“Meu Pedacinho de Chão” é a disposição da Globo em mexer com seu maior patrimônio

Numa época em que as novelas estão pobres de criatividade, a estreia marca o que pode ser uma reinvenção para o gênero

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

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A estreia de “Meu Pedacinho de Chão” esteve cercada de expectativa. Afinal, era o retorno da dupla Luiz Fernando Carvalho na direção e do autor Benedito Ruy Barbosa. Os dois repetem a parceria de sucesso vista em “Renascer” e “O Rei do Gado”. É também o retorno do diretor às telenovelas, depois de anos dedicando-se à produtos especiais da Globo.

As chamadas da nova novela das seis já despertavam curiosidade. Coloridas, lúdicas, remetendo a um universo que se pressupõe infantil. O remake da novela de 1971 mantém os temas sociais, como educação e reformas políticas, passando longe de temas infantis. Mas “Meu Pedacinho de Chão” une o real (representado pela a história) e a fantasia (o visual de figurinos e cenários). Uma mistura que mostra a disposição da emissora em mexer com o seu maior patrimônio: as novelas.

O estilo de Luiz Fernando Carvalho está lá: uso quase que exclusivo de materiais recicláveis para compor cenários e figurinos (impossível não lembrar de “Hoje é dia de Maria”), enquadramentos que fogem do convencional (“Capitu” e “Suburbia”) e diálogos mais declamados (“A Pedra do Reino”, “Capitu”, “Alexandre e outros heróis”). Para alguns, funciona. Para outros, o estilo é “micagem”. Nem um, nem outro. Luiz Fernando Carvalho é um dos poucos que tem uma marca na TV brasileira. Talvez por essa excentricidade, as obras do diretor não costumam ser sucesso de audiência, mas são geralmente sucesso de crítica.

foto: Alex Carvalho/TV Globo

Em entrevista ao Estadão (“A televisão brasileira tem dado sinais claros de esgotamento de seu modelo”), o diretor, quase que num manifesto, afirmou que “Precisamos pensar em uma televisão do futuro. Esta já passou. Estamos reproduzindo um modelo de cinquenta anos atrás! Para o bem de todos, não desejo que dure mais, sinceramente falando! É fundamental abrirmos uma reflexão dos conteúdos paralelamente à linha de produção diária. […] falta o salto do pensamento, do desejo, uma ação corajosa em direção às pesquisas estéticas, às novas linguagens artísticas e aos novos formatos e modelos de produção”.

Ao fugir do convencional, o diretor volta com uma novela curta, pronta e com apenas 20 personagens. “Meu Pedacinho de Chão” terá apenas 105 capítulos — longe dos 173 de “Joia Rara”, a anterior — e já está toda escrita. Um modelo que pode apontar o futuro das novelas no Brasil. Além disso, o fato de ser uma obra praticamente fechada e curta, dá mais autonomia ao diretor: mais tempo de criação, dedicação e cuidado com a obra.

“Meu Pedacinho de Chão” é contada através da visão de duas crianças, Pituquinha (Geytsa Garcia) e Serelepe (Tomás Sampaio). Ela é filha do vilão, o coronel Epaminondas (Osmar Prado) e da madame Maria Catarina (Juliana Paes). Coronel Epa fará de tudo para impedir o avanço de Vila de Santa Fé, a fictícia cidade. O avanço é representado por Pedro Falcão (Rodrigo Lombardi) e pela vinda da professora Juliana (Bruna Lienzmeyer), que terá sua escola proibida pelo coronel. Ela despertará a paixão de três habitantes da vila: o capataz Zelão (Irandhir Santos, estreante em novelas, ator do sucesso “Amores Roubados”), o médico Renato (Bruno Fagundes) e Ferdinando (Jhonny Massaro). Nada muito diferente do que já foi visto.

O enredo, portanto, remete a qualquer novela clássica. Mas isso não importa. A dimensão lúdica que foi dada a “Meu Pedacinho de Chão” mostra que a TV brasileira tem capacidade de se reinventar, adaptando histórias e mostrando-as de forma diferente. É uma reinvenção do diretor Luiz Fernando Carvalho, já que aqui ele aplica todos os elementos que marcaram suas últimas obras na TV. O risco que a Globo assumiu é grande: ou a novela será bem recebida ou baixará ainda mais os índices do horário, que tem dado média geral de 18 pontos. Porém, com o discurso de que é mais importante entregar bons produtos, não será alarmante ver uma queda na audiência.

No conjunto da obra do diretor, pode soar como “reciclagem” ou até mesmo repetição. Mas em um universo (as novelas) que esteve tão congelado e pobre de criatividade, a “fábula” que a Globo resolveu apostar vem em boa hora.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.