As novelas da primeira metade de 2014

Após um período irregular, o gênero tenta se reinventar com cada vez menos audiência — fica a expectativa para Império e O Rebu, que estreiam neste mês

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

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O primeiro semestre de 2014 já passou e, com ele, muitas produções na TV. Entre grandes acertos e grandes decepções, o período foi fértil ao apresentar apostas arriscadas ou produtos melhor embalados, com fotografia e direções mais afinadas com os novos tempos. Por outro lado, ainda houve a aposta no convencional, afetando a audiência e a qualidade.

Tivemos o término de boas produções, como Joia Rara e Além do Horizonte. As duas produções da Rede Globo, das faixas das seis e das sete, respectivamente, não tiveram grandes audiências. Joia Rara pegou forte na fotografia e na direção de arte, enquanto a trama pareceu arrastar-se na reta final. Além do Horizonte buscou subverter o padrão imposto no horário, apostando numa trama de mistério em detrimento das (por vezes insossas) comédias românticas do horário. É a menor audiência do horário, mas abriu o caminho para novos temas e tirar de uma vez por todas os rótulos, que hoje não fazem sentido algum com a internet à disposição da maioria da população.

Na principal faixa da emissora, a das nove, Amor à Vida ganhou fôlego na reta final com a expectativa em torno do beijo gay entre Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). A trama capenga, didática, com história questionável, se segurou no talento de Solano, que carregou a novela nas costas.

No entanto, quem melhor apresentou e finalizou um produto foi a Record, com Pecado Mortal. Não considero exagero dizer que é uma das melhores — se não a melhor — novela exibida nos últimos 20 anos. A estreia de Carlos Lombardi na emissora — saído da Globo após mais de 30 anos — foi certeira, apesar da baixa audiência: é a menor desde a retomada da Record nas novelas, em 2004. Nem por isso a trama perdeu qualidade. O texto, ágil, ácido e preciso deram o tom, além de uma história interessante: a transição do jogo do bicho para o tráfico de drogas nos morros cariocas na década de 1970. Quem perdeu, meus pêsames. Entretenimento da melhor qualidade, mesmo com a repetição de tipos comuns nas novelas do autor.

A estréia de Meu Pedacinho de Chão às seis, na Globo, fez com que uma discussão fosse pertinente. Ainda é possível reinventar o gênero novela, sem que este perca suas características. Essa talvez seja a primeira novela de um diretor, já que o gênero tem o autor como comandante principal. Luiz Fernando Carvalho imprime seu estilo com mão pesada, e o texto rico de Benedito Ruy Barbosa (autor da novela original de 1977 e do remake) ganha ares líricos com a direção de Carvalho. O cenário lúdico, colorido e artesanal, além das formas ousadas de exibir as cenas (a tela da TV pode virar uma página de quadrinhos, uma casa de boneca com todos os cenários ao mesmo tempo, um cinemascope, uma pintura) já é parte do currículo do diretor em outros trabalhos em séries e miniséries. Mas, em novelas, o risco se mostrou um acerto. Meu Pedacinho de Chão é fascinante — a melhor novela atualmente no ar —, e tem uma Juliana Paes (Catarina) em seu melhor trabalho na TV e um Irandhir Santos inquestionável como Zelão.

Às sete, a expectativa ficou em torno de Geração Brasil. Dos mesmos autores do último grande sucesso da faixa, Cheias de Charme, Filipe Miguez e Izabel de Oliveira tentaram pegar carona na conexão que Cheias de Charme fez com a internet. Dessa vez, Geração Brasil vai fundo no tema tecnologia, mas não acerta. A trama apostou em um aplicativo para ocupar o tempo durante a Copa, já que a novela deixou de ser exibida. Geração Brasil não cativa, e o tema (tecnologia) não é do gosto popular: o mais humilde pode ficar perdido, e o mais antenado, ri da simplicidade que o tema é tratado. Mas, ainda assim, cumpre a cota de entreter. A Pâmela Parker de Cláudia Abreu está maravilhosa. É incrível como a atriz tem o poder de fazer qualquer papel de maneira excelente. Murilo Benício está à vontade como Jonas Marra, o magnata da tecnologia que pode morrer a qualquer momento, assim como Taís Araújo no papel da jornalista Verônica Monteiro. Mas o destaque fica por conta de Luiz Miranda. O ator faz Dorothy Benson, uma transexual nascida homem, mas é “mãe” do guru Brian Benson (Lázaro Ramos). Miranda está hilário, e garante boas risadas.

A estréia de Em Família era muito aguardada, pois esta pode ser a última do autor Manoel Carlos. As duas primeiras semanas, apesar de ágeis e bem feitas, não caíram no gosto popular. Apostei errado (muito errado!) que esta poderia ser a melhor trama de Maneco. Longe disso, Em Família se arrastou, com uma trama calma e convencional demais. Será a menor trama em número de capítulos do horário. Apesar disso, ainda há esperança: o texto de Manoel Carlos é bom, e os atores tem garantindo boas atuações — à exceção de Gabriel Braga Nunes, o Laerte. Uma pena que Maneco, autor de sucessos como Por Amor e Laços de Família se despeça com uma trama tão ruim.

Já a Record vive momentos de tensão. Com o “fracasso” de Pecado Mortal, a emissora estreou Vitória. A novela é da autora Cristiane Fridmann, responsável pela última novela da Record (Chamas da Vida) a dar mais que 10 pontos de média. No entanto, Vitória não traz nada de novo — a não ser o núcleo neonazista, bem defendido por uma excelente Juliana Silveira. Há um exagero de tom (direção, atuação) que não se via em Pecado Mortal. Junte a isso uma trilha sonora com direito a música de Thalia, atuações questionáveis e um texto que não é bom de se ouvir, Vitória está dando menos audiência que a novela anterior. Confesso que assisti à primeira semana e foi um sacrifício, mesmo com as belas paisagens de Curaçao e grandes atores em cena, como Antonio Grassi, Lucinha Lins e Bruno Ferrari.

Nos próximos dias, duas estreias (na Globo) prometem movimentar a TV. Primeiro será O Rebu, dia 14, às 11 da noite. O remake da trama de Bráulio Pedroso (em 1974) é assinado e dirigido pela mesma equipe de Amores Roubados (José Luiz Villamarim/direção e George Moura/autor), minissérie que deu mais audiência do que qualquer novela falada nesse texto. A novela, com apenas 37 capítulos, se passa em um único dia. Se à época já foi considerada moderna (pela estrutura não linear), hoje fica a expectativa em torno da equipe, que ao lado do núcleo de Luiz Fernando Carvalho, é a mais inventiva da Rede Globo. As chamadas já dão mostras que o estilo da equipe estará lá: fotografia marcante — O Rebu é fria, azul, cinza —, um roteiro misterioso e, sem dúvida, grandes atuações.

Na semana seguinte, em 21/7, Império é a esperança da emissora recuperar o grande público perdido com Em Família. A trama de Aguinaldo Silva promete resgatar o “novelão”. O autor é responsável por vários sucessos, e, apesar de polêmico, fala verdades que muitos se recusam a aceitar. A história resgata tramas de ambição, disputas familiares (mais intensas do que as de Em Família) e personagens que podem ser marcantes. A chamada da personagem Dora, de Drica Moraes, dá mostras da vilania e do talento inquestionável da atriz.

Outra estréia que, ao meu ver, é curiosa, será a substituta de Meu Pedacinho de Chão: Boogie Oogie. A trama das seis é a estréia do autor português Rui Vilhena, que foi colaborador de Aguinaldo Silva em Fina Estampa. A trama é o retorno da emissora em investir em novelas que se passam nos anos 1970. Curioso, pois Pecado Mortal também foi esse resgate de um período fértil em música e cultura, mas que fora abandonado pela Globo por décadas. Boogie Oogie foi gestada enquanto Pecado Mortal estava em exibição. Há uma grande coincidência nisso aí, e aposto que a qualidade da trama da Record impulsionou a Globo a apostar no tema. As primeiras chamadas já estão no ar, e contam até com uma música de Pecado Mortal. Até o logo da Globo — algo inevitável — ficou tal qual o globo de luz da novela da Record.

No horário das sete, será a vez de Alto Astral, escrita por Daniel Ortiz e com supervisão do craque Silvio de Abreu. A história gira em torno de um médico, mas que também é médium em fala com os mortos. A direção é de Jorge Fernando e, pela equipe (autor/diretor) é um resgate do rótulo do horário: Alto Astral será uma comédia. Tão comédia, que até o primeiro nome da trama era irreverente: Búu. Estreia em novembro, e as gravações ainda nem começaram.

P.S.: Chiquititas, do SBT, é a única que não tem problemas com a audiência, já que todas as outras, em menor ou maior grau, não atingem os índices que os patrões desejariam. O público infantil tende a ser mais cativo, e a novela mantém médias acima de 9 pontos. Já Malhação é, cada vez mais, o treinamento de novos atores e o retorno de atores mais velhos que estavam deixados de lado. Malhação parece ser de outro planeta, já que vem ano e sai ano, as tramas não conseguem estabelecer conexão alguma com a realidade dos jovens que querem retratar.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.