Geração Brasil faz boas críticas, mas se perde na trama — ou na falta dela

A novela carece de um item essencial: falta o caldo que atraia o telespectador. Mas critica uma sociedade através de marcas, programas de TV e filosofias

Bruno Viterbo
Ficção brasileira
6 min readAug 25, 2014

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Em meio à novela, uma crítica de uma sociedade ávida por consumo de tecnologia e televisão. Pena que essas críticas — pouco percebidas — não estejam acompanhadas de uma trama que envolva o telespectador.

Geração Brasil é o extremo oposto da novela anterior dos autores Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, Cheias de Charme. Esta foi a estreia de sucesso da dupla, a última novela do horário das sete a ter repercussão e, consequentemente, audiência. As “Empreguetes” viralizaram e pela primeira vez um produto clássico (novela) fez conexão perfeita com a segunda tela ou internet — chegando até às rádios.

Chega a ser irônico uma novela que tem a tecnologia de pano de fundo não alcançar o mesmo sucesso de uma outra trama que apenas usou um artifício para se conectar. No entanto, Cheias de Charme possuía algo que Geração Brasil não tem: uma trama que envolva o telespectador. Mesmo com aplicativo lançado (o Filma-e, onde as pessoas podem interagir com alguns casos da trama), a novela não chega nem perto do buzz que Cheias de Charme atingiu com um simples vídeo na internet. Da simplicidade, talvez, brotam as melhores ideias. (Curiosamente, duas das três Empreguetes de Cheias de Charme estão na novela: Isabelle Drumond e Taís Araújo”).

A despeito da falta de trama (ou da lentidão, ou da sutileza , ou da falta de vilões que movimentem a novela) que segue em Geração Brasil, a história tem tocado em assuntos pertinentes. A crítica televisiva — sempre às voltas para falar bem ou mal da TV — não captou o que pode ser um ponto positivo na novela.

Geração Brasil transita pelo mundo da tecnologia. Uns dizem que a novela acaba por ser uma extensão do trabalho, já que há o ambiente corporativo da Marra, empresa de Jonas (Murilo Benício). Vou além: a novela acaba por parecer um comercial sem fim — ainda mais quando há uma loja de varejo popular, o Varejão do Barata (Leandro Hassum). Como não lembrar das Casas Bahia, quando até as cores do Varejão são as mesmas, e da Apple ou do Android com a fictícia Marra e sua abelhinha robotizada?

Há um debate interessante a respeito de tecnologia aberta, defendida por Davi (Humberto Carrão) versus Marra Brasil, empresa que visa o lucro tal qual uma Apple ou qualquer outra gigante. Mas o debate acaba por parecer incompreensivo para um público que não quer saber como é feita a tecnologia e os bastidores dela (só quer consumir) e raso por quem entende do tema.

A sensação de “comercial eterno” fica mais evidente com a Parker TV. A emissora fictícia tem inserts na trama, com direito a logomarca no canto da tela, transformando a novela em um canal de TV. E é aí que Geração Brasil faz sua maior crítica. Os reality shows expõem uma cultura dessa geração, ávida por saber da vida dos outros e por competições.

Os realities Geração Brasil (sim, o mesmo nome da trama) e Geração Nem-Nem (de nem estuda, nem trabalha) foram os exibidos, além do show de celebridades com Shin Soo (Rodrigo Pandolfo). O exagero de Shin no trato com as “celebridades” Pamela Parker-Marra (Claudia Abreu), Dorothy Benson (Luís Miranda) e Brian Benson (Lázaro Ramos) é uma crítica ferrenha ao mundo tão fútil visto na maioria das celebridades em todo o planeta. Geração Nem-Nem, apesar de ser uma crítica sutil à forma apelativa que a TV trata da vida das pessoas, levantou um debate emocionante a respeito de racismo, através do personagem Matias (Danilo Ferreira). Negro, sofre por sua condição e não consegue se desenvolver nos estudos por causa de preconceito. Ponto para a novela.

A relação jornalística com suas fontes também é alvo de discussões. Verônica (Taís Araújo), jornalista dedicada, sofre a tensão de publicar ou não uma biografia de Jonas, com quem teve um caso. Sofre a pressão da chefe e fica na corda bamba, já que a chefe não tem pudores.

A única crítica que não deu certo é através do techguru Brian Benson. O personagem que antes prometia ser destaque, hoje parece uma bobagem. O guru — e seus seguidores, como Jonas, Pamela e Doroty — remete às celebridades adeptas da cientologia, seguida por Tom Cruise e John Travolta. Mas, de inicialmente bem humorada crítica, o “Mistério” de Benson simplesmente não funciona. Soa sem graça perto do Varejão do Barata ou das tresloucadas situações de Dorothy, defendida por um excelente Luís Miranda. Outra crítica que afundou foi a bad girl Megan (Isabelle Drummond). Com todo o esterotipo de uma Miley Cyrus ou Paris Hilton, Megan tinha a proposta de ser polêmica, mas afundou na chatice. De bad girl, tornou-se uma garotinha mimada.

Enquanto isso, Geração Brasil carece de vilões. A Gláucia Beatriz de Renata Sorrah evocava a clássica vilã da atriz, Nazaré, de Senhora do Destino. Porém, Gláucia apenas atazana a vida do filho, com quem tem um mistério sendo revelado aos poucos. Herval (Ricardo Tozzi) também começa a dar mostras de que tem um caráter duvidoso: ele provavelmente que destruir Jonas por algo do passado.

Item fundamental para uma novela, os romances não cativam. Nem o amor de Jonas por Pâmela e a paixão por Verônica, formando um triângulo, causam alguma emoção. Davi e Manu (Chandelly Braz) começam a dar mostras de que são muito diferentes mas, mesmo assim, é insosso — ainda que ela comece a mostrar uma personalidade até então desconhecida, abalando o relacionamento dos dois. Ela ainda tem uma ligação com Zac Vírus, “vilão tecnológico” que tentou derrubar Davi no reality Geração Brasil.

Chega a ser loucura pensar que alguns fatos — os que mais movimentam a trama — só aconteceram na metade da novela, que tem a previsão de acabar em novembro.

Geração Brasil cumpre sua cota de entreter. Não chega a ter uma boa trama como a antecessora, Além do Horizonte, mas tem lá seus momentos de diversão. Gosto da novidade: foge de clichês ao abordar um tema pouco explorado — ainda que equivocadamente.

Entre repetições de histórias e novidades, fico com a segunda opção. Apenas assim — na insistência, mesmo sem sucesso — a TV aberta e suas novelas passarão a ter algo de interessante em um produto cada vez mais em crise e que busca reverter essa situação. Histórias boas para se contar não faltam.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.