Números não definem o sucesso — ou o fracasso — de uma obra

A megalomania das TVs em ter a obrigação de aumentar os índices de audiência

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

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O que é fazer sucesso na TV brasileira? É ter uma audiência nas alturas? É ter uma enxurrada de críticas positivas? É amargar baixos índices e ainda assim ser aclamada? É ter uma história péssima e ainda assim manter a audiência?São perguntas que muitos se fazem, mas pouco estão preocupados. Na maioria das vezes, o lixo é recebido com alegria e o fino é recebido com desprezo.

Vejamos: “Amor à Vida”, na Globo, tem uma audiência estável, por volta dos 36 pontos e caiu na boca do povo: Félix (Mateus Solano) carrega a novela nas costas. Apesar do roteiro capenga, piegas, didático e todos os defeitos possíveis para um mau texto, apesar das críticas do próprio elenco ao texto de Walcyr Carrasco — e das respostas “ácidas” do autor, que definitivamente não sabe lidar com este tipo de situação —, a novela tem repercussão e audiência totalmente satisfatórias.

No outro extremo, “Pecado Mortal” conseguiu baixar ainda mais o índice das novelas na Record. Com 5 pontos de média, a novela não atingiu o público. Mas é aclamada por críticos de TV e por quem assiste. Há defeitos, é claro, como a cenografia e o áudio que mereciam melhores cuidados. Mas nada grave. Ricardo Feltrin, colunista da “Folha”, definiu de maneira perfeita o que acontece com “Pecado Mortal” (reproduzo na íntegra. Os negritos são meus):

SOOOOOOBE

“Pecado Mortal”, da Record

Sinceridade? Em termos de iluminação, cortes, edição e efeitos especiais, “Pecado Mortal” definitivamente é uma das novelas mais inovadoras de todos os tempos. O uso de trilha sonora clássica, com trechos de Carl Off, Bach e Mozart, em momentos de suspense, também é algo totalmente incomum na dramaturgia nacional. O elenco principal não deixa nada a dever ao das principais produções da Globo. A explicação para o ibope não estar nos dois dígitos pode ser duplo: hábito do telespectador e vício do chamado “colunismo de TV”. Explica-se. Após quatro décadas, o telespectador parece estar anestesiado e ter virado consumista apenas de produções dramáticas de grande porte que saiam da Globo. Por outro lado, a pouca repercussão da novela de Carlos Lombardi na mídia é, em parte, resultado de uma espécie de “vício” ou “má vontade crônica” com relação a produções da Record. Como se todas as novelas que a emissora produz fossem apenas a “Recópia” da concorrente. Pois, nesse caso, não é mesmo. A verdade é que, se fosse exibida na Globo, “Pecado Mortal” estaria sendo tratada hoje como o suprassumo das novelas, a expoente máxima da neodramaturgia, uma obra de vanguarda, engenho e talento, com linguagem inovadora. Não é à toa que a Globo alterou até seu horário nobre para prejudicar ao máximo a novela da rival. Ela sabe o tipo de produto com que está lidando. Já o telespectador noveleiro, por azar, não sabe.

Além do Horizonte”, novela das 19h na Globo, também é outro exemplo de um ótimo produto com baixa audiência, porém com boas críticas. No entanto, é a melhor novela da Globo no ar.

Renata Sorrah como Nazaré, em “Senhora do Destino”: 50 pontos de média geral

Há também uma megalomania por parte das emissoras (e, principalmente, da mídia) de que toda novela a estrear deve, obrigatoriamente, dar mais audiência que a anterior. E que as últimas novelas amargam índices baixíssimos. Um exemplo: “Senhora do Destino” (2004) teve uma média geral de 50 pontos de audiência, o maior índice dos últimos tempos. Cinquenta pontos. Hoje, o último grande sucesso do horário das nove, “Avenida Brasil” (2012), teve “apenas” 39 pontos. Se compararmos os índices com a novela de 2004, é um fracasso retumbante. Só que ninguém leva em consideração que o Ibope muda seu método de medição. Atualmente, corresponde a 62 mil domicílios. Em 2004, correspondia a 48,5 mil. Numa conta simples de multiplicação, a quantidade de domicílios é praticamente a mesma, com uma pequena vantagem para “Senhora do Destino” (uma diferença de 7 mil domicílios).

A queda de audiência em todas as emissoras é um fato. A medição digital chegará em poucos anos e aí sim teremos números reais, inteiros. Mas é covardia e frieza deixar para “números” — e apenas eles — definirem o sucesso ou o fracasso de uma obra.

P.S.: Em entrevista à Folha, o diretor geral da Globo, Carlos Henrique Schroder, afirmou: “Temos que tirar da frente a obrigação de entregar pontuação. Temos que entregar o produto. A audiência virá como consequência”. O diretor disse isso em fevereiro de 2012. Os resultados tem aparecido, uns positivos (como “Amores Roubados”) e outros negativos, como “Além do Horizonte”.

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Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.