é só pra quem é.

Carol Gazzi
ficaprocafe

--

Meus avós vieram pro Brasil ainda novos e escolheram crescer aqui as raízes da nossa família. Eles voltaram pro seu país uma única vez desde então, mas nunca deixaram algumas tradições morrer — do misturado sotaque a delícias da cozinha.

Além de todas as facilidades burocráticas, eu coloquei na cabeça que queria minha cidadania para honrar toda essa história e permitir que nossas próximas gerações pudessem se conectar com meus avós quando eles já não estivessem aqui.

Depois de anos de trâmites burocráticos, me vejo na frente da atendente do consulado, com um envelope cheio de documentos e histórias de vida. Em algum momento da conversa, o assunto adoção surge e eu pergunto se o processo é o mesmo para filhos adotivos. “- Você é adotiva?” “- Sim, sou”. Aquele olhar, ah.. aquele olhar carregado de preconceitos. Ela para tudo que está fazendo, seus olhos me encaram quase que com nojo (é forte, mas é verdade). Ela entra e não volta. Uma eternidade suficiente para eu me arrepender de ter perguntando. Mas por que tenho sempre que esconder? É parte de mim, assim como toda a história que ela está prestes a desmerecer.

Ela volta. “Cidadania é só pra quem é de sangue.”

Chorei como nunca (sr. taxista que me levou embora: estou bem, estou viva, me desculpa por deixa-lo sem saber o que fazer!). Tudo era simbólico: o envelope com mais de 50 anos de histórias, o frio na barriga esperando minha vez de ser chamada e o soco no estômago dentro de um lugar como esse, que mexe todos os dias com um dos sentimentos mais procurados da humanidade: o pertencimento.

E o mundo é cheio de é só pra quem é: é só pra quem é branco, é só pra quem é hetero, é só pra quem é…, é só pra quem é…, é só pra quem é….

Na verdade, deveria ser só pra quem é cheio de muita história pra contar por trás dessas palavras que te reduzem, que te classificam como caixas e que limitam sua identidade a um detalhe que não te deixa pertencer.

--

--