se tá tudo bem. Façam sinal lá da rua se tiver tudo seguro que eu desço depois.

Quando estávamos descendo, percebo alguém encostado no nosso carro. Cara velho, óculos escuros, usava uma jaqueta de couro, relógio de ouro e um chapéu de cowboy.

Ele calmamente puxa uma pistola automática da jaqueta e diz “entrem”. Subimos novamente com o velho atrás apontando a arma para nós. Na escada, eu só rezava para que o moleque do sanduba tivesse visto isso e se escondesse bem. Enquanto o velho checava rápido os cômodos sem deixar de apontar a pistola para nós, Matias olha pra mim e mexe os lábios sem falar.

“Apache”

A cozinha estava vazia. Onde o moleque se meteu?

Enquanto o velho continuava verificando a casa, eu pensava “Em que momento ele chegou? Ele viu a gente chegando? Viu a gente falando no celular? Ele suspeita que a gente está ajudando o garoto?”. Ele volta pra cozinha e diz:

— OK. Desembuchem.

— Somos do pessoal do Palheta. Ele enviou a gente pra cá e estávamos verificando a casa — eu disse.

— Algum sinal do garoto?

— Dá pra ver que ninguém mora aqui mas a casa tem sinais de que foi usada bem recentemente. Talvez o garoto já tenha saído.

Ele fica mais um tempinho nos encarando com a arma apontada para nós até que ele relaxa, guarda a arma e diz “beleza”. Percebo que a janela da sala, anteriormente fechada, estava aberta. O garoto deve ter fugido por ela enquanto a gente subia as escadas. Depois de uma última olhada na casa inteira, nós três descemos.

Um carro sai da esquina e para na rua em que estávamos. O Apache vai até a janela e troca poucas palavras com o motorista, depois volta em nossa direção.

— Onde vocês vão? — o coroa pergunta.

— Estamos indo até a zona portuária — eu disse inventando algum destino para continuar as buscas.

— O sujeito que me trouxe vai ficar aqui de vigia caso o garoto volte. Vou com vocês de carona até lá. De lá, eu me viro. — o velho disse já entrando no banco de trás, sem nos dar chance de escolha.

Eu tiro uma caixa com pastas, coisa do Seu Jair que estava lá, e vou colocar no porta-mala para o coroa se acomodar melhor no banco. Quando abro o porta-mala, eis que o Vampiro estava lá, fazendo sinal de silêncio com o dedo e com uma cara bem desesperada. Dou uma leve risada, de quem não sabe se isso era ótimo por conta do trabalho ou péssimo para os nossos pescoços, e fecho o porta-mala. “Nada mais natural do que um garoto chamado ‘Vampiro’ ser caçado por um sujeito que parece o próprio Van Helsing” eu pensei.

Entramos todos no carro e seguimos viagem.

O silêncio no carro me matava pois eu era sufocado pelos meus pensamentos que diziam que tudo aquilo ia dar merda. Mesmo não parecendo uma boa ideia, puxei papo com o coroa.

— Por que Apache? — Eu pergunto recebendo logo em seguida um leve olhar de “você não devia ter feito isso” do Matias.

— Apache é um índio, né? Isso… Isso foi um equívoco. Tinha um sujeito que me contratava para uns serviços que pedia o escalpo dos caras que eu executava. Digo, não fui eu quem inventou isso de tirar escalpo, sabe? Era o cara que pedia. Ele é quem deveria se chamar Apache. Eu não sinto prazer em tirar o couro cabeludo de ninguém.

Cortamos caminho por uma estrada que é um “atalho relativo”. Caminho mais curto, mas é cheia de buracos, então não é muito movimentada. No meio da viagem, avistamos um carro na beira da estrada. Era a polícia. Dois policiais fizeram sinal para parar enquanto um terceiro continuava no carro. Apache, no banco traseiro, coça o queixo e diz “podem parar”. Diminuo o carro e um dos policiais se aproxima:

— Onde vocês estão indo? — pergunta o policial encostado na janela esquerda do nosso carro para mim.

— Estamos levando esse senhor aqui atrás à zona portuária — eu respondo.

— Saiam do carro os três.

Um dos policiais me revista e, logo em seguida, revista o Matias. Quando ele ia revistar o Apache, o único de nós três que estava armado, o policial que continuava no carro disse aos outros dois policiais “Esses dois parecem velhos para ser o tal Vampiro. Olha no grupo do celular que tem a foto dele. Ele tem uns 18 anos”

— Opa, vocês estão atrás do cara que o Montenegro quer pegar também, certo? Recebemos ordem para caçar ele. Estamos indo agora na zona portuária ver se encontramos algo — eu disse aos policiais tentando resolver qualquer mal entendido.

Trocamos informações sobre os locais que buscamos o garoto e sobre possíveis esconderijos em que ele poderia estar. Quando tudo parecia resolvido, o oficial que estava no carro da polícia sai de lá e diz em tom bem alto “Apache…”.

O policial se aproxima de nós apontando a arma para o Apache.

— Que porra é essa Davi? — o policial que me parou pergunta.

— Meu velho foi assassinado, sabe? Nunca encontraram o culpado. Sabe o que fizeram com o corpo do meu pai quando o mataram? Tiraram o escalpo dele. Eu nunca te vi pessoalmente, mas já vi uma foto sua. E aqui estamos nós, Apache — ele diz apontando o revólver no rosto do coroa.

O policial manda o Apache levantar as mãos. Ele levanta lentamente sem mostrar resistência ou qualquer reação à abordagem do oficial. Os outros dois policiais derrubam eu e o Matias no chão.

Depois de algemar o Matias, o policial deixa de me algemar e corre até o tal Davi para tentar acalmar ele para que ele não descarregue o revólver no Apache, que apenas continuava calado com as mãos para o alto. Tento me levantar para amenizar as partes de alguma forma mas o policial diz para eu ficar abaixado.

Ouvimos o barulho de um porta-mala se abrindo. Sem percebemos, o terceiro policial foi checar nosso carro. Ele então grita:

Puta que pariu! É o Vampiro!

Nesse pequeno momento em que os dois policiais olham para o carro do Seu Jair, Apache sai da direção do revólver, rapidamente puxa a pistola da sua jaqueta e acerta dois tiros na cabeça do Davi e um na cabeça do outro policial ao lado dele praticamente no mesmo instante, disparando outros três tiros contra o policial que achou o moleque logo em seguida, mas nenhum pegando nele. O policial sobrevivente corre abaixado até o carro da polícia enquanto o Apache descarregava o resto do pente em sua direção. Enquanto o Apache recarregava a pistola, o policial pega uma escopeta na viatura e dá um tiro às cegas em nossa direção, se protegendo logo em seguida. Matias, com os braços ainda algemados, rasteja em direção ao mato enquanto eu faço o mesmo na direção oposta. Penso em correr, mas qualquer movimento nessa situação atrairia tiros sem pensar duas vezes.

Quando o policial sobrevivente põe o pé pra fora da viatura, o Apache acerta dois tiros no pé dele por baixo do carro. Desesperado, o policial dá dois tiros por baixo do carro também. Ao ver uma sombra o cobrindo, o policial olha para cima e vê Apache em cima da viatura. Apache acerta uns três ou quatro tiros no último policial que nem teve tempo de reagir.

Tentei fugir quando percebi que a poeira baixou mas escuto um novo tiro. Olho para trás e Apache estava apontando a arma em minha direção. Me aproximo da beira da estrada com as mãos para o alto. Apache se aproxima e me dá uma coronhada no rosto, me derrubando. Ele me levanta com uma mão pelos cabelos e aponta a pistola na minha cara dizendo:

— Essa merda toda aqui é culpa de vocês. Vocês foderam com tudo e eu vou foder vocês.

Um som de carro tentando ligar nos toma a atenção. Era o Vampiro tentando fugir no carro do Seu Jair, mas o carro não pegava. Apache se vira em direção ao carro e corre até ele para tentar pará-lo. Rapidamente pego o revólver do policial Davi que estava no chão e grito:

— NÃO SE MEXE, COROA! Nem um único movimento ou eu atiro!

— O que acha do meu chapéu, garoto? — o Apache diz calmamente de costas para mim a 5 metros de onde eu estava.

— Larga a arma, Apache!

— Vocês garotos devem achar ridículo, né? Um coroa usando chapéu de cowboy…

— Larga a porra da arma!!!

— Mas… pensa comigo. Não seria a coisa mais sincera do mundo um filho de Deus que dedicou uma vida inteira a ter a mira e reflexos afiados usar um chapéu de cowboy?

O Vampiro consegue ligar o carro e canta o pneu. Nesse mesmo instante, achando que o som havia me distraído, Apache se vira rapidamente, mais rapidamente do que eu achei que ele se moveria e atira na exata direção onde eu estava, na altura do peito… se eu estivesse em pé. Eu, bem agachado já esperando ele fazer isso, dou dois tiros no peito dele, que cai no chão.

O Vampiro me vê sendo o único em pé pelo retrovisor e volta com o carro.

— Olha essa merda. Como a gente vai se livrar de tudo isso? — o Vampiro diz ao ver os corpos dos policiais.

— Não vamos. O Apache fez isso. Nosso único pecado aqui é o Apache. Vamos colocar ele no porta-mala e vazar.

Pego a chave de um dos policiais e tiro as algemas do Matias. Ele diz:

— Cara, você matou o Apache! O cara mais mortal da cidade. Sabe o que isso significa? Isso faz de você o cara mais mortal da cidade a partir de agora! Uma pena que ninguém pode saber disso senão te espancariam por encobrir o Vampiro.

Eu e o Vampiro colocamos o corpo do Apache no porta-malas.

— Entra aí também — eu digo pro Vampiro.

— Tá de zoeira? Eu não vou viajar encochando um defunto — ele diz.

— Puta que las caraiba. Cê quer arriscar ser visto de novo? Não acha que já chega de confusão?

Ele concorda e entra no porta-mala.

Seguimos viagem até a fuga do Vampiro. Paramos na beira do rio para se livrar da pistola do Apache e o revólver do Davi, que tinham as minhas digitais.

Chegando no último ponto, procuramos um tal de Cachimbão. Era um velho mal encarado dono de barco. Provavelmente nem sabia o que tava rolando na cidade olhando pro local onde ele morava, tão distante de tudo. Ele vê o Vampiro saindo do porta-mala com a camisa manchada de sangue do Apache. Felizmente ele tem cara de quem não faz perguntas, o que não era o nosso caso.

— Peraí…Você não vai embora sem contar o que tá acontecendo, né? Por que o Montenegro quer te matar? — eu pergunto.

— Isso? Err… Bem, eu transei com a amante dele.

— Só isso? Digo, esse cara tem várias amantes até onde sei. Tudo isso por causa de mulher?

— Louco, né? Sei lá. Ela deveria ser a preferida dele… Realmente, ela deveria ser a preferida. Uma japinha peituda linda demais. Parecia a Hitomi Tanaka. Enfim… adeus.

O barco se afastava mas o nosso dia ainda não tinha acabado.

— Bem, tenho um pacote para me livrar agora — eu disse para o Matias enquanto entrava no carro.

— Vou com você.

— Sério? Não precisa se envolver nisso. Eu matei ele sozinho.

— Isso é trabalho pra dois. Não vou te deixar na mão.

— Haha… tô te devendo uma.

— Tá mesmo. E eu vou cobrar.

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