Boogie Oogie convida para dançar — e escorrega na pista

A trilha sonora imbatível e a boa história não esconderam o texto por vezes didático e a caracterização acima do tom

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

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O horário das seis das novelas da Rede Globo é o mais estável da emissora, na qualidade de suas produções. Às sete, ainda há a procura por um caminho — é o horário mais difícil em teledramaturgia, onde muitos públicos estão ligados —, e às nove, tem se alternado em boas e más produções — no caso, histórias e roteiros capengas, a despeito da qualidade técnica.

A imprensa geralmente fala em “recuperar os índices da antecessora”. Um erro cada vez mais comum. A fuga de telespectadores a cada nova novela é irreversível. Eles estão em outras plataformas e, quem ainda se prende em números, precisa acordar para a nova realidade.

As tramas das seis — assim como a maioria dos horários, em praticamente todos os canais — perdem cada vez mais audiência. No entanto, a qualidade de suas produções é visível. É o horário que mais “experimenta”, enquanto os outros são mais conservadores. O texto também acompanha, ainda que priorizem tramas clássicas — ainda presas aos rótulos de horários, que devem acabar o quanto antes — assim como a classificação indicativa.

Depois de uma obra de arte chamada Meu Pedacinho de Chão, a Globo vem com uma trama de época. Pela primeira vez em muitos anos, a emissora volta a apostar nos anos 1970. Boogie Oogie quer reviver essa época (mais precisamente, 1978) marcante em música, moda e cultura. É a estréia do autor Rui Vilhena, moçambicano que já passou pelo Brasil na equipe de Fina Estampa (2011) e escreveu novelas de sucesso em Portugal.

Inevitáveis serão as comparações com Pecado Mortal, novela da Record que, na minha opinião, é a melhor novela exibida na TV nos últimos anos. A trama se passava nos mesmos anos 1970. A comparação será no âmbito técnico: as histórias são diferentes, e a caracterização de figurinos e cenários será o alvo das discussões. Neste primeiro capítulo, foi vista uma tentativa — muitas vezes forçada — de mostrar itens daquela época. No afã de ser tão fiel, acabou sendo over. Pecado Mortal, que foi tão criticada nesse ponto, parece ser muito mais próxima do que foi aquela época. E muitas das músicas usadas na trilha de Pecado Mortal estão em Boogie Oogie. Para quem acompanhou a trama da Record, a lembrança será automática.

Sandra (Ísis Valverde), Vitória (Bianca Bin) e Suzana (Alessandra Negrini)
fotos: Site de Boogie Oogie na globo.com

Boogie Oogie se vale de uma história clássica: uma troca de bebês e amores à primeira vista. Sandra (Ísis Valverde), menina pobre e batalhadora, foi trocada na maternidade com Vitória (Bianca Bin), menina rica e mimada, por Suzana (Alessandra Negrini). Esta, fez a troca por vingança, ao saber que o amante Fernando (Marco Ricca) terá uma filha com Carlota (Giulia Gam).

Outra trama é romance de Sandra, que vê o marido morrer no dia do casamento. Uma queda de avião matou Alex (Fernando Belo) ao tentar salvar Rafael (Marco Pigossi), que pilotava. Ele, noivo de Vitória, vê Sandra antes da queda, e se apaixona. Aí começa mais um romance e tudo aquilo que é visto na maioria das novelas. No entanto, o autor Rui Vilhena promete reviravoltas a cada 50 capítulos, pelo menos — já podemos esperar uma trama convencional, com mais de 150 capítulos.

Essa declaração do autor me deixa intrigado. Me parece que ele — e a emissora — são cientes de que o formato não empolga mais. Então, da-lhe declarações sobre “o ritmo da história”. O diretor de núcleo Ricardo Waddington já disse que Vilhena é “o rei dos ganchos” (o fim de um capítulo, que atrai o telespectador para o próximo). Há uma insistência, uma tentativa de mostrar ao público que “sim, novela também pode ser ágil”. Depois da enxuta e precisa Meu Pedacinho de Chão, a emissora parece precisar agir dessa maneira.

Outro item evocado pela mídia — e pela própria Globo — é um retorno à Dancin’ Days, novela da década de 1970. Aqui, é a insistência em reviver um sucesso. Como se o “fantasma” de Dancin’ Days fosse “abençoar” Boogie Oogie. É uma tentativa, ao meu ver, desesperada de retomar um sucesso de audiência, inflando a atual.

Tentativa desesperada também de mostrar ao telespectador — subestimando sua capacidade — de que a trama realmente se passa nos anos 1970, através de itens no cenário (um aspirador no meio do corredor, por exemplo), televisores antigos, situações daquela época (Copa de 78, p.e.), e outros. Faltou naturalidade.

Os méritos de Boogie Oogie estão no elenco — que saudades, Alessandra Negrini, Deborah Secco e Betty Faria! — e na direção. O texto parece um retrocesso. Movimento, aliás, visto também em Império, novela das nove. Clichês batidos e frases didáticas que explicam a trama e a condição das personagens foram comuns nessa estreia. Bola fora.

No entanto, a equipe conta com o diretor Gustavo Fernandez, da incompreendida (porém boa trama das sete) Além do Horizonte. Waddington também tem gabarito (diretor de núcleo de Avenida Brasil, Joia Rara, Além do Horizonte). É a segunda novela de Fernandez com um autor estreante (Além do Horizonte lançou Carlos Gregório e Marcos Bernstein, veterano de cinema e séries).

Por este primeiro capítulo, Boogie Oogie mostrou que tem uma boa história — apesar do texto ainda não parecer o ideal — além de uma trilha sonora imbatível.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.