Sucesso (S01 E03)

Laion Azeredo Silva
FICÇÕES POR MINUTO
5 min readDec 3, 2015

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O topo. Você já esteve lá?

Eu já. Na verdade, estou lá agora.

Sou sócio presidente de uma das maiores firmas de advocacia da América Latina. Tenho 6 imóveis residenciais em endereços nobres de diversas cidades brasileiras, 40 imóveis comerciais em diversos países do mundo, participação acionária relevante em pelo menos 10 grandes corporações. Tenho uma coleção de Aston Martins — sim, tenho o DB5, aquele clássico do filme GoldFinger do 007.

Possuo dois iates de mais de 120 pés, um em Angra dos Reis e outro em Cote d’azur, um jatinho à minha disposição, belas e caras obras de arte em minha residência principal.

Tenho fotos com políticos, celebridades e empresários de relevo. Tenho até mesmo um autógrafo do Obama.

Você já deve ter percebido que sou rico para cacete, falando em bom português. Ficou com invejinha? Queria estar na minha situação? Queria ter tudo o que tenho?

Você deve estar pensando “Ah, fulano deve ter uma família de merda. Deve bater na mulher e ter filhos drogados”. Claro, alguma coisa tem de estar errado, não é mesmo?

Pois bem. Tenho uma esposa maravilhosa, linda, empresária de sucesso do ramo de cosméticos. Um par de filhos que só me dão orgulho.

O menino é cirurgião em Berkeley, na Califórnia. A menina faz parte do Médicos Sem Fronteiras. Está na Síria agora, cuidando das crianças de zona de conflito. Isso me deixa preocupado, é óbvio. Mas é a vocação dela. Fazer o que?

Até meus cães são fora de série. Você jamais chegará tão no topo quanto eu estou. Esforce-se o quanto quiser. Todas as minhas ambições se realizaram. Sabe sonho de juventude? Viagens, carros, mulheres…dei check em todos.

Depois de ouvir isso tudo, eu gostaria da sua opinião sincera. Sei que não nos conhecemos. Se não quiser falar, ok, eu entendo.

O que você acha deste enigma: Como um homem sadio de 56 anos bem vividos e que possui tudo o que sempre quis pode estar extremamente infeliz?

Porque eu quero me matar?

Você pode me ajudar?

A sua resposta me ajudará a decidir se me jogo deste prédio ou não. Minha vida está em suas mãos.

Desculpe te colocar em uma situação tão desconfortável assim. É um péssimo jeito de me introduzir. Mas você é a única pessoa com quem posso conversar agora.

Não quero falar com nenhum funcionário.

Não posso acionar minha família para discutir meu suicídio.

Os únicos clientes na firma no prédio neste momento são um casal que veio assinar os papéis do divórcio. O cara parece que é gringo. Escocês ou inglês, pelo que entendi. Estão discutindo. Não pude interrompê-los

Divórcio são sempre uma merda. Você começa a desrespeitar e a chantagear emocionalmente uma pessoa que poucos dias antes jurava amor eterno. Estou divagando.

Enfim, voltando à nossa conversa.

Antes de me responder porque estou infeliz, imagino que você precise de alguns dados. Algum histórico. Os terapeutas chamam isso de anamnese. É tipo estabelecer o histórico do maluco que deita no divã.

Vamos lá então.

Sou de uma tradicional família judaica aqui de São Paulo. Nasci rico. Fui criado para ser mais rico ainda. Melhores escolas, melhores ambientes, melhores companhias.

Meus pais eram perfeitos. Amorosos, bondosos, felizes no casamento. Sendo eu filho único, sempre buscavam me agradar em tudo. Eu estalava os dedos e voilà, aparecia em minha frente o que eu pensava.

Eu era religioso praticante, frequentava a sinagoga sempre que podia e cheguei a pensar em seguir a carreira religiosa. Quem diria que anos depois eu renegaria Adonai[1] e qualquer outro mito desses. A vida é engraçada, não é?

Não vou tomar muito mais do seu tempo. Em termos bastante resumidos, minha vida seguiu mais ou menos nesse ritmo. Eu pensava em algo, desejava algo e então conseguia.

Isso serviu para estudos — estudei direito na Inglaterra, Brasil e Itália, sempre com bolsas meritórias — na carreira e até mesmo no amor.

E aí reside meu problema. É tudo perfeito demais.

Sim, sei o que está pensando: “Que babaca este cara, reclamando de tudo ser perfeito demais enquanto eu me fodo todos os dias no transporte público para trabalhar 8 horas por dia e ganhar um salário de fome”. Você tem todo o direito de pensar assim. Tenho White men problems. Mas não vá embora ainda.

Ponha-se no meu lugar.

Você nunca esteve no topo, assim como eu nunca estive onde você está. Calce meus sapatos por um minuto. Pense em tudo sendo perfeito, tudo dando sempre certo.

Legal, ?

Agora acelere 56 anos. Viva isso sempre, todos os dias. Não há desafios. Não há imprevistos. Não há riscos. NÃO HÁ EMOÇÃO!

Você está começando a entender agora?

De que adianta viver se nada de extraordinário acontece. Se nada se perde, se nada dá errado. A vida é previsível, pacata demais.

Desafios são fundamentais para a vida fazer sentido. A minha perdeu o dela. Não aguento mais esse conto de fadas, essa redoma.

Meu coração parou de bater há muitos anos, pois não tenho emoções. Estou apenas movimentando um corpo sem alma. Eliminarei este fardo desnecessário.

Minha mulher e filhos não me perdoarão. Mas os faria infelizes se permanecesse vazio ao seu lado.

A graça da vida está no viver. Viver é diversidade, risco, desafio, restrição.

Quando você não tem nenhuma restrição, nada lhe parece interessante.

No momento em que você pode tudo, a única coisa que deseja é o nada.

Você pode pensar que o ser humano está sempre insatisfeito e fica em busca do que não tem. Nós buscamos a infelicidade, nos alimentamos dela e precisamos dela para viver.

Pode ser. Quem sabe. Mas não quero saber de metafísica agora.

Quero que você me responda. No meu lugar, o que você faria?

Não seria melhor acabar com essa palhaçada logo?

Quer mais tempo para pensar?

Ah, quer saber. Não vou esperar você pensar. Vou resolver logo isso.

Estou subindo lá para o terraço. A vista de São Paulo a 40 andares de altura é linda. Imagina em queda livre em direção ao asfalto da Avenida Paulista.

Quer me acompanhar?

Acompanhe o desfecho da decisão dele no próximo texto

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[1] Uma das formas pelas quais os judeus se referem a Deus.

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