O Rebu é o biscoito fino da TV

Estréia das onze tira telespectador da zona de conforto

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

--

A trama de O Rebu já era considerada inovadora em 1974 por situar toda a história em um período de 24 horas, mas em 112 capítulos. A novela de Bráulio Pedroso entrou para a história da teledramaturgia ao apresentar uma historia policial em que o assassino e o corpo boiando na piscina eram desconhecidos do público.

O mistério para o crime também era um segredo, e a ação da novela era feita em três tempos, com o uso de flashbacks: investigações da polícia, cenas da festa e cenas do passado dos personagens.

Na obra original, Silvia (Bete Mendes) era o corpo boiando na piscina, crime cometido por Conrad Mahler (Ziembinski) por ciúmes de Cauê (Buza Ferraz), seu protegido. Pelas chamadas, já sabemos que o corpo é de um homem (leia mais abaixo).

O Rebu, ainda hoje, é inovadora. Em um período pouco fértil em nossa teledramaturgia, esse tipo de “respiro” — ainda que na forma de remake — é importante. A equipe é a mesma de Amores Roubados: José Luiz Villamarim na direção, George Moura na autoria (em O Rebu conta com o parceiro Sérgio Goldenberg) e, talvez o nome mais importante da equipe, Walter Carvalho, o diretor de fotografia. Carvalho imprime seu estilo com mão pesada: a fotografia é marcante.

Amores Roubados tinha uma fotografia seca, pura, por vezes árida (sem ser “amarelada”). O Rebu é o oposto total: fria, azul, cinza. Mantém alguns efeitos visto até em O Canto da Sereia (2013), microssérie também da mesma equipe, como desfoques e distorções em posições aleatórias.

A novela começou com uma abertura misteriosa (assim como nas outras obras da equipe), que preza por uma trilha instrumental e por imagens “soltas” da trama. Aí, começou, literalmente, o rebu: uma sequência ao som de “Don’t let me be misunderstood”, um clássico. Aliás, toda a trilha sonora mostrada nesse primeiro capítulo é matadora.

O mistério — e os motivos — do assassinato são mostrados em cenas “picotadas”. Esse é o grande mérito de O Rebu. Tira o telespectador da zona de conforto e põe a cabeça para pensar, montar um quebra-cabeça. Entre uma cena da festa e outra, são mostrados flashbacks do que os personagens fizeram. Esse é o mérito que pode afastar esse telespectador que estava em uma zona morta, com novelas de qualidade questionável e roteiros capengas.

Junte a isso um elenco afiado, afinado e competente: Cássia Kis Magro e Patrícia Pilar, Tony Ramos e José de Abreu, Sophie Charlotte, Jesuíta Barbosa, Júlio Andrade, Maria Flor, Cyria Coentro, Mariana Lima, Vera Holtz, Camila Morgado e Daniel de Oliveira (Bruno Ferraz, o corpo na piscina), entre outros. Um fato curioso: muitos deles estiveram em Avenida Brasil (que Villamarim dirigiu), O Canto da Sereia e Amores Roubados. É um time praticamente imbatível nos últimos anos na TV aberta.

O que essa equipe tem entregado não parece Globo. Aliás, é Globo com seu padrão de qualidade que poderia ser maior ainda, mas diferente. Uma equipe antenada, que capta o espírito do tempo como nenhuma outra. Tem referências, ousa, acerta em cheio. Ao lado de Luís Fernando Carvalho, diretor de Meu Pedacinho de Chão, é a equipe mais inventiva da emissora.

O Rebu é a continuidade do que Amores Roubados trouxe à TV aberta, mas vai além. O formato novela — que se adapta a cada dia — está lá, mas há um gás novo, uma nova forma de contar histórias, coisa que o horário das onze para remakes tem permitido.

E, se o formato novela quiser sobreviver, é olhar para O Rebu e ver que sim, é possível ser surpreendente.

Atualização em 16/07: Passados dois capítulos, O Rebu é um quebra-cabeça policial dos bons — e ainda nem começaram as investigações. Se o telespectador perder uma cena, já perde o fio da meada. Incrível a montagem e o texto da novela.

Se Amores Roubados era um produto para ser degustado com calma e apreciação— uma referência à vinícola e ao degustador de vinhos da história—, O Rebu é para ser aproveitado ao máximo: daí o perigo de se perder qualquer segundo. É um rebuliço, uma festa para ser curtida até o fim, até o último momento, sem perder nada.

Outro ponto que deve ser colocado em discussão é a capacidade da equipe. O diretor José Luiz Villamarim participou dos quatro produtos mais interessantes nos últimos anos: a novela Avenida Brasil, as minisséries O Canto da Sereia e Amores Roubados, e agora. Walter Carvalho, diretor de fotografia, participa em O Rebu e esteve em Amores Roubados. O autor George Moura, em todos, menos Avenida Brasil.

Tirando Avenida Brasil, todos os outros três produtos são adaptações de obras literárias (as minisséries) ou da própria TV (O Rebu). O talento do grupo é indiscutível. Mas, fica a pergunta: quando veremos essa equipe matadora realizar algo original, realmente inédito, por mais originais (do ponto de vista técnico e das alterações nas histórias) que as obras já feitas pareçam?

Fica a curiosidade e a expectativa desde já.

--

--

Bruno Viterbo
Ficção brasileira

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.