O Guia Autêntico: aprenda a lidar com quem quer cometer suicídio

lana kantor
ficabem
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7 min readNov 10, 2016

Pre-PS.: Título intencionalmente presunçoso de internet. Até os suicidas tem algum tipo de humor.

Trigger Warning/Aviso de conteúdo sensível: Suicídio. O conteúdo não tem nada gráfico, mas se você não se sente bem ao ler sobre o tema, clique aqui.

“Fica bem não é uma ordem. É um processo”. É o que tento repetir para sair da cama, motivada pela fome do meu animal de estimação e a ajuda financeira que envio para minha mãe.

Afinal, eu teria que repetir isso, certo? Como uma espécie de guru local sobre depressão e suicídio desde meu primeiro trabalho na faculdade — análise de cartas suicidas — até meu TCC, o › fica bem, que já atendeu mais de 100 pessoas em momentos de crise, e seis anos de experiência em odiar a minha própria pele deveriam ter me ensinado algo o suficiente para escrever esse texto.

Céus, eu estampei a capa de uma revista de circulação municipal sobre o assunto. Como eu admito agora que quero morrer de novo?

O que me traz aqui?

Assalto. 2x desemprego, que devo esclarecer que foram pedidos de demissão de locais abusivos, para manter o que restou da minha reputação profissional. Celular quebrado. Aniversário não comemorado. Vomitar de tantos freelas simultâneos. Visita da sogra. Término de relacionamento. Mudança. Abrir dois detergentes ao mesmo tempo sem querer. Ter meu fone de R$ 100 devorado pela minha cachorra. Trump venceu. Em um mês.

Seria o suficiente para retomar minha receita de Rivotril. Mas, como o senso de autopreservação nunca foi meu forte, abandonei todos os remédios e durmo sozinha com três garrafas de cerveja em uma cama de casal.

Falo abertamente sobre querer morrer. Envio dados bancários, peço para que cuidem do meu animal, deleto as redes sociais e deixo de comer. Minha experiência humana chegou ao fim. Regular, classe média e irrelevante, eu diria.

Mas por que você não segue seus próprios conselhos?

Depois de falar com mais de 50 pessoas diretamente sobre assuntos delicados como esse, você se pergunta qual a diferença entre o seu quadro e o dos outros.

Tudo o que escrevi é genuíno, leio mensagens às 05h da manhã, choro junto e espero que tenha feito alguma diferença. Algumas vezes até verifico se a pessoa melhorou mesmo no Facebook.

Não que eu não acredite no que escrevo ou dê conselhos genéricos de "vai ficar tudo bem" — ninguém quer ouvir isso. Mas não consigo ser gentil comigo mesma como sou com os outros.

Pedidos de ajuda (sim, estamos nos aproximando do objetivo do título)

Todas as pessoas mais próximas que sabiam do meu quadro indicaram imediatamente ajuda psicológica. Meu ex-namorado implorou para que eu fosse, contatou todos os meus amigos e interfonava para ver se eu estava viva.

A questão é que há um certo nível de descrença que não é facilmente vencido com "vou com você". A minha existência tornou-se tão insignificante que não acredito em possibilidades de melhora e se fosse, tentaria simular algo para ser dispensada e que fizesse com que o profissional não estivesse perdendo tempo.

Por quê?

“Eu sei mais do que você”

Pessoas com depressão e tendências suicidas conseguem, no máximo, bater na caixa craniana com seus próprios pensamentos. Sim, nós ficamos egoístas. E particularmente, passo muito mais tempo pensando na liquidez da existência do que no que eu vou almoçar ou como você pode me ajudar.

Inclusive, se você for muito doce comigo, eu vou me sentir culpada.

Pergunte à caixa do supermercado que teve que me amparar porque disse que eu era bonita. Eu não consigo ser bonita, eu nem sei se valor estético importa pra mim agora, não me reconheço no espelho.

Então quando você diz que vai ficar tudo bem, eu não acredito. Mas quando você diz que me ama e quer que eu viva, mesmo por culpa, vou tentar mais um dia.

Muitas vezes não tentamos por nós mesmos, ficamos vivos pelos outros até acharmos qualquer sinal de amor próprio.

Esteja disponível e atento

Imagino que não tenha sido legal para minha mãe de 56 anos que mora a 600 km de mim, receber uma ligação às 03h da manhã falando que eu ia me matar. Inclusive, deve ser horrível.

Acho que nunca vou me perdoar por fazer com que ela passe por isso e aceite a faixa de Ovelha Negra da Família com esse mérito. Mas nunca vou conseguir agradecer o suficiente por ela ter atendido.

Pedi para que ela não viesse, eu me sentiria pior com a companhia. Sufocada, eu diria. Ela assentiu.

Passei a receber mensagens de bom dia, GIFs animados (nem eu sei fazer isso no WhatsApp) e corações, somados a uma estratégia inventiva de verificar se eu estava viva pela atividade no Instagram.

Pessoas vieram à minha casa, me trouxeram empada, bolo, companhia, outros assuntos. Demarcaram sua presença quando tiveram medo que eu fosse embora, e agora me marcam em cachorros engraçados em grupos.

Comportamento errático

Do início do ano pra cá, mudei duas vezes de casa, joguei quantidades ilegais de água oxigenada de 40 volumes na cabeça, voltei a beber com remédios, comprei uma Sheepdog que já chegou na casa dos 20 kg e que me dá orgulho, mas um rastro de culpa por saber muito bem que eu poderia ter adotado um cachorro que pode ainda estar vagando por aí. Não tenho saúde financeira para pagar meu aluguel. Passo batom pra ir pra padaria.

Evidências da existência de Tonks, a animal.

Essas mudanças drásticas não serão justificadas, e não encontrarão seu equilíbrio agora. Então não insistam em "consertar minha vida". Eu não preciso de soluções, preciso de espaço e de um abraço eventual.

Se você tentar corrigir algo agora, o máximo que vai conseguir é um "depois eu vejo isso". É como se a sua mãe entrasse no seu quarto, prestes a ser interditado pela vigilância sanitária e você não conseguisse achar seu chinchila que esqueceu no armário há cerca de um mês e batesse a porta bufando.

Não é sobre você, é sobre mim

Sei que vocês estão preocupados. Mas lembra? Eu quero morrer e me afastar de todos os laços (ponto pro Durkheim). Por favor, não se sintam ofendidos. O que mais me causaria dor é lembrar que estou causando dor aos outros quando quero deixar de existir.

Então podemos preservar um pouco de espaço e conversar sobre trivialidades da vida, prometo que vou tentar deixar as nuvens cinzas só sob a minha cabeça.

Ninguém é tão forte quanto pensa

Veja, eu assinei Capricho entre os 14 e 15 anos, antes das editorias Girl Power. Sou filha de um casamento falido. Sou uma feminista de internet.

Namorar comigo é um bom negócio. Não vou medir esforços para que você seja feliz, há um viés budista nisso, mas há apego e a necessidade de ser aceita.

Você não daria seu iPod Touch para seu segundo namorado de Natal quando ganha R$ 700, gastou tudo para vê-lo em outro estado e ouvir que você é difícil de ser amada? Ou incentivaria que a pessoa continuasse todos os seus planos que simplesmente te excluíram porque é isso que a faria feliz?

Não sei o que me move em direção a essas decisões que se fossem genuinamente altruístas, não me fariam sentir como um fantasma esquisito que habitou a vida dessas pessoas.

A verdade é que eu quero me vingar dos meus problemas estruturais tendo uma família culturalmente avançada, em que nós vamos nos reunir para ler e interpretar Virginia Woolf antes de dormir. Nossa casa vai ter planta aberta e nossos filhos não precisarão sair do armário, pois não há um.

Ninguém precisa corresponder a essas expectativas, mas não há necessidade alguma de pisar nos meus sonhos repentinamente.

Quando esses planos quebram, anualmente, segundo estatísticas pessoais, eu perco vestígios de autoestima, tento encontrar meus erros, e me sinto tão, mas tão burra. Nós fizemos um tratado para não sofrer por macho, certo?

Então quando você me ajuda, eu entendo sua raiva, sua inconformidade, o fato de que você vê tanta beleza em mim e acha um desperdício que eu considere descartar tudo isso com facilidade. Esses sentimentos também deveriam também ser meus.

Mas entenda que eu não sou forte o suficiente para sair melhor que isso, eu vou tatear pela culpa e pelo o que eu fiz de errado por muito tempo.

Eu leio os textos, eu deveria me sentir livre, bonita, pronta para viver outras coisas, no máximo sofrer a la Bridget Jones por uma semana.

Essas coisas me marcam, eu tenho medo de morrer sozinha, perguntei se as pessoas achariam bobo se eu fizesse uma escova para me sentir bonita.

A conjuntura me fez fraca.

O que fazer agora?

Não olhe pra mim. Estou na terceira cerveja e minha cama tem tanta migalha que quando eu deito é quase uma esfoliação. Veja, eu não posso garantir que tudo vai ficar bem nem que vamos seguir da forma mais saudável possível.

Se algum profissional te garantir isso, duvide ou me apresente. E se você se sente tão irrelevante quanto eu, um dia a mais não vai ser tão custoso.

Até lá, arranje algo que te prenda, um plano pra amanhã. Espero te ver lá.

(To be or not to be is not the question anymore. For everything else, Tobias Fünke: https://www.youtube.com/watch?v=XBPpbTTm83o)

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